DISCURSO À REALIDADE
2. O DIREITO À EDUCAÇÃO NO MUNDO ATUAL
Terminada a Segunda Guerra (1945), o mapa político mundial foi alterado
sensivelmente. Surgem uma nova realidade que produziu novos pactos e um
quadro de novas relações diplomáticas. Ergueu-se um mundo dividido entre
capitalistas e socialistas, inaugurando o período histórico que ficou conhecido
como Guerra Fria.
Esse novo contexto mundial exigiu outras formas de controle político
entre as nações capitalistas. São produzidos novos conceitos de geopolítica,
como o de interdependência, que foi uma das criações do período.
Antes mesmo de terminar a guerra, alguns acordos foram feitos entre
as potências, definindo partilhas e esboçando a realidade que emergia.
Anteriormente, em 1919, com o fim da Primeira Guerra Mundial, foi proposta a
criação de um organismo internacional destinado a arbitrar conflitos e manter
a paz. A Liga das Nações foi então criada. O papel desempenhado por ela no
período entre-guerras (1919-1939) foi extremamente limitado, dado que os
atritos entre os países europeus permaneciam latentes.
Com a Segunda Guerra Mundial, a idéia da criação de um organismo, com
representantes de 50 países redigiram a Carta das Nações Unidas, criando a
Organização das Nações Unidas (ONU), que passou a existir oficialmente em
24 de outubro de 1945. Seu funcionamento interno, entretanto, privilegiava
desde a sua criação, os interesses das grandes potências mundiais.
Em 1948, a Assembléia Geral da ONU proclamou a Declaração Universal
dos Direitos do Homem. O artigo 26 trata das questões relacionadas à
educação. Serão enfocados a seguir, segundo as considerações formuladas por
Piaget (1948), em atendimento à Comissão Internacional para o
Desenvolvimento da Educação, órgão dependente da UNESCO, alguns desses
aspectos, que me parecem importantes para o presente trabalho.
I
“Toda pessoa tem direito à educação”
Entendendo que o desenvolvimento do ser humano está subordinado aos
fatores hereditários e às adaptações biológicas, para que isso aconteça é
necessária a evolução do sistema nervoso e dos mecanismos psíquicos
(1948) propõe que para o direito à educação ser exercido é necessário
reconhecer o importante papel dos fatores sociais na formação do indivíduo.
Os seres humanos constituem a única espécie que ensina, ou pelo menos
ensina sistematicamente, e que foi capaz de fazer da educação um dos pilares
de sobrevivência da espécie, como explica Delval (2001, p. 15):
A educação é a maior invenção que os seres humanos produziram e é uma das principais chaves de seu êxito como espécie animal. Graças a ela, os humanos recebem o conhecimento acumulado pelas gerações anteriores e não têm que partir do zero. Sobre a educação estabelece-se a cultura, o conjunto das aquisições que as sociedades humanas acumularam e que transmitem de uma geração a outra.
Um dos papéis da escola é o de transmitir o conhecimento acumulado
pela história da humanidade. Para que isso aconteça é necessário que cada
criança o reconstrua. Nas palavras do historiador Giambatista Vico (apud
Becker, 2003, p. 06): “a humanidade é obra dela própria”.
A idéia de construção do conhecimento não é nova. Ela vem se
configurando pelo menos desde o século XVIII. Porém, é no século XX que ela
se consolida, em profundidade e extensão, com a Epistemologia Genética de
Piaget. A capacidade de conhecer do indivíduo é obra dele mesmo, bem
contriamente ao que o senso comum nos faz crer. Aprendemos sempre que a
Esses dados permitem que se repense e amplie o significado do direito à
educação. Garantir o direito do indivíduo à educação é assumir uma
responsabilidade muito maior que a de assegurar a cada um a capacidade de
leitura, escrita e cálculo. É, mais que isso, garantir a toda criança o pleno
desenvolvimento de suas funções mentais, bem como a aquisição dos
conhecimentos e valores morais que correspondam ao exercício dessas
funções, até a adaptação à vida social atual. No dizer de Piaget (1948, p. 35):
O direito à educação é, portanto, nem mais nem menos, o direito que tem o indivíduo de se desenvolver normalmente, em função das possibilidades de que dispõe, e a obrigação, para a sociedade, de transformar essas possibilidades em realizações efetivas e úteis.
II
“A educação deve ser gratuita”
Segundo Piaget, há um grande abismo separando a educação que
acontece na realidade daquilo que verdadeiramente significa o direito e o
acesso a ela. Num primeiro momento, enfrentamos um problema relacionado à
diferenciação que se faz do direito à educação do ensino fundamental,
reconhecido por todos os países, em relação ao direito ao ensino médio, que
Estabelece-se também uma enorme distância entre o direito de
freqüentar uma escola organizada e ali encontrar tudo quanto pressuporia o
“pleno desenvolvimento da personalidade humana”.
O ensino fundamental é obrigatório, por lei, em quase todos os países.
Mas é preciso não nos deixar iludir, já que a aplicação universal da lei é
dificultada pelo número de escolas e professores que permanece insuficiente
para atender à população em idade escolar.
O problema da obrigação escolar se desdobra numa questão de justiça
social. A escolaridade elementar obrigatória não terá sentido se não for
gratuita. Por isso, a gratuidade é reconhecida em todos os países que o tornam
obrigatório. Entretanto, ela deve ser estendida para além do direito à
inscrição porque outros problemas se apresentam: despesas com transporte
para alunos que residem longe, material escolar, alimentação, dentre tantos
outros.
A gratuidade do ensino médio se apresenta em condições ainda mais
desfavoráveis. Em vários países já é gratuito, mas não o é de modo algum em
toda parte. Essa situação determinou, nos mais diferentes meios, a eclosão de
um movimento, que se generalizou, em favor de uma real igualdade de acesso ao
Todas essas dificuldades se tornam ainda maiores quando se trata do
ensino universitário. O Brasil tem sido signatário de inúmeros acordos
internacionais relativos à educação. Como exemplo, podemos citar alguns, como
os firmados na década de 1990: Conferência Internacional de Educação para
Todos, Jomtien, Tailândia, 1990; a Declaração de Nova Delhi, Índia, 1993; a
Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social, Copenhague, Dinamarca, 1995; a
Declaração de Hamburgo, Alemanha, 1997.
No que diz respeito à gratuidade da educação, vamos destacar o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1992, que
assegura no artigo 13, segundo Vieira (2001, p. 42 ):
a) a educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos; b) a educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissionalizante, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito; c) a educação de nível superior deverá, igualmente, tornar-se acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito.
Mais uma vez, nos confrontamos com uma realidade bem diferente, pois
a atuação dos governos nem sempre caminha na direção das propostas
III
“Os pais têm, por prioridade, o direito de escolher o gênero de educação
a dar a seus filhos”
A história da humanidade tem assinalado progressiva redução da
extensão dos direitos da família, ao mesmo tempo em que se ampliam os
poderes do estado.
Existem pais comprometidos com a educação de seus filhos e pais, que
por um leque enorme de fatores, não têm o mesmo compromisso. A questão que
se apresenta é a de como atuar em relação a esse pai que, mesmo sendo
responsável com a educação de seus filhos, se apresenta contrário, por
ignorância ou por tradicionalismo, a tudo aquilo que possa ser inovador.
Os pais têm confiança nos métodos conhecidos, em uso já há bastante
tempo, e receiam que os filhos possam servir de “cobaias” em experiências
pedagógicas. Por outro lado, se preocupam, em todos os níveis de escolaridade,
que seus filhos não estejam “atrasados”. Sobre isso Piaget (1948, p. 50) diz:
se “toda pessoa tem direito à educação”, é evidente que os pais também possuem, e igualmente “por prioridade”, o direito de serem se não educados, ao menos informados e mesmo formados no tocante à melhor educação a ser proporcionada a seus filhos.
Algumas medidas têm auxiliado nessa tarefa. Experiências com
encontros visando a chamar a atenção dos pais para os problemas da educação
que cabe à família e para colocá-los a par das questões pedagógicas em geral,
têm dado bons resultados. Iniciativas tentando estabelecer entre pais e
professores um intercâmbio, com o objetivo de estreitar as relações entre
eles, acabam resultando em ajuda recíproca.
Piaget (1948) considera que, ao aproximar a escola da vida, e ao
proporcionar aos pais um interesse pelas atribuições da escola, chega-se a uma
divisão das responsabilidades: em alguns países, conselhos de pais e mestres
reunidos são inspiradores para novas práticas pedagógicas, realizando dessa