• Nenhum resultado encontrado

Direito à informação e notas sobre a experiência internacional de uma

3 UM OLHAR SOBRE AS VULNERABILIDADES DO

3.2 Um mito sobre vulnerabilidade do Estado nas relações tributárias:

3.2.2 Vulnerabilidades formais

3.2.2.3 Direito à informação e notas sobre a experiência internacional de uma

A amplitude, profundidade e dinamicidade do sistema normativo tributário ensejam uma espécie de vulnerabilidade formal que James Marins103 denomina “cognoscitiva” para o contribuinte. Em outras palavras, a despeito da pressuposição jurídica de que a ninguém é lícito descumprir a lei alegando seu desconhecimento (art. 3º, LINDB), a miríade de normas tributárias constitucionais, complementares, legais e infralegais, suas frequentes mudanças textuais ou, não raro, as mudanças de sua interpretação, tornam muito dificultoso ao cidadão-contribuinte ter ciência plena de suas efetivas obrigações principais e acessórias. Em acréscimo a essa debilidade, Antônio Amaral104 relata outra situação análoga:

O contribuinte sofre a imposição tributária 24 horas por dia, 365 dias ao ano. No entanto, sofre também o comum constrangimento, mesmo em capitais, de ter barrado o acesso a repartições fiscais que atendem ao público somente ora no período da manhã, ora à tarde. Além dos graves problemas com protocolos e obtenção de esclarecimentos, vistas de processos etc., que possam causar ao direito à obtenção de certidões, à informação, à ampla defesa e ao contraditório, tal vedação ao direito de acesso do cidadão aos órgãos públicos, durante o expediente ordinário, em horário integral, em dias úteis, certamente é incompatível com o nível elevadíssimo de arrecadação tributária e desenvolvimento do Brasil.

Da observação do autor, nota-se que a vulnerabilidade da desinformação não é apenas formal, podendo ainda ser processual quando atinge processos administrativos e judiciais. Por outro lado, deve-se observar que ela não é uma particularidade brasileira, tendo sido apontada em diversos outros ordenamentos jurídicos. Cumpre trazer a experiência de outros países relativamente ao tema.

Nos Estados Unidos, no curso da reforma tributária empreendida pela gestão Reagan, promulgou-se, em 21 de outubro de 1988, o Technical and Miscellaneous Revenue Act of 1988 (Ato de Disposições Técnicas e Diversas sobre Arrecadação – TAMRA, em tradução livre pelo autor), alterando em profundidade as normas processuais tributárias. No diploma legal, consta o Omnibus Taxpayer Bill of Rights (Estatuto em Profundidade dos Direitos do Contribuinte, em tradução livre pelo autor), onde consta uma declaração genérica de princípios sobre a relação do contribuinte com o Internal Revenue Service (IRS

103 MARINS, James. Op. cit., p. 40 – 41.

104 AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues. Estatuto de Direitos Básicos do Contribuinte. Direito Tributário

& Direitos Fundamentais: Limitações ao poder de tributar. MARTINS, Ives Gandra da Silva; CASTILHO,

ou Serviço Interno de Arrecadação, em tradução livre pelo autor, equivalente da Receita Federal brasileira). A iniciativa desencadeou uma série de atos legislativos assim sintetizados por Valdés, Molina e Subirana105:

Em definitivo, pode-se dizer, portanto, que nos Estados Unidos não existe, como tal, um estatuto do contribuinte. O que se produz ao final dos anos oitenta, em uma primeira onda, e a o final dos noventa, em um segundo ataque, é uma reforma em profundidade do Código Interno de Arrecadação (12) que incluiu abundantes preceitos relativos à ordenação das relações formais entre contribuintes e a Administração. Entre as disposições adotadas se previa que se elaborasse um documento, cuja compreensão fosse acessível para a generalidade dos contribuintes, em que se explicassem ao cidadão os procedimentos de comprovação ou de execução, os direitos que lhe cabem nos mesmos e as obrigações que em seu desenvolvimento vinculam aos funcionários da Administração.

Por conseguinte, atualmente, o IRS oferece a todos os contribuintes estadunidenses um informe com uma síntese de seus principais direitos106, entre os quais se menciona: o direito a ser informado, a receber um serviço de qualidade, de não pagar mais que o correto montante do tributo, de desafiar a posição do fisco e ser ouvido, etc.. Valdés, Molina e Subirana107 observam ainda a criação, em 1989, do Office of Taxpayer Services (Escritório de Serviços ao Contribuinte, em tradução livre pelo autor), órgão independente, o qual concentra toda a oferta de informação da IRS ao contribuinte, na forma de folhetos, publicações, gráficos, modelos, manuais, assistência telefônica gratuita, etc. Ressalvam que, conquanto o teor do material não vincule a Administração, a jurisprudência tende a reconhecer o direito do contribuinte a ver suas obrigações administradas conforme os critérios dos informativos publicados pelo IRS.

Da iniciativa estadunidense na década de 80, legislações e iniciativas afins se dispersaram por diversos países, inclusive na forma de códigos de defesa do contribuinte,

105 VALDÉS, José Antonio Rozas. MOLINA, Pedro M. Herrera. SUBIRANA, Sonia Mauricio. Estatuto del Contribuyente: una visión comparada. Crónica Tributaria. Num. 94/2000, p. 87 – 88. Disponível em: <http://diposit.ub.edu/dspace/handle/2445/55128>. Acesso em 10.10.2014. Tradução livre pelo autor do original: “En definitivo, pues, puede decirse que en Estados Unidos no existe, como tal, un estatuto del contribuyente. Lo que se produce a finales de los años ochenta, en una primera oleada, y a finales de los noventa en una segunda atacada, es una reforma en profundidad del Internal Revenue Code (12) que incluyó abundantes preceptos relativos a la ordenación de las relaciones formales entre los contribuyentes y la Administración. Entre las disposiciones adoptadas se preveía que se elaborase un documento, cuya comprensión fuera asequible para la generalidad de los contribuyentes, en el que se explicasen al ciudadano los procedimientos de comprobación o de ejecución, los derechos que le asisten los mismos y las obligaciones que en su desarrollo vinculan a los funcionarios de la Administración”.

106 Uma réplica do informe oferecido pela IRS pode ser encontrada no sítio virtual a seguir, referente à Publicação nº 1, 2014: < http://www.irs.gov/pub/irs-pdf/p1.pdf >. Acesso em 20.05.2015. Remete-se o leitor ainda ao seguinte sítio: < http://www.irs.gov/Taxpayer-Bill-of-Rights >. Acesso em 20.05.2015.

consoante sintetiza relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, ainda em 1990108:

Muitos países elaboraram esses direitos e obrigações básicas em uma carta de direitos dos contribuintes. Esses documentos frequentemente incluem declarações sobre comportamentos esperados de oficiais e contribuintes. Alguns países escolheram consolidar as medidas tomadas para proteger os contribuintes em uma “carta de direitos dos contribuintes” ou “declaração”. Em alguns países elas tomaram a forma de uma declaração geral de amplos princípios que devem governar a relação entre autoridades fiscais e o contribuinte. Em outros países, os documentos oferecem um guia mais detalhado dos direitos do contribuinte em cada etapa do processo de fiscalização. Outros países ainda assumiram a abordagem de incluir declarações como “declarações de missão” para a administração fiscal. Ademais, deve-se destacar que mesmo países sem uma carta de direitos do contribuinte podem, contudo, veicular igual importância aos direitos do contribuinte e, na prática, nesses países os contribuintes têm direitos similares àqueles encontrados em declarações formais.

Do ora apresentado, outra categoria de vulnerabilidades do contribuinte resta assente. A experiência de outros países comprova sua existência e que podem ser tuteladas por meios jurídicos diversos, sendo eficientes para enfrentar as vulnerabilidades formais. Considerando a realidade brasileira, conquanto uma codificação não seja o único meio de enfrentar a desigualdade nas relações entre fisco e contribuinte, tendo em vista que o CTN tem status de Lei Complementar, entende-se que uma codificação de igual nível normativo é sim necessária para concentrar direitos do contribuinte já positivados; consolidando-os quando de aplicação controversa e ampliando-os para prever, por exemplo, amplo direito de acesso à informação e de orientação do contribuinte pela administração fiscal, elenco de práticas abusivas vedadas (as chamadas sanções políticas) e a responsabilidade funcional do agente que cometer o ilícito e critérios equânimes e permanentes de correção de créditos e débitos fazendários.

108 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Taxpayers’ Rights

and Obligations – Practice Note. OECD Committee of Fiscal Affairs Forum on Tax Administration.

Disponível em: <http://www.oecd.org/tax/administration/Taxpayers'_Rights_and_Obligations- Practice_Note.pdf >. Acesso em 22.05.2015. Tradução livre pelo autor do original: “Many countries have elaborated these basic rights and obligations into a taxpayers’ charter. These documents often include statements about behaviors expected from officials and taxpayers. Some countries have chosen to consolidate the measures taken to protect taxpayers into a ‘taxpayers’ charter’ or ‘declaration’. In some countries they have taken form of a general statement of the broad principles which should govern the relationship between the tax authorities and the taxpayer. In other countries, the documents provide a more detailed guide to the rights of taxpayers at each state in the assessment process. Yet other countries have taken de approach of including statements about behaviors expected from officials and taxpayers in documents such as mission statements for the tax administration. Accordingly, it should be stressed that even countries without a taxpayer charter may, nevertheless, attach equal importance to taxpayers’ rights and that in practice taxpayers’ rights and that in practice taxpayers in such countries have rights similar to those found in formal taxpayers’ charter statements”.