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Direito como pragmática indexical de insulating-debiasing

3 APRESENTAÇÃO DO MODELO

3.3 Direito como pragmática indexical de insulating-debiasing

Como se pode notar, a chamada “análise econômico-comportamental do direito” não se limita a descrever a interferência de propensões cognitivos na tomada de decisões juridicamente significativas [modelo positivo de cariz zetético-científico]: ela também propõe aos planejadores sociais técnicas de redução da magnitude desses vieses [modelo normativo de cariz político-jurídico]. A essas técnicas costuma-se dar o nome de debiasing. No entanto, é preciso refinar o estudo dessas técnicas, porquanto existem maneiras diferentes de abordar os efeitos desses enviesamentos.

1) Uma possibilidade é operar diretamente sobre os erros e tentar reduzi-los ou limitá- los. É o que se chama de “debiasing em sentido estrito”. Aqui, não há mudança nas preferências individuais; na verdade, eliminam-se os erros no julgamento138. A lei é usada para reduzir o grau de enviesamento do comportamento do ator139. Ou seja, faz-se com que o

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Sobre a imparcialidade judicial como elemento do conceito de devido processo legal: GOMES, Luiz Flávio. Estado constitucional e democrático de direito e devido processo criminal, p. 539; MEROI, Andrea A. La

imparcialidad judicial, p. 11; OAKLEY, Hugo Botto. Inconstitucionalidad de las medidas para mejor resolver,

p. 64-65; idem. La congruencia procesal, p. 286-287; VELLOSO, Adolfo Alvarado. El debido proceso, p. 278; idem. El garantismo procesal, p. 68; idem. El proceso judicial, p. 89; idem. Garantismo procesal versus prueba

judicial oficiosa, p. 290; idem. Sistema procesal. t. I p. 330. 137

Sobre a “precautionary regulation as a debiasing measure”, v.: KUENZLER, Adrian e KYSAR, Douglas A. “Environmental law”, p. 759-761. Segundo Linda Babcock, George Loewenstein e Samuel Issacharoff,

debiasing são “interventions intended to reduce the magnitude of the bias” (“Creating convergence”, p. 916). 138

Cf. PI, Daniel, PARISI, Francesco e LUPPI, Barbara. “Biasing, debiasing, and the law”, p. 146. De acordo com Christine Jolls e Cass R. Sunstein, “a quite different possibility – one that has received much less attention

in the existing litterature – is that legal policy may respond best to problems of bounded rationality not by insulating legal outcomes from its effects, but instead by operating directly on the boundedly rational behavior and attempting to help people either to reduce or to eliminate it. We describe legal policy in this category as ‘debiasing through law’” (“Debiasing through law”, p. 432).

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Para uma diferenciação entre insulating e debiasing: JOLLS, Christie. Behavioral economics and the law, p. 23 e ss.

processo deliberativo do Sistema 2 prepondere sobre processo intuitivo do Sistema 1. É o que se faz, p. ex., quando se obriga o fornecedor a prover informação factual adicional aos consumidores a fim de suprir-lhes a capacidade limitada de compreensão dos riscos do produto ou serviço140.

O combate ao hindsight bias (também conhecido como “I-knew-it-all-along effect”, por força do qual os tomadores de decisão tendem a atribuir exagerada probabilidade a eventos e reputá-los inevitáveis simplesmente porque eles acabaram ocorrendo) também se faz por esse método (não obstante – segundo os pesquisadores – se trate de um dos vieses cognitivos de mais difícil erradicação): impõe-se ao juiz o dever de avaliar – quando da fixação da pena ou do arbitramento do quantum indenizatório – se à época da conduta o resultado danoso era realmente previsível e, portanto, evitável, incitando-o a um julgamento ex ante em lugar de um julgamento ex post141. Note-se que, aqui, o ambiente é reestruturado não para que modificar a motivação do indivíduo, mas para fazer com que perceba diferentemente o mundo ao redor dele.

2) Outra possibilidade – mais agressiva – é isolar os resultados jurídicos dos limites do comportamento humano mediante a criação de regras jurídicas ou instituições capazes de evitar que esses resultados sejam presas desses limites. Aqui não se pode fazer com que o processo deliberativo do Sistema 2 prepondere sobre o processo intuitivo do Sistema 1, razão pela qual se prefere isolar o agente enviesado e substitui-lo por outro não enviesado. Isso se pode fazer retirando algumas opções das mãos dos atores envolvidos, ou seja, mediante a imposição de restrições às escolhas individuais. A isso se dá o nome de “insulating”142. Exemplo: afastar do processo o juiz que concedeu tutela sumária mediante juízo de

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Cf. JOLSS, Christine e SUNSTEIN, Cass R. “Debiasing through law”, p. 439 e ss. 141

A literatura sobre hindsight bias é imensa. Sugerem-se, e.g.: ANGNER, Erik. A course in behavioral

economics, p. 96; ARANGUREN, Arturo Muñiz. “La influencia de los sesgos cognitivos en las decisiones

jurisdiccionales”, p. 6-8; BAZERMAN, Max H. e MOORE, Don. Processo decisório, p. 51-54; FISCHHOFF, Baruch. “Debiasing”, p. 427-431; idem. “For those condemned to study the past”, p. 335 e ss.; GOLECKI, Mariusz. “New York v. Sullivan in European Context”, p. 256-258; GUTHRIE, Chris, RACHLINSKI, Jeffrey J. r WISTRICH, Andrew J. “Inside the judicial mind”, p. 25-31; HASTIE, Reid. “Putting it all together”, p. 211 e ss.; HASTIE, Reid, SCHKADE, David A. e PAYNE, John W. “Looking backward in punitive judgments”, p. 96-108; JOLLS, Christine. Behavioral economics and the law, p. 14-15; JOLLS, Christine, SUNSTEIN, Cass R. e THALER, Richard. “A behavioral approach to law and economics”, p. 55 e ss.; JUST, David R. Introduction

to behavioral economics, p. 281-308; KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar, p. 253-255; RACHLINSKI,

Jeffrey J. “A positive psychological theory of judging in hindsight”, p. 259-313; SCHWARZ, Norbert e VAUGHN, Leigh Ann. “The availability heuristic revisited”, p. 112-114; SOUSA, Luís Filipe Pires de. Prova

testemunhal, p. 170-171; VISCUSI, W. Kip. “Do judges do better?”, p. 88-193. 142

Segundo Christine Jolls e Cass R. Sunstein, “more generally, rules and institutions might be, and frequently

are, designed to curtail or even entirely block choice in the hope that legal outcomes will not fall prey to problems of bounded rationality. In the existing behavioral law and economics literature, bounded rationality ‘has been used to support the restriction of individual choice, almost without exception’ [...]. Boundedly rational behavior might be, and often is, taken to justify a strategy of insulation, attempting to protect legal outcomes for people’s bounded rationality” (“Debiasing through law”, p. 432).

probabilidade do direito afirmado pelo autor, com o objetivo de isolarem-se os efeitos do chamado “viés de confirmação”; no ambiente corporativo, introduzir a “visão de fora”, a “visão do agente externo”, removendo da tomada de decisões corporativas importantes os “inside directors”, contagiados pelo chamado “viés de otimismo”, e colocando em seus lugares “outside directors”, mais capazes de generalizar situações e identificar semelhanças143.

Segundo Pi, Parisi e Luppi:

The former approach (“insulation”) lets the biases fall were they may, removing outcomes from the reach of biased decision-making; the latter approach (“debiasing”) reduces the effect of the bias by eliminating or reducing i’s misperceptions of benefits, costs, or the domain of options. The distinction beetween debiasing and insulation was first pointed out by Jolls and Sunstein (2006). Of course, taken literally, both approaches could be called “debiasing”, insofar as they both seek to mitigate or eliminate the effects of biased judgments from outcomes. However, Jolls and Sunstein distinguished debiasing as “debiasing through law” from insulation as “debiasing law”. The difference is that debiasing combats the bias itself by educating or informing biased individuals to eliminate or reduce the bias itself, whereas insulation allows biased individuals to remain biased, and instead seeks to remove biased decision-making (often by removing biased decision-makers) from affecting outcomes.144

Nesse sentido, haveria o gênero “debiasing lato sensu”, de que seriam espécies o 1) “debiasing stricto sensu” e o 2) “insulating”. De todo modo, é importante deixar claro que no presente texto atribui-se ao termo “debiasing” um sentido mais conservador, que não o confunda com a ideia de “incentivo”, que também pode de fato diminuir os efeitos da limitada racionalidade procedimental das pessoas. Na verdade, quando se fala em “debiasing”, está-se

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Cf. JOLSS, Christine e SUNSTEIN, Cass R. “Debiasing through law”, p. 449-451. De acordo com Kahneman, “ao prognosticar os resultados de projetos de risco, os executivos caem muito facilmente na falácia de planejamento. Sob sua influência, tomam decisões antes com base em um otimismo ilusório do que na ponderação racional de ganhos, perdas e probabilidades. Superestimam os benefícios e subestimam os custos. Imaginam cenários de sucesso ao mesmo tempo em que fecham os olhos para as potenciais falhas e erros de cálculo. Como resultado, favorecem iniciativas que dificilmente ficarão dentro do orçamento ou do cronograma, ou que trarão os resultados esperados – ou que sequer serão finalizadas” (Rápido e devagar, p. 315). Ainda sobre a “visão do agente externo” [outside view] como técnica de desenviesamento: BAZERMAN, Max H. e MOORE, Don. Processo decisório, p. 271-274; KAHNEMAN, Daniel e LOVALLO Dan. “Timid choices and bold forecasts”, p. 24 e ss.

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“Biasing, debiasing, and the law”, p. 150. Pi, Parisi e Luppi catalogam 4 (quatro) categorias: 1) “debiasing”; 2) “insulation”; 3) “benevolent debiasing”; 4) “cognitive leveraging”. Segundo os autores: 1) “if biases result in

behavior deviating from the social optimum, then the law may be used to eliminate or mitigate the bias (debiasing)”; 2) “if biased individuals are resistant to debiasing, or if debiasing is comparatively costly, then the law may be designed around biased individuals, to eliminate or mitigate results the effects of bias on outcomes (insulation)”; 3) “if rational judgment results in behavior deviating from the social optimum, then the law may be used to induce biases, which nudge behavior close to the social optimum (benevolent biasing)”; 4) “when individuals are biased, then the law may be designed to depend on those biases to correct some other form of inefficiency, which may arise when individuals are rational (cognitive leveraging)” (Ibidem, p. 164).

sempre referindo-se a formas de intervenção e alteração da situação que produz a comportamento racionalmente limitado145.

(Isso gera a suspeita de que a dogmática do processo seja, no fundo, uma pragmática de eliminação, neutralização e mitigação dos vieses cognitivos do juiz [= debiasing]. Com isso, os processualistas seriam “debiasing agents”146; os juízes, “Chief Behavioral Officers” [“diretores comportamentais”] do processo147. Mais: o devido processo legal teria uma fundamentação comportamental, podendo ser compreendido como amálgama de garantias voltado a combater as fragilidades psíquico-cognitivas do juiz na condução do processo. Em outras palavras: um processo seria tanto mais devido quanto mais fosse estrategicamente permeado por técnicas de desenviesamento judicial. Isso impeliria o establishment processual a ser cada vez mais capacitado em psicologia, economia e pesquisa empírica148. No Brasil, porém, essa interdisciplinaridade ainda está longe de ocorrer...)