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O direito para além de seu conteúdo: o MST diante da especificidade histórica da forma jurídica forma jurídica

2 EFETIVIDADE E CRÍTICA ANTICAPITALISTA DOS DIREITOS HUMANOS

3 A CONCEPÇÃO DE DIREITOS HUMANOS DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA

3.3 A CARACTERIZAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE DIREITOS HUMANOS DO MST A partir da pesquisa sobre a relação entre o MST e os direitos humanos, chegamos a

3.3.6 O direito para além de seu conteúdo: o MST diante da especificidade histórica da forma jurídica forma jurídica

Ao longo da pesquisa, é verdade que o que nos tomou maior atenção, enquanto objeto do trabalho, foi a questão da efetividade dos direitos humanos dos trabalhadores sob o

o direito de propriedade e impedir as invasões de terras no campo. O vice-presidente José Alencar assinou o abaixo-assinado, dizendo ser favorável ao cumprimento das leis. A campanha ter como objetivo arrecadar 1 milhão de assinaturas de cidadãos de todo o Brasil em apoio à plano de combate às invasões” (CNA, 2010b). No título da notícia, os proprietários são apresentados como “o setor rural”, ou seja, como uma representação da totalidade do campo brasileiro.

148 Aqui, é interessante observar a trajetória da União Democrática Ruralista, marcada pelo ódio de classe e pelo

modo de produção capitalista. No entanto, como temos repisado, é impossível dissociar completamente esse objeto de seus entornos; não é possível compreender a efetividade dos direitos humanos sem compreender em que consiste sua própria forma (jurídica) e suas determinações. Por essa razão, parece-nos adequado tecer considerações acerca desse ponto também aqui, diante da caracterização da compreensão do MST acerca dos direitos humanos.

De antemão, o que importa afirmar é que não nos pareceu que há um comportamento consolidado, por parte do Movimento, diante da questão. Encontramos sinais de que há reflexões que tendem à crítica radical da forma jurídica, apontando para sua superação. Isso foi evidenciado por alguns entrevistados149. Contudo, encontramos igualmente elementos ligados a uma perspectiva eternizadora do direito.

Quanto a esta última, parece-nos necessário fazer duas considerações. Primeiro, não nos foi possível reconhecer até que ponto há uma influência da esquerda católica e da religiosidade camponesa sobre esse entendimento150. Segundo, em diversas entrevistas, há uma mescla entre o uso da expressão “direitos humanos” enquanto os direitos que passaram

149 Nesse sentido, um dos entrevistados colocou que: “Até que chegue o momento em que não se precisa falar

mais sobre efetivação dos direitos humanos. Porque isso vai ser uma coisa que, dentro do conjunto das relações concretas, não estou falando de uma sociedade perfeita, não existe, mas dentro de um conjunto de relações sociais, a opressão de um homem sobre outra pessoa não vai ser o fundamento da riqueza de uma sociedade. Então, a partir disso, você pode dizer que não há nem que se falar em efetivação de direitos humanos, porque as relações sociais, concretamente, não comportam, ou não permitem, socialmente não se permite uma opressão como a opressão que fundamenta o capitalismo” (Entrevistado 01). Um outro afirmou: “o MST , do ponto de vista jurídico, quando você olha os direitos humanos, se você coloca ele sob o enfoque jurídico, o Movimento Sem Terra não assimila muito isso, tanto é que alguns dirigentes do movimento falam que quando fizer revolução vai acabar com o direito , né? (...) Então, tem esse... os grandes dirigentes nacionais do movimento, hoje, tem uma certa resistência quanto aos direitos humanos num enfoque jurídico . Bom, mas no geral mesmo, assim... Já foi desmistificada muita coisa no movimento inclusive essa coisa de direitos humanos que hoje é bem vista , tem o reconhecimento internacional, tem uma referência internacional, você entendeu?” (Entrevistado 09). Essa fala, em nossa interpretação, demonstra um reconhecimento, pela direção do MST, da necessidade de extinção da forma jurídica, ao mesmo tempo em que revela sua apropriação tática pelo Movimento.

150 Como já trabalhado no ponto relativo à história do MST, o Movimento carrega, de certo modo, uma herança

da atuação das pastorais no campo brasileiro. Um militante do setor de direitos humanos entrevistado expôs que haveria um amalgamamento entre concepções marxistas e jusnaturalistas dos direitos humanos: “o movimento, isso que acabei de dizer pra você, o movimento surge dentro da igreja, surge dentro do sindicato que também dava benção à igreja, e essa visão jus naturalista do movimento, isso é pertinente dada a sua gênese. Lá, a sua fonte, onde ele bebeu, primária é da igreja jusnaturalista . Agora, o movimento vai pegar isso e também dado o caráter da organização que é de luta dos sindicatos, de enfrentamento, da resistência, vai se amalgamar no viés marxista, da concepção marxista de direitos humanos. Isso vai sedimentar , essa idéia vai ser sedimentada sobre o jusnaturalismo de uma forma bem tranqüila , bem assimilada e hoje não é diferente” (Entrevistado 09). O movimento da Teologia da Libertação apóia-se, também, sobre uma concepção de direitos, de onde vem a obra “Direitos Humanos, Direitos dos Pobres” (ALDUNATE, 1991). Nela, está ausente a crítica da forma jurídica; contudo, o discurso de direitos aí está intimamente ligado à luta dos trabalhadores contra o capital e, ainda, às disputas contra os setores conservadores da Igreja Católica. Assim, não se subsumem os direitos humanos a normativas internacionais e se estabelece uma relação dialética entre a luta de classes e a religiosidade.

por um processo de reconhecimento ao longo dos últimos séculos e a aplicação da expressão “direitos humanos” enquanto reivindicações e aspirações sociais de modo geral151.

Pudemos perceber, então, uma ambiguidade diante do assunto, entre a crítica radical e a eternização do direito. A perspectiva eternizadora do direito, como sabemos, coincide com um desligamento entre a forma jurídica e a forma mercadoria e com a neutralidade do direito enquanto forma, de modo que apenas seu conteúdo assume real importância. Diante disso, não podemos deixar de observar os riscos presentes nessa ambiguidade, que não são meramente teóricos, mas relativos à práxis. Há uma relação dialética entre as partes e o todo, bem como entre a tática e a estratégia, de modo que tal ponto de vista sobre o direito pode, no limite, conduzir a fraturas no interior do projeto de transformação geral da sociedade. Já mencionamos, no capítulo anterior, a burocratização, a institucionalização e a judicialização das estratégias do movimento como potenciais consequências nefastas da fé no direito.

Compreendemos que o Movimento Sem Terra tem sua especificidade organizativa. O movimento é sindical, popular, e também político, como assim mesmo se reconhece (STÉDILE; FERNANDES, 1999, pp. 32-35). Não se limita à questão corporativa e destaca a necessidade de uma ampla mudança social para que mesmo as demandas específicas dos trabalhadores rurais sejam atendidas. Contudo, não se trata de um partido político, de uma organização que tem a tarefa de sintetizar em um programa global seu projeto de sociedade. Essa é uma ressalva importante. Por outro lado, é verdade que, quanto mais os movimentos sociais conseguem aprofundar seu caráter político, equilibrando esse fator com o poder de organização de sua base social, mais capazes serão os trabalhadores organizados de compreender o movimento da sociedade em sua totalidade e de transformá-la.

No palco histórico, a luta do MST assume caráter evidentemente anticapitalista. Da mesma forma, seu programa de transformações é, também, e de modo consciente, revolucionário. A vigilância quanto a elementos capazes de entrar em choque com esses objetivos estratégicos, portanto, importa para que a verdadeira finalidade da luta política não seja jamais substituída por sua negação; que ela, então, não se realize como seu contrário,

151 Essa confusão, como se pode perceber, é constante. Ela pressupõe a permanência da forma jurídica sob as

diversas formações sociais – no passado, no presente e no futuro. O que afirma HOBSBAWN (1988, pp. 422- 423) pode ser-nos útil, também, para entender essa relação que se estabelece com os direitos. Sua argumentação corre no sentido de que o termo “direitos” têm-se apresentado, ao longo da história e praticamente, entre os “pobres, os trabalhadores e os membros reais ou em potencial dos movimentos operários”, muito mais como aspirações, como “linguagem natural de quem estabelece um modelo de moralidade e justiça (...) e faz reivindicações com base neste modelo”, do que como aquilo que se pode definir teoricamente sobre eles (inclusive no que se refere à propriedade privada como direito humano, à forma jurídica e a seu entrelaçamento com as relações de troca, a dominação estatal etc.).

como a esquerda já o experimentou por tantas vezes diante das tentações lançadas pelo Estado e por sua ideologia jurídica.

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