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Direito, autoconsciência e finitude: nach den Prinzipien der Wissenschaftslehre

1. Direito, Moral e Reconhecimento em Fichte

1.2. Intersubjetividade originária e o direito como coerção: a Grundlage des Naturrechts (1796/97)

1.2.1 Direito, autoconsciência e finitude: nach den Prinzipien der Wissenschaftslehre

No universo temático que forma a Wissenschaftslehre67, Fichte parte de uma distinção entre espontaneidade e liberdade. Para ele, a diferença entre estes termos é que a liberdade supõe consciência do agir livre, ao passo que a espontaneidade, como condição de possibilidade de toda consciência, dela prescinde. Enquanto há apenas a espontaneidade absoluta da pura auto-posição do eu, a absoluta identidade a si e a contínua superação de todo limite pelo intuir de si mesmo, não pode haver autoconsciência propriamente dita da liberdade, a qual requer separação entre sujeito e objeto e um movimento reflexivo de retorno a si a partir desta separação – ou, na

66 “Livre é somente aquele que quer tornar livre tudo em volta de si e que, através de uma certa influência, efetivamente torna tudo livre. Sob seus

olhos nós respiramos mais livremente. Nós nos sentimos por nada oprimidos, ou contidos, ou confinados. Nós sentimos um prazer incomum de fazer e de ser tudo o que o respeito por nós mesmos não nos proíbe.” [ Vorlesungen, VI, 308]

67 Nos referimos aqui não simplesmente à obra de Fichte publicada em 1794 com o título Grundlage des gesamten Wissenschaftslehre, mas

também às obras de filosofia prática publicadas com a designação nach den Prinzipien der Wissenschaftslehre, isto é, a Grundlage des

Naturrechts (1796/1797) e o System der Sittenlehre (1798). O contexto sistemático da primeira Wissenschaftslehre também é consideravelmente

ampliado por textos programáticos, como é o caso das Vorlesungen über die Bestimmung des Gelehrten (1794) ou mesmo pelas Vorlesungen compaginadas como Wissenschaftslehre nova methodo (1798). A citação das obras completas é feita com base na edição Fichte, J. G Werke em 20 volumes, Editadas por Immanuel H. Fichte, Walter De Gruyter, Berlin,1971. A partir de agora utilizaremos a abreviação GNR para a Grundlage

des Naturrecht nach den Prizipien der Wissenchaftlehre, e Sittenlehre para o System der Sittenlehre nach den Prizipien der Wissenchaftlehre,

terminologia imortalizada por Fichte, a partir do choque (Anstoß). A faculdade prática absoluta é mera espontaneidade sem consciência do seu agir livre: somente mediante um outro independente de si o eu pode pôr a si mesmo conscientemente como ser-para-si, somente sob a condição da posição de um não-eu se torna possível a consciência-de-si da atividade como livre.

Fichte introduz uma importante modificação na arquitetônica da filosofia prática ao localizar o ponto de partida do sistema real de liberdade – e, por conseguinte, da “ciência real do direito”68 – não na vontade pura, mas na vontade finita. Desta maneira, o ponto de partida da concepção fichteana de comunidade se vê vinculado à investigação “transcendental” das condições de possibilidade de consciência efetiva da liberdade. Na medida em que a autoconsciência individual tem como uma de suas condições a interação (Wechselwirkung) com outra vontade, abre-se com isso um novo terreno para a teoria liberdade, a saber: o terreno da constituição intersubjetiva da liberdade individual69.

“O conceito de individualidade é ... um conceito recíproco (Wechselbegriff), isto é, um conceito que somente em relação a um outro pensar pode ser pensado, e que é condicionado, segundo a forma, pelo mesmo – e, na verdade, por um igual – pensamento. Ele somente é possível em um ser racional, na medida em que é posto de maneira conclusa por um outro. Portanto, ele não é nunca meu, e sim, segundo minha admissão (Geständnis) e a admissão do outro, meu e seu, seu e meu. É um conceito comunitário (ein gemeinschaftlicher Begriff), no qual duas consciências são unificadas na unidade.”70

É Fichte, portanto, que introduz a idéia de que o indivíduo como tal, considerado isoladamente e apartado da interação “real” em que se encontra desde sempre e que constitui o “a priori” que condiciona sua consciência-de-si como indivíduo, nada mais é do que uma abstração. O ser humano é um gênero, e o indivíduo somente é livre e consciente de si como tal em meio a outros seres humanos71. A posição de si é condicionada pela posição do outro, de maneira que o eu não pode existir como tal sem relação ao outro. Para Fichte, a consciência da liberdade não é um estado em que a auto-reflexão revela uma faculdade previamente dada, ou um fato da razão, mas um processo de encontrar-se a si mesmo através do “choque” com outros seres humanos. Estas concepções formam o cerne da teoria fichteana da intersubjetividade nos escritos de 1794 a 1798, baseada no modelo Aufforderung/Anerkennung.

Com sua ligação entre intersubjetividade e teoria da consciência, Fichte antecipa a teoria hegeliana do reconhecimento, especialmente em sua versão posterior ao System der Sittlichkeit,

68 Quatro importantes comentadores de Fichte defendem, de maneira diversa, a tese de que a Grundlage des Naturrechts contém rupturas

sistemáticas, bem como divergências em relação à obra fichteana posterior. Enquanto Baummans vê não somente ausência de rigor lógico na dedução do conceito de direito, mas também uma ruptura intransponível entre a obra sobre o direito e a doutrina-da-ciência de 1794, Schottky identifica, no procedimento filosófico de Fichte após a dedução do conceito de direito nos §§ 1-4, um retorno ao direito natural de Hobbes. Principalmente a visão de Baummans quanto à incoerência entre o direito natural e a filosofia primeira é ratificada, pela obra de Verweyen, através do recurso às obras posteriores de Fichte sobre o direito. Contra todas estas interpretações posiciona-se Ludwig Siep, para quem as principais incoerências da obra de Fichte se tornam aparentes, se se puder interpretar o método utilizado pelo filósofo desde a abertura da obra como uma forma prototípica do método de exposição segundo “experiências da consciência”, mais tarde assimilado pelo próprio Hegel.

Verweyen, H. – Recht und Sittlichkeit in J.G. Fichtes Gesellschaftslehre, München, 1975; Baumanns, P. – Fichtes ursprüngliches System. Sein

Standort zwischen Kant und Hegel, Stuttgart, 1972 Siep, Ludwig – „Einheit und Methode von Fichtes „Grundlage des Naturrechts““, in: Siep,

Ludwig–Praktische Philosophie im deutschen Idealismus, Frankfurt am Main, 1992, 41-64

69 Para Ludwig Siep, o método de dedução transcendental empregado na dedução do conceito de direito se caracteriza por uma modificação tão

intensa deste conceito herdado de Kant que se deixa derivar desta modificação um conceito de experiência da consciência. Ludwig Siep (1992). Este método se caracteriza, decerto, pelo intento geral de fornecer as ações cognitivas e volitivas que têm de ser pressupostas como condições de possibilidade da consciência da eficácia livre. Entretanto, esta aplicação geral do intento transcendental da Wissenschaftslehre representa uma extensão metodológica, na medida em que passa do âmbito das condições da unidade subjetiva e da consciência da objetividade na base de uma espontaneidade absoluta para a unidade transcendental de um sujeito que é um ser racional finito.

70 GNR, 47/48

71 “O ser humano ... só se torna ser humano entre seres humanos; e ... se devem haver de algum modo seres humanos, então tem de haver muitos.”

[GNR, 39] “...isto é uma verdade que deve ser provada estritamente a partir do conceito de ser humano. Tão logo se determina completamente este conceito, é-se impelido do pensamento de um indivíduo à aceitação de um segundo, a fim de se poder explicar o primeiro. O conceito de ser humano não é, pois, o conceito de um indivíduo – pois um tal ser é impensável –, mas o conceito de um gênero.” [GNR, 39]

que se notabiliza justamente por uma conexão entre o processo de reconhecimento e o desenvolvimento de formas da consciência. Uma distinção que deve ser levada em conta quando se aborda o problema do reconhecimento em Fichte, desenvolvido em sua teoria do direito, é o fato, não especialmente visível para a maioria dos comentadores72, de que Fichte não concebe o direito como idêntico ao processo de reconhecimento, mas concebe este “processo” como uma estrutura intersubjetiva primária, no bojo da qual as relações jurídicas entre arbítrios se tornam possíveis, isto é, um processo que se sedimenta propriamente como direito: “a toda interação arbitrária de seres livres jaz uma interação originária e necessária dos mesmos como fundamento, a seguinte: o ser livre necessita, através de sua simples presença no mundo sensível, sem mais, todo outro ser livre a reconhecê-lo como uma pessoa ... Ambos conhecem (erkennen) um ao outro em seu interior, mas estão isolados, como antes.”73 É no quadro deste fundamento intersubjetivo da possibilidade da relação (jurídica) entre arbítrios que se deixa compreender o desenvolvimento da Grundlage a partir do §8 na forma de uma antinomia a ser solucionada. “Pessoas como tais devem ser absolutamente livres e simplesmente dependentes de sua vontade. Pessoas devem, tão certo quanto elas o são, estar em influência recíproca e, portanto, não simplesmente dependentes de si. Como ambas as coisas possam subsistir em conjunto, responder a isso é a tarefa da ciência do direito (Rechtswissenschaft); e a pergunta que jaz como seu fundamento é esta: como é possível uma comunidade de seres livres como tais?”74

Fichte pretende resolver esta antinomia demonstrando que a interação com o outro é condição necessária da formação prático-cognitiva da autoconsciência individual. É na interação com o outro que a liberdade originariamente absoluta do eu é limitada pela liberdade do outro, uma limitação que não é exterior ao conceito de liberdade, mas que lhe é essencial, já que sem a limitação da atividade em si infinita do eu não seria possível nenhuma posição do não-eu. No entanto, chama atenção a vinculação, declarada acima, da idéia de reconhecimento ao isolamento do indivíduo, e nisto reside a verdadeira conseqüência da unilateralidade do desenvolvimento dado por Fichte ao elemento intersubjetivo, isto é, o caráter propriamente negativo de seu conceito intersubjetivamente mediado de liberdade, que o faz compreender a relação ao outro como essencialmente limitativa, apesar de constitutiva para a consciência individual. Fichte não chega a conceber a mediação intersubjetiva da liberdade individual de uma maneira “solidária” e não excludente, mas essencialmente limitativa. Isto é bastante notório na tese fichteana acerca da durabilidade hipotética da obrigatoriedade, mas se torna evidente numa declaração feita por Fichte em outro contexto, a saber: a “fundação do saber teórico” na Wissenschaftslehre de 1794. Fichte diz que “a forma da ação recíproca (Wechselwirkung) consiste no excluir e ser-excluído dos membros recíprocos um pelo outro.”75 É claro que a afirmação de Fichte não é feita no contexto da sua filosofia do direito, e que o conceito de Wechselwirkung não tem ainda aqui a

72 Na vertente de comentadores especialmente atentos a este fato, são dignos de nota Siep e Honneth. Ver a discussão proposta por Siep em Siep,

Ludwig – Anerkennung als Prinzip der praktischen Philosophie, Freiburg/München, 1976, 22-36. Já Honneth, ao considerar a apropriação

hegeliana do conceito de reconhecimento no System der Sittlichkeit de 1802, diz : “em seu escrito sobre a fundamentação do direito natural”, Fichte compreendeu o reconhecimento como uma interação entre os indivíduos que subjaz à relação jurídica.” Honneth, Axel–Kampf um

Anerkennung. Zur moralischen Grammatik sozialer Konflikte, Suhrkamp, Frankfurt am Main, 1992

73 GNR, 85/86 74 GNR, 85

75 WL 1794, 195. Modificamos aqui a tradução de Rubens Rodrigues. No original, Fichte diz: “Die Form der Wechselwirkung besteht im

gegenseitigen Ausschliessen und Ausgeschlossenwerden der Wechselglieder durcheinander.”. R. R traduz Wechselwirkung por alternância. Sem

dúvida, existem boas razões para esta escolha, principalmente se se considera o contexto eminentemente teórico da declaração. Não somos partidários da tese defendida por Philonenko e aprofundada por Rénaut de que a primeira Doutrina-da-Ciência contenha já uma teoria da intersubjetividade, o que, segundo Renaut, leva a considerar que a Grundlage des Naturrechts vem justamente resolver, graças à sua discussão intersubjetivista da categoria Wechselwirkung, a aporia deixada pela primeira versão da Doutrina-da-Ciência no tocante ao problema da representação. No entanto, preferimos continuar a traduzir o termo pelo seu equivalente mais apropriado no contexto da filosofia fichteana do direito. Ver também Philonenko, A. – L’oeuvre de Fichte , J.Vrin , Paris , 1984; Métaphysique et politique chez Kant et Fichte, Bibliothèque d'histoire de la philosophie / Nouvelle série , J.Vrin, Paris, 1987; e Renaut, Alain – Système du droit : philosophie et droit dans la pensée de

fichte, P.U.F, Paris, 1986; „Deduktion des Rechts (Dritter Lehrsatz: §4)“, in: Merle, Jean-Christophe(Hg) – Johann Gottlieb Fichte, Grundlage des Naturrechts , Akad.-Verl. , Berlin , 2001, 81-95.

acepção que terá na teoria da intersubjetividade, mas antes uma acepção semelhante ao conceito kantiano de Gemeinschaft, tal como este aparece na “terceira Analogia da Experiência” na

Crítica da Razão Pura.

Fichte deduz o reconhecimento recíproco como relação que subjaz às relações jurídicas e que é, como tal, condição de possibilidade da consciência-de-si. A idéia de que a liberdade originariamente infinita do sujeito tem de ser limitada na relação com um outro, a fim de poder se pôr como real, é, do ponto de vista das premissas de Fichte, bastante consistente; pois todas as determinações são em si inicialmente negações e, portanto, limitações. No entanto, resta sempre a questão acerca da necessidade de que a relação recíproca entre sujeitos seja um excluir recíproco. Isto se deve ao fato de que Fichte põe como fundamento de sua teoria um indivíduo atomizado, o qual não entra com o outro em uma relação possivelmente solidária, nem deixa que o outro “participe” da formação de sua individualidade, mas que apenas necessita da esfera exclusiva da alteridade para afirmar sua individualidade. “Eu devo ser um eu autônomo (ein selbständiges

Ich), este é meu fim-término(Endzweck); para tudo aquilo através do que as coisas fomentam esta

autonomia, eu devo utilizá-las, este é o seu fim-término.”76

Na abertura da teoria da intersubjetividade no System der Sittenlehre (§ 17), torna-se mais clara a relação que Fichte pretende existir entre o eu e o outro. A existência do outro assume a conotação de um instrumento ao restabelecimento da minha liberdade originária. Se, por um lado, a existência de outros seres racionais exteriores a mim possibilita a formação cognitiva da consciência da liberdade; por outro lado, ela é associada univocamente ao momento negativo da necessária limitação de liberdade individual como condição para aquela formação. A teoria fichteana da intersubjetividade parece se converter num subterfúgio para a corroboração individual da própria liberdade frente aos outros; e como isto, também para o outro, somente é possível pelo asseguramento de um espaço de liberdade, o reconhecimento parece se tornar um processo para a produção de um excluir recíproco. Este é o significado da “repressão jurídica” do reconhecimento em Fichte. A relação de direito, deduzida a partir do reconhecimento, é compreendida por Fichte numa adesão ao programa kantiano77 da limitação recíproca. Desta maneira, o ser racional reconhecido por mim como livre permanece sempre um limite, para além do qual não existe minha liberdade. Fichte constrói uma filosofia social realmente baseada no direito estrito e, por isso, chega a compreender a lei que deve ser o “direito natural realizado”78 somente como Zwangsrecht, o qual atua com “necessidade mecânica” contra o “egoísmo universal” dos indivíduos79.

Esta identificação da coerção jurídica com o “direito natural realizado” se baseia numa concepção negativa da liberdade do indivíduo. “O conceito de direito deve ser um conceito originário da razão pura.”80 Como se origina da razão pura, o direito se constitui, para Fichte, como uma coerção imanente81 à liberdade do indivíduo, a qual é por isso mesmo compreendida

76 Sittenlehre, 208

77 Em GNR 52, Fichte diz: “Eu tenho que reconhecer o ser racional fora de mim em todos os casos como tal, isto é, limitar minha liberdade pelo

conceito da possibilidade de sua liberdade.A deduzida relação entre seres racionais, segundo a qual cada um limita sua liberdade pelo conceito da possibilidade da liberdade do outro, sob a condição de que o primeiro limite da mesma forma a sua pela do outro, denomina-se relação de direito (Rechtsverhältnis), e a fórmula que foi agora apresentada é o princípio do direito (Rechtssatz).”

78 GNR, 149 79 GNR, 142/152 80 GNR, 7

81 “Se os efeitos dos seres racionais devem poder coincidir no mesmo mundo, ter, conseqüentemente, influência uns sobre os outros, estorvar-se e

criar impedimentos reciprocamente, então a liberdade nesta última significação somente seria possível para pessoas que estão nesta situação de uma influência recíproca umas com as outras, sob a condição de que todos encerrassem sua efetividade em certos limites e que dividissem de certa maneira entre si o mundo como esfera de sua liberdade. Como eles são postos livres, então um tal limite não poderia encontrar-se fora da liberdade, pelo que ele seria suspenso (aufgehoben) e de forma alguma seria limitado como liberdade. Antes, todos precisariam pôr-se a si

como condição da consciência-de-si individual. “Encontra-se na intenção deste conceito que ele se torne necessário mediante o fato de que o ser racional não pode se pôr como tal, com consciência-de-si, sem se pôr como indivíduo, como um dentre outros seres racionais, os quais ele supõe estarem fora de si, da mesma forma como ele supõe a si mesmo.”82 Para Hegel, a compreensão atomística da relação intersubjetiva juridicamente reduzida, enquanto incapaz de render uma liberdade individual positiva, torna-se tanto mais evidente na própria intenção de compreender a “relação comunitária” como condição da liberdade individual.

Para Fichte, a ciência filosófica do direito tem de fornecer sua dedução, determinando o conteúdo do conceito de direito e a necessidade racional do mesmo, a fim de mostrar como, enquanto um conceito da razão pura, o direito pode ser aplicado ao mundo sensível.“Ações necessárias, resultantes do conceito do ser racional, são ... somente aquelas através das quais é condicionada a possibilidade da consciência-de-si.”83 Entender como Fichte vai obter, no quadro geral de sua filosofia transcendental “reconstrutiva”84 das condições de possibilidade da

consciência, o conceito de direito, é compreender o que significa para ele sua dedução filosófica: para ele, a filosofia prova a necessidade racional do conceito de direito – e mais, sua origem essencialmente racional – mostrando que ele é uma condição necessária da possibilidade da consciência-de-si, ou seja, do saber-de-si de um sujeito efetivo.

“Há um conceito determinado mediante a razão e nela contido (grifo meu E.C.L) não pode significar senão que um ser racional, tão certo quanto este ser é, necessariamente agiu de uma certa maneira determinada. Desta ação determinada, o filósofo tem de mostrar que ela é uma condição da consciência-de-si, o que constitui a dedução da mesma. Ele tem que descrever ela mesma tanto segundo sua forma, a maneira-de-agir, quanto o que surge desta ação para a reflexão. Ao mesmo tempo, ele fornece por meio disso a prova (Erweis) da necessidade do conceito, determina-o e mostra sua aplicação.”85

O que surge para a reflexão da consciência-de-si da ação pela qual o direito se efetiva é o “o objeto total do conceito de direito, a saber: uma comunidade (Gemeinschaft) entre seres livres

como tais.” 86 Com esta inserção do direito no rol das condições transcendentais de possibilidade

da consciência-de-si, ao descrever a forma do conceito bem como o objeto ao qual ele se refere, a dedução filosófica do direito estará, ao mesmo tempo, mostrando sua necessidade e sua aplicabilidade. Para Fichte, a forma é a maneira-de-agir da consciência-de-si efetiva pela qual este conceito surge para ela. Da decomposição desta maneira de agir será delineado um plano para a dedução de cada elemento seu, o qual deverá levar à determinação completa do conceito de direito, de sua necessidade e de sua aplicação.

“Deixa-se mesmo apresentar sensivelmente como a maneira-de-agir nesta posição (in diesem Setzen) é o conceito de direito. Eu ponho a mim mesmo como racional, isto é, como livre. Nesta operação, aparece em mim a representação da liberdade. Eu ponho na mesma ação indivisa outros seres livres. Eu delineio, portanto, mediante minha

mesmos este limite através da liberdade, isto é, todos precisariam tomar-se como lei não causar dano à liberdade daqueles com os quais se encontram em comunidade de influência recíproca (in gegenseitiger Wechselwirkung) ”[GNR, 8/9]

82 GNR, 8 83 GNR, 2

84 Mais detalhes acerca desta concepção de filosofia transcendental, ver: Bartuschat, W – „Zur Deduktion des Rechts aus der Vernunft bei Kant

und Fichte“, in: Kahlo, M., Wolff, E. A u. Zaczyk, R. (Hrsg.) – Fichtes Lehre vom Rechtsverhältnis, Frankfurt am Main, 1992, 173-193; Renaut,

Alain – Système du droit : philosophie et droit dans la pensee de fichte, P.U.F, Paris, 1986; Siep, Ludwig – „Naturrecht und Wissenschaftlehre“,

in: Kahlo, M., Wolff, E. A u. Zaczyk, R. (Hrsg.) – Fichtes Lehre vom Rechtsverhältnis, Frankfurt am Main, 1992, 71-91; Siep, Ludwig – „Philosophische Begründung des Rechts bei Fichte und Hegel“ , in: Siep, Ludwig–Praktische Philosophie im deutschen Idealismus, Frankfurt am Main, 1992, 65-80;Weischedel, Wilhelm – Der frühe Fichte: Aufbruch d. Freiheit zur Gemeinschaft, Frommann-Holzboog, Stuttgart, 1973;

Zaczyc, Rainer – „Die Struktur des Rechtsverhältnisses (§§1-4)im Naturrecht Fichtes“, in: Kahlo, M., Wolff, E. A u. Zaczyk, R. (Hrsg.) –

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