• Nenhum resultado encontrado

Direito, Subjetividade e Intersubjetividade: o modelo Aufforderung/Anerkennung

1. Direito, Moral e Reconhecimento em Fichte

1.2. Intersubjetividade originária e o direito como coerção: a Grundlage des Naturrechts (1796/97)

1.2.2 Direito, Subjetividade e Intersubjetividade: o modelo Aufforderung/Anerkennung

Aufforderung/Anerkennung

A teoria da intersubjetividade do Naturrecht de Fichte está desenvolvida nos §§ 3-4, mas também secundariamente nos §§ 5-7, onde Fichte procura construir, a partir do conceito de corpo articulado, uma “teoria fenomenológica da liberdade” correspondente à sua teoria do reconhecimento. No § 3 o conceito chave é o de Aufforderung, já no § 4 o fio condutor é a dedução do reconhecimento como condição da autoconsciência finita, e do conceito de direito como fundamentado nesta relação, como forma do mundo intersubjetivo na qual esta relação é fixada. Neste itinerário também o conceito de direito é inserido no rol das condições da consciência-de-si individual.

Costuma-se dizer que a teoria da intersubjetividade do primeiro Fichte rompeu com o quadro geral da teoria da subjetividade absoluta exposta na Wissenschaftslehre 1794120, mesmo

118 GNR, 81 119 GNR, 81

que isto não tenha se dado pela formulação de uma nova base ontológica comunitária para a subjetividade121. Entretanto, é preciso considerar sob que condições Fichte proporcionou, com o conceito de Aufforderung, uma ruptura “intersubjetivista” em sua obra, a qual teria como efeito imediato o questionamento de premissas, por assim dizer, monológicas da doutrina-da-ciência. “O ser racional finito não pode atribuir a si mesmo uma eficácia livre no mundo sensível sem atribuí-la também aos outros e, com isso, sem também admitir outros seres racionais finitos exteriormente a si”122. Além de a teoria da Aufforderung ser incorporada por Fichte na

Wissenschaftslehre de 1798 – e justamente no contexto da dedução da individualidade e de

passagem entre o eu puro e o eu individual (ver §§13-18) –, o próprio enunciado do segundo “princípio doutrinário” (§3) enfatiza que a atividade racional dos outros seres deva ser objeto de uma pressuposição, por parte do ser racional finito, no processo de constituição de sua consciência-de-si. Como lembra Honneth, a Fichteforschung oscila, em geral, entre duas interpretações possíveis da teoria da Aufforderung: ou a “interpelação” tem de ser compreendida como ato eminentemente intersubjetivo, “que se furta à manipulação pelo sujeito que se produz espontaneamente”123, constituindo assim uma condição exterior da consciência-de-si; ou este conceito representa uma forma simplesmente projetiva da subjetividade transcendental, ainda que, pela exigência de pressuposição da liberdade do outro, ganhe contornos intersubjetivos. A este debate gostaríamos de contribuir com a tese de que o modelo Aufforderung/Anerkennung realmente inaugura, no quadro geral da filosofia do eu do primeiro Fichte, bases sólidas para uma consideração filosófica da intersubjetividade124; além disso, inserindo a intersubjetividade no

Lauth, Fichte pode ser considerado como primeiro teórico da intersubjetividade. Heimsoeth, Heinz – Fichte, Verlag Ernst Reinhardt, München, 1923. Para Heimsoeth, um dos empreendimentos mais originais de Fichte é ter se ocupado com o modo de dadidade do outro eu (Gegebenheitsweise des fremden Ich), o qual passa a ser mais do que uma parte do mundo sensível material, ao possuir o mesmo “modo de ser” que o eu certo de si mesmo. Para Heimsoeth, a primeira versão do sistema, a Grundlage der gesamten Wissenschaftslehre de 1794/1795, permaneceu ainda presa ao âmbito da dedução geral das funções fundamentais da consciência em geral a partir dos princípios mais elevados. Somente o acabamento do primeiro sistema, cuja base é a Grundlage, permitiu a Fichte chegar ao conceito da consciência-de-si concreta e efetiva, que é alcançado pelo Naturrecht e pela Sittenlehre de 1796 e 1798, os quais expõem as condições genéticas do eu individual. É neste contexto que surge o novo núcleo problemático de uma multiplicidade de seres racionais, os quais possuem um modo de ser completamente diferente do mundo material exterior e, todavia, são diversos entre si. Para Heimsoeth, a teoria fichteana do indivíduo concreto afasta toda a suspeita de solipsismo que poderia pairar sobre o primeiro sistema de Fichte, já que nas faculdades da imaginação produtiva somente a realidade da natureza é superada, mas não a realidade das outras pessoas.

121 Weischedel, Wilhelm – Der frühe Fichte: Aufbruch der Freiheit zur Gemeinschaft, Frommann-Holzboog, Stuttgart, 1973. Weischedel

interpreta a concepção geral do primeiro Fichte como uma “ontologia fundamental do ser humano na relação de tensão entre o eu que se sabe como absoluto e o eu que faz experiência de si mesmo como dependente.” Por isso, em correspondência a esta tese de leitura, importa menos a Weischedel o ponto de partida filosófico-transcendental fichteano em Kant do que a determinação essencial do homem contida na filosofia do primeiro Fichte. Weischedel salienta a gênese do esforço infinito do eu, apresentada na Wissenschaftslehre de 1794 a partir de uma diferença imanente ao eu puro, enquanto necessidade do existir humano em contradição. Esta necessidade essencial para o eu de refletir acerca de se e em que medida ele compreende em si toda a realidade em conformidade com o seu conceito de si mesmo – quando lhe surge a idéia de uma infinitude que tem ainda de ser completada – é, segundo Weischedel, o índice da existência do homem numa contínua contradição, de tal maneira que a realização concreta da unificação da absolutidade com a finitude do eu em um tal esforço é sempre apenas uma unificação fragmentária. Dentro deste panorama, Weischedel compreende que, para Fichte, o ser humano é um ser originariamente social e que a necessidade de socialização e do tornar-se membro de uma comunidade se constitui como uma propriedade de sua existência; e, por isso, ele procura obter um conceito ontologicamente fundado da comunidade através da demonstração da gênese da consciência comum a partir da consciência-de-si. “O ser-com- outros não é deduzido por Fichte da consciência do dever, mas da consciência de si: não é demonstrado de maneira ética, mas ontológica.”(123)

122 GNR, 30

123 Honneth, op.cit, p.64/65

124 O conceito de um choque exterior pode ser considerado o pivô para a consideração do grau de proximidade e afastamento em que o Naturrecht

se encontra em relação à filosofia fichteana do eu, cujas diretrizes foram estabelecidas pela Wissenschaftslehre de 1794. Pode o âmbito da intersubjetividade, aberto pela obra de 1796/1797, estar de acordo com a idéia fichteana de um sistema de condições de retorno da subjetividade à sua igualdade originária ? Como lembra Honneth, pode bem ser que a interpelação só possua um caráter exterior e transsubjetivo para o ser racional finito. Por outro lado, quando apreciada do ponto de vista do filósofo transcendental, perde a aparente intersubjetividade seu caráter irredutível à auto-referência subjetiva e adquire um papel eminentemente transcendental. A resposta a esta questão é que pode levar a considerar se e como o Direito Natural permanece vinculado ao arcabouço monológico da filosofia primeira de Fichte ou inaugura a filosofia da intersubjetividade. “se o ato intersubjetivo de interpelação, que aqui é compreendido como condição necessária da consciência do direito, é, também do ponto de vista do filósofo que analisa, um fato prévio ou exterior – e, por sua vez, não subjetivamente constituído –, então estaria de fato aberto o caminho para uma teoria da intersubjetividade. Mas se, ao contrário, este ato se revela, do ponto de vista informado do filósofo, como algo aparentemente exterior, que, na verdade, também é apenas originado pela produtividade do sujeito transcendentalmente atuante, então permaneceriam conservadas as premissas monológicas ao longo do desenvolvimento da obra de Fichte e a doutrina da intersubjetividade seria parte do programa da filosofia transcendental.” Ver Honneth, Axel – „Die transzendentale Notwendigkeit von Intersubjektivität: (Zweiter

Lehrsatz: § 3)“, in: Merle, Jean-Christophe(Hg) – Johann Gottlieb Fichte, Grundlage des Naturrechts , Akad.-Verl. , Berlin , 2001,63-80,

âmbito geral de uma teoria da justiça, a teoria fichteana propicia um arcabouço conceitual capaz de reconstruir o enunciado kantiano da intersubjetividade jurídico-moral. Deseja-se também fundamentar a tese de que nem um modelo técnico-pragmático de vida político-jurídica, nem a redução jurídica da intersubjetividade esgotam as potencialidades éticas do modelo fichteano, o qual parece ser abandonado, em nome da pressuposição antropológica fundamental de um egoísmo universal, no âmbito da investigação das condições de aplicação do direito, algo que pode ser interpretado como um retorno a Hobbes125.

Para entender os motivadores teóricos da teoria fichteana da “interpelação” ou

Aufforderung, é preciso perceber um círculo que se precipita sobre a argumentação depois do Folgesatz. “O fundamento da impossibilidade de se explicar a consciência-de-si, sem pressupô-la

sempre como já existente, estava em que, para poder pôr sua eficácia, o sujeito da consciência- de-si teria que ter posto anteriormente um objeto simples como tal; e assim nós sempre éramos impelidos do instante em que pretendíamos atar o fio para um outro momento precedente, onde ele já teria de estar atado.”126 Permanece obscuro como seria possível para o sujeito finito chegar àquela forma de relação prática a si mesmo, segundo a qual ele se compreende em sua espontaneidade como causa da efetivação de um fim. O problema reside na exigência de simultaneidade: se o indivíduo deve poder compreender a si mesmo como sujeito livre no agir pela representação de fins, o qual se dá no âmbito de uma contraposição entre sujeito e objeto, como pode ser possível que o indivíduo resolva-se espontaneamente pela efetivação de um objetivo praticamente conseqüente, se ele não possui ainda a consciência de si mesmo como ser racional auto-determinante ? Trata-se, portanto, da possibilidade de conceber o indivíduo, no processo de efetivação de um fim, como recorrendo à atividade espontânea de auto-determinação, a qual deveria ser engendrada pelo próprio exercício da posição do fim. De acordo com o

Folgesatz, um sujeito finito somente está apto a alcançar a consciência-de-si, se ele pode se

experimentar a si mesmo, no ato de posição originária de um fim, simultaneamente como capaz de eficácia sobre um objeto e como limitado pelo mesmo. No entanto, uma tal resolução à eficácia prática só procede sob a pressuposição da representação de uma esfera objetiva contraposta, uma vez que a simples compreensão do “querer agir” supõe algo na forma de um objeto, um “empecilho” sobre o qual o sujeito pretende agir segundo seu fim. Neste sentido, não se pode assumir um instante originário em que o sujeito se compreenderia, através de sua capacidade prática de projetar fins, como simultaneamente livre e limitado, pois sempre a efetividade teria que estar já antecipadamente constituída, o que pressuporia uma posição anterior: “o momento em que ele é apreendido somente é possível sob a condição de um

filosofia primeira, também uma discussão acerca da intersubjetividade (com o conceito de Aufforderung). Neste sentido, Edith Düsing procura salientar a importância desta última para a compreensão do verdadeiro papel desempenhado pela intersubjetividade no quadro mais amplo do projeto fichteano de filosofia transcendental. Ver Düsing, E. – Intersubjektivität und Selbstbewußtsein: behavioristische, phänomenologische und

idealistische Begründungstheorien bei Mead, Schütz,Fichte und Hegel , Köln, 1986; e „Modelle der Anerkennung und Identität des Selbst (Fichte, Mead, Erikson)“, in: Schild, Wolfgang (Hg) – Anerkennung: Interdisziplinäre Dimensionen eines Begriffs, Ein Synposium, Königshausen &

Neumann,Würzburg, 2000,99-127. Também Günther Zöller parece compreender de outra forma o problema da intersubjetividade com ajuda da

Wissenschaftslehre nova methodo. Segundo G. Zöller, há dois caminhos bem definidos para se tentar abordar o conceito de intersubjetividade no

pensamento de Fichte: considerá-la no contexto da teoria da vontade pura na WL(1798) Nova Methodo; ou traçar a emergência e desenvolvimento da teoria da interpersonalidade jurídica a partir da WL(1794) até o texto sobre o direito natural de 1797, o que traz a vantagem de sublinhar o importante papel deste conceito na filosofia social de Fichte. Para Zöller, não está claro que a teoria fichteana da intersubjetividade suplante sua concepção da subjetividade transcendental. Para ele, a intersubjetividade surge dentro dos limites de uma teoria transcendental do sujeito, e não constitui uma “ontologia social” fora da consciência individual e de suas condições transcendentais. Talvez esteja aí a raiz dos recentes esforços de Zöller em compreender o caráter primordial da teoria da vontade pura frente a intersubjetividade, compondo uma obra que coloca a exposição de 1798 como locus privilegiado de análise do sistema fichteano. ver Günter, Zöller – Fichte's transcendental philosophy : the original duplicity

of intelligence and will, Cambridge Univ. Press, Cambridge, 1998

125 Siep, Ludwig – „Einheit und Methode von Fichtes „Grundlage des Naturrechts““, in: Siep, Ludwig–Praktische Philosophie im deutschen

Idealismus, Frankfurt am Main, 1992, 41-64 Esta tese de amplo alcance, que estrutura este fabuloso artigo de Ludwig Siep, será alvo de uma

apreciação posterior.

momento precedente, e assim até o infinito. Nós não encontramos nenhum ponto possível ao qual nós poderíamos atar o fio da consciência-de-si...”127

Esta aporia128 em que se precipita a argumentação ameaça a “reconstrução” da

autoconsciência individual. Na medida em que a ação pela qual o sujeito finito chega à consciência-de-si, sua reflexão na objetividade, é compreendida como “posterior”, então a subjetividade se vê, no movimento de sua auto-certificação, despojada de sua propriedade essencial, de maneira que precisa ser mais uma vez pressuposta sua independência reflexiva. Neste contexto, o sujeito não é capaz de se encontrar, por meio da auto-reflexão, como determinando-se à auto-atividade (sich als bestimmend zur Selbsttätigkeit finden), pois ele somente pode pressupor a livre auto-posição, da qual tenta se certificar reflexivamente. “É preciso ir além deste fundamento (dieser Grund muß gehoben werden). Mas isto somente é possível se for aceito que a eficácia do sujeito esteja, num e no mesmo momento, unificada sinteticamente (synthetisch vereinigt) com o objeto. A eficácia do sujeito é ela mesma o objeto percebido e concebido (das wahrgenommene und begriffene Objekt), e o objeto não é nada mais do que a eficácia do sujeito, e assim ambos são o mesmo.” 129 Para escapar à aporia, Fichte vai então apelar à apreensão de um objeto que seja ele mesmo sujeito, de maneira que, ao apreender o objeto em sua relação de limitação intrínseca, o ser racional esteja apreendendo, na verdade, sua própria faculdade prática incondicionada na figura de um outro: a intersubjetividade fornece significado preciso à idéia fichteana de que, para ser livre, a consciência-de-si efetiva tem de achar a si mesma como livre, isto é, apreender sua liberdade como objeto. “Somente por uma tal síntese nós deixaríamos de ser impelidos a uma [síntese] precedente; ela apenas conteria em si tudo o que condiciona a consciência-de-si e forneceria um ponto no qual o fio da mesma se deixaria atar. Somente sob esta condição a autoconsciência é possível.” 130 Fichte resolve-se por

não sobrecarregar o sujeito monológico e auto-referente do ônus de uma auto-certificação de sua própria subjetividade, abandonando o modelo de uma reflexão que se refere somente a si mesma: vai procurar compreender a auto-certificação da subjetividade como “reação a uma expectativa intersubjetivamente mediada, de maneira que a tarefa paradoxal de uma instantânea auto-reflexão como tal se torna obsoleta.”131 A resolução proposta por Fichte é sua teoria da Aufforderung, a qual, como lembram Honneth e Siep, constitui-se como um híbrido, um fato que possui o caráter de um acontecimento espaciotemporal, mas figura no escopo de uma dedução transcendendal das condições de possibilidade da consciência-de-si132. O tipo de solução adotada por Fichte e que

127 GNR, 31

128 Seguimos aqui a compreensão fornecida por Axel Honneth. “O que Fichte reproduz aqui na forma de um regresso infinito, deixa-se apresentar,

ao se distanciar de suas próprias palavras (in Loslösung von seinen eigenen Worten) também na figura de uma aporia, na qual toda aquela explicação da consciência-de-si, que se utiliza do modelo da reflexão auto-referente (Modell der selbstbezüglichen Reflexion), tem de cair”

Honneth, Axel – „Die transzendentale Notwendigkeit von Intersubjektivität: (Zweiter Lehrsatz: § 3)“, in: Merle, Jean-Christophe(Hg) – Johann

Gottlieb Fichte, Grundlage des Naturrechts , Akad.-Verl. , Berlin , 2001,63-80, p.70

129 GNR, 32 130 GNR, 32

131 Honneth, Axel – „Die transzendentale Notwendigkeit von Intersubjektivität: (Zweiter Lehrsatz: § 3)“, in: Merle, Jean-Christophe(Hg) –

Johann Gottlieb Fichte, Grundlage des Naturrechts , Akad.-Verl. , Berlin , 2001,63-80, p.71.

132 Esta introdução de acontecimentos espaciotemporais na dedução das condições da consciência individual representa, para Siep, o segundo

aspecto que se conecta com a extensão fichteana do arcabouço geral da dedução transcendental. Como a eficácia no mundo sensível é condição da consciência-de-si, a interpelação, ao conter em si as condições de possibilidade da tomada de consciência do ser racional como tal, é uma relação recíproca no mundo sensível, a qual se estabelece segundo circunstâncias espaciotemporais. Entretanto, para Siep, isto não significa que a dedução transcendental é considerada dependente de elementos empíricos, mas antes que as condições de possibilidade da consciência-de-si têm de levar em conta agora a estrutura fundamental do encontro de seres racionais no mundo efetivo de suas ações. Siep, Ludwig – „Einheit und Methode

von Fichtes „Grundlage des Naturrechts““, in: Siep, Ludwig–Praktische Philosophie im deutschen Idealismus, Frankfurt am Main, 1992, 41-64

Eis porque Siep associa o significado factual da interpelação não à intuição intelectual que constitui o ponto de partida da filosofia primeira de Fichte, mas ao necessário encontro de seres racionais no mundo sensível, cuja interação forma, enquanto circunstância localizada, em geral, no tempo e no espaço, a condição de surgimento da consciência-de-si do indivíduo. É somente na medida em que um tal fato espaciotemporal transcendental tem conseqüências para a posição da consciência individual que reflete e age que Siep identifica aí uma introdução, no método de dedução transcendental, de elementos da “experiência da consciência”. Neste sentido, no Naturrecht, as condições para o chegar-a-si-mesma da consciência individual são acontecimentos espaciotemporais cuja estrutura universal pode ser pressuposta para toda “individualização”.

inaugura, por assim dizer, uma tradição filosófica que pode muito bem ser compreendida como “constituição intersubjetiva da subjetividade”, possui, entretanto, estreita conexão com o programa fundamental do Naturrecht, qual seja: mostrar que o “vínculo jurídico” é uma condição necessária da consciência-de-si.

“Tão certo, portanto, como deve haver consciência, da mesma maneira devemos aceitar o que foi exposto. A prova sintética estrita está assim completa, pois o que foi descrito está corroborado enquanto condição absoluta da consciência-de-si.”133 Fichte apresenta uma solução para o problema do regresso infinito na forma de uma síntese segundo a qual o ato de auto- reflexão é concebido a partir de um objeto ao qual se atribui a mesma característica da subjetividade: a livre eficácia. Se se admite que o objeto que limita o indivíduo no processo de auto-certificação prática, isto é, na sua corroboração de seu “querer-ser-eficiente”, também é ele mesmo capaz de eficácia, desaparece a indesejável exigência de se retroceder a uma posição prévia.

“O que foi exposto através dela [a saber, da síntese E.C.L] deve ser um objeto; mas é o caráter do objeto que a livre atividade do sujeito seja posta, pela sua apreensão (Auffassung), como obstruída. Este objeto deve ser uma eficácia do sujeito. Porém, é o caráter de uma tal eficácia que a atividade do sujeito seja absolutamente livre e se determine a si mesma. Aqui ambos os caracteres devem ser conservados e nenhum deles ser perdido. Com pode ser isso possível ? Ambos são completamente unificados, se nós pensarmos um ser-determinado do sujeito à autodeterminação, uma solicitação (Aufforderung) a ele em resolver-se por uma eficácia.”134

Concretamente, na medida em que consiste em um objeto a ser apreendido como limitação de uma livre eficácia, a perseguida síntese somente pode ser compreendida como “expectativa do objeto” por uma resposta pautada por liberdade, pois somente assim “a eficácia do sujeito é ela mesma o objeto percebido e concebido (das wahrgenommene und begriffene

Objekt).”135 O agir pela formulação prévia de fins somente pode ser primeiramente suscitado, se

se depara com um “objeto” que tenciona obter uma “resolução autônoma” por parte do sujeito. Em outras palavras, a autoconsciência prática do indivíduo é compreendida, em sua gênese, como entrada do sujeito em uma atitude performativa suscitada pela atitude “inclusiva” do objeto ou pela expectativa do mesmo por uma “resolução autônoma”. Que a teoria da interpelação tencione reconstruir a experiência do indivíduo que vai se certificar de si como autoconsciência finita e que, portanto, a interpelação se refira à reconstituição da atitude performativa, à qual é conduzido

Documentos relacionados