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DISCURSO À REALIDADE

1. EDUCAÇÃO BRASILEIRA: O DISCURSO E A PRÁTICA

1.3 República: ensino para todos? (1889-2004)

A proclamação da república significou a continuidade da defesa dos

interesses da camada senhorial – a elite latifundiária cafeeira. Ou seja, um

reordenamento do Estado para atender aos aspectos econômicos e políticos

(...) a transição do regime monárquico para o republicano não implicou transformação mais profunda dos fundamentos sociais da sociedade brasileira. Sob o novo regime político permaneceram, praticamente, a mesma estrutura de poder, a mesma mentalidade, as mesmas instituições básicas, enfim, os mesmos interesses dos grupos ou classes que se estruturaram no período imperial.

As oligarquias cafeeiras defendiam um perfil ruralista para o país. Esse

perfil colocava a educação em segundo plano, pois a produção agrícola não

exigia ensino formal para a população. Como decorrência disso, a educação

continuou sendo exclusiva daqueles que estavam destinados a dirigir o país.

A primeira Constituição da República, a de 1891, estabelecia que o ensino

superior e secundário fossem de competência da União, enquanto o primário

seria da responsabilidade dos estados. Esse dualismo na atribuição e

distribuição de tarefas entre os poderes públicos dificultava o

encaminhamento das reformas exigidas pelas camadas populares, que

começavam a se organizar politicamente, reivindicando o direito à escola

básica.

Na década de 1920, o modelo econômico agroexportador começa a dar

sinais de crise. Com isso, a realidade educacional passa a ser questionada,

porém sem resultados concretos. Essa foi uma década muito mais de

Na primeira fase da república, não houve comprometimento com a

superação do analfabetismo ou esforços no sentido da formação para o

exercício da cidadania. Discussões que surgiam em decorrência da penetração

da Escola Nova, por exemplo, não chegavam a se materializar em um projeto de

educação pública.

O ensino primário continuou sendo ignorado pelo governo federal. A

maioria da população continuava analfabeta. A preocupação central era o ensino

secundário e superior, destinados a uma minoria privilegiada. Refletindo os

valores e a organização de uma sociedade agro-exportadora, o ensino

secundário era visto como um mecanismo de ascensão social. Nesse sentido,

funcionava como preparação para o ingresso nos cursos superiores.

Apesar das lutas das camadas populares para conquistarem a

escolaridade básica, apenas a partir de 1930, com o desenvolvimento acelerado

da industrialização, a expansão da rede de ensino básico passou a ser vista

como necessidade pelos governantes.

A “Revolução de 1930” marca um momento de reacomodação dos

interesses das classes dominantes, com o declínio das oligarquias cafeeiras. O

igualmente capitalista e dependente, urbano-industrial, que se tornaria

hegemônico a partir de 1945.

Junto com as discussões políticas realizadas pelo movimento de 1930, as

pressões populares pela expansão da rede oficial de ensino, conseguiram

responsabilizar o Estado, por meio da Constituição de 1934, pelo

estabelecimento de um Plano Nacional de Educação.

Essa nova conjuntura urbano-industrial, muito mais complexa, exigiu que

um maior número de pessoas tivesse acesso à escola. Essa nova realidade foi

positiva, porque, pela primeira vez, a educação se apresentou como necessária

e começou a pensada como projeto nacional. Mas, em contrapartida, esse

interesse foi também marcadamente direcionado para atender ao

desenvolvimento econômico-industrial, de acordo com os interesses da minoria

privilegiada.

A instituição do Estado Novo (1937-1945) abortou todos os movimentos

populares reivindicatórios. Nesse período de forte repressão, os debates

sobre educação deixaram a sociedade civil e transferiram-se para a esfera

política – o governo passou a tomar as decisões por si mesmo. Mediante a

Constituição outorgada de 1937, separou o ensino secundário (para as elites)

base no clientelismo político. Nesse contexto, a educação primária, junto com

os diversos cursos profissionalizantes, começa a fazer sentido em virtude da

necessidade de uma mão-de-obra minimamente qualificada. No ensino primário,

são ressaltados aspectos como a importância da formação patriótica, a

necessidade dos conhecimentos úteis à vida e ao trabalho, bem como a

formação e o desenvolvimento da personalidade, além da leitura, escrita e

contagem.

A “redemocratização” do Brasil, no período que se estendeu de 1945 a

1964, trouxe consigo a divulgação das teses nacional-populares, que buscavam

democratizar a cultura por meio da erradicação do analfabetismo.

A partir de 1951, vivemos as contradições de uma política alicerçada no

nacional-desenvolvimentismo, que procurava atender aos interesses do capital

e aos interesses populares. Desse confronto sai vitorioso o projeto que

defendia a internacionalização da economia, apesar da continuidade do discurso

nacionalista e populista dos governos que se seguiram.

A política educacional adotada nesta década procurou atender as

necessidades do desenvolvimento, o que significou a valorização do ensino

profissionalizante. O papel da escola ficou ainda mais atrelado às necessidades

Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (1961), de modo geral, a escola centrou-se no ensino da escrita,

leitura e cálculo, com a adoção de uma metodologia tradicional. O objetivo

formador foi preterido pelo ensino das técnicas de ler, escrever e contar. Mais

uma vez fica evidente que a organização do ensino é adequada ao contexto

socioeconômico e político, com o intuito de garantir os interesses dominantes.

Mas nesse início da década de 60, a organização e a pressão da

sociedade civil por medidas populares se intensificaram, o que para a elite

significou uma ameaça aos seus interesses. O resultado dessa crise é o Golpe

de 1964, que freou o crescimento dos movimentos populares em sua luta pela

democratização do acesso ao saber, mantendo um modelo elitista de educação.

O Estado militar intervém de forma decisiva para o fortalecimento dos

interesses do capital internacional e nacional. O objetivo era garantir o

alinhamento do Brasil aos interesses do capitalismo internacional (1964-1985).

Nesse período, intensificou-se a política da dependência em que o

modelo econômico a ser copiado era o dos Estados Unidos. O mesmo Brasil, que

calou centenas de intelectuais e professores, “importou” consultores

Além disso, uma brutal repressão política procurou afastar todos

aqueles que se opunham ao regime. Todas as iniciativas de resistência à

ditadura eram respondidas com medidas cada vez mais repressivas. Um

rigoroso controle político-ideológico foi feito por meio dos Atos Institucionais,

cujas medidas eram decididas e cumpridas pelo executivo.

A política educacional desse período foi a expressão da dominação

burguesa, pelo autoritarismo que tomou conta das escolas e universidades, bem

como pelo conjunto de reformas pensadas pelos técnicos americanos, a serviço

dos interesses econômicos e da manutenção da ditadura. Era necessário alinhar

o sistema educacional aos objetivos do Estado capitalista militar e isso

significou a subordinação da educação à produção capitalista, concretizada pela

lei n. 5.692/71.

De acordo com seus autores, era uma lei que resolveria de uma vez por

todas os problemas da educação brasileira, promovendo o que se chamou na

época de “revolução pela educação”. Mas não podemos deixar de lembrar que

segundo Chauí (Folha de São Paulo, 06 de julho de 1977):

A reforma do ensino no Brasil liga-se a um projeto: o do esquecido acordo Mec-Usaid. A proposta de uma reforma educacional não nasceu autodeterminada pelo país, veio sugerida do exterior.

Na prática, essa reforma desembocou nos cursos profissionalizantes de

ensino médio, objetivando a criação de mão-de-obra especializada para um

mercado em expansão e na absurda modalidade, criada para realizar a reforma,

da licenciatura curta. Questão muito bem abordada, novamente, por Marilena

Chauí: “O que é um professor curto? Um licenciado encurtado é curto em todos

os sentidos: formado em tempo curto, a curto preço para a escola,

intelectualmente curto.”

Observamos também a continuidade em relação às disciplinas baseadas

na ideologia da segurança nacional: a EMC (Educação Moral e Cívica) e a

Educação Física. Com caráter conservador, moralista e obrigatório cumpriram

um papel fundamental na divulgação dos princípios ideológicos do regime

militar.

Dois princípios foram fundamentais no Projeto Mec-Usaid: transformar

a escola em empresa, facilitando o controle institucional do ensino e implantar

a reforma gradualmente, sem grandes choques com a antiga estrutura, de

modo a evitar alarido.

As necessidades do mercado foram atreladas às orientações da política

educacional. O objetivo era atender às necessidades do capital, com base em

Em termos de política educacional, a Nova República (1985-2002) deu

continuidade aos programas da Ditadura com um discurso aparentemente

crítico e democrático. No dizer de Cunha (2001, p. 266):

Clientelismo, tutela e assistencialismo foram os três vetores da administração educacional da Nova República, que nesse aspecto só se distinguiu dos governos militares por juntar-lhes uma bombástica retórica (“tudo pelo social”) e pela prática de cooptação dos dissidentes, bem como pela preocupação em não poupar recursos na troca de ”benefícios” governamentais por apoio político.

Fica claro que, durante esse período, permanecem o conservadorismo e o

descompromisso com uma educação de qualidade e emancipatória.

Em fevereiro de 1987, foi instalada a Assembléia Nacional Constituinte,

provocando intensa articulação de entidades representativas dos diversos

setores sociais.

No campo educacional foram intensos os debates entre os privatistas –

que entre outras coisas, reivindicavam verbas públicas para a escola particular

– e os defensores da escola pública e gratuita para todos, em todos os níveis.

Estes últimos, formaram o Fórum da Educação na Constituinte, divulgando em 2

de abril de 1987, o Manifesto à Nação. Ao contrário dos manifestos anteriores, como o dos Pioneiros de 1932, geralmente assinados por

sociedade a respeito da necessidade de sua participação na defesa dos

interesses de toda a população.

Promulgada em 1988, a nova Constituição incluiu parcialmente os princípios

propostos pelo Fórum da Educação na Constituinte, concedendo amplos

direitos, confirmando e ampliando o interesse social pela educação. Por essa

Constituição, a educação passa a compor os direitos sociais, junto a outros

direitos.

Art. 6° - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição.

Uma das grandes conquistas desta Constituição foi o fato de a educação

passar a ser vista como direito público subjetivo. Cria-se, a partir daí, um contexto em que é preciso haver escola para todos.

O direito educacional deve partir de idéias como as de Pontes de

Miranda, em seus comentários à Constituição de 1946:

A educação somente pode ser direito de todos se há escolas em número suficiente e se ninguém é excluído delas, portanto se há direito público subjetivo à educação, e o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional. Fora daí é iludir com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o problema da educação não é fazer leis, ainda que excelentes; é abrir escolas, tendo professores e admitindo os alunos.1

Percebe-se que, muitas vezes, as mudanças legais significativas,

ocorridas ao longo da história da educação brasileira, foram realizadas com o

objetivo de atender aos modelos econômicos que se desenhavam. As reformas

ocorridas na década de 90 só comprovam que as políticas oficiais continuam