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Neutralização-eliminação-mitigação do viés de confirmação

3 APRESENTAÇÃO DO MODELO

3.7 Neutralização-eliminação-mitigação do viés de confirmação

A primeira impressão tem peso desproporcional220. Esse processo mental se caracteriza pela tendência do sujeito a filtrar uma informação que recebe, de maneira que, de forma inconsciente, busca e supervaloriza as provas e os argumentos que confirmam sua

217

“Judicial decision-making”, p. 672-673. V., ainda: PEER, Elyal e GAMLIEL, Eyal. “Heuristics and biases in judicial decisions”, p. 116.

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Em sentido similar: MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado, p. 256: “[...] o juiz que proferiu sentença anulada por encontrar-se fundada em prova ilícita [...] não poderá proferir nova sentença, quando do retorno dos autos ao juízo de 1º grau. Evita-se, com isso, [...] a tendência (irracional, por certo) de o juiz que já proferira a sentença reputando provados determinados fatos, ao rejulgar a causa, chegar à mesma conclusão, a despeito de excluída a prova tida por ilícita”. V., ainda: AMARAL, Paulo Osternack.

Provas, p. 197-198; GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, p.

112; MARINONI, Luiz Guilherme. Prova e convicção, p. 312. 219

Para uma dura crítica ao veto, p. ex.: GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Americana de Direitos

Humanos, p. 112 e ss. 220

própria posição inicial, e ignora e não valora as provas e argumentos que não respaldam essa posição. A propensão à confirmação é uma tendência irracional de buscar, interpretar ou recordar informação de uma maneira tal que confirme alguma de nossas concepções iniciais ou hipóteses. Enfim, trata-se da “tendência de priorizar as informações que apoiam uma hipótese inicial e ignorar informações contraditórias que apoiam hipóteses ou soluções alternativas”: mesmo quando encontramos evidências que contradigam uma solução que escolhemos, somos inclinados a continuar com nossa hipótese original221.

Francis Bacon já antevira essa propensão:

The human understanding when it has once adopted an opinion (either as being the received opinion or as being agreeable to itself) draws all things else to support and agree with it. And though there be a greater number and weight of instances to be found on the other side, yet these it either neglects and despises, or else by some distinction sets aside and rejects; in order that by this great and pernicious predetermination the authority of its former conclusions may remain inviolate [...]. And such is the way of all superstitions, whether in astrology, dreams, omens, divine judgments, or the like; wherein men, having a delight in such vanities, mark the events where they are fulfilled, but where they fail, although this happened much oftener, neglect and pass them by.222

Por exemplo, em um estudo clássico realizado por membros do Departamento de Psicologia da Universidade de Stanford, 24 estudantes contrários à pena de morte e 24 favoráveis foram reunidos e convidados à leitura de estudos que referendavam a aludida pena e de estudos de idêntica qualidade que a redarguiam: aqueles que eram a favor da pena de morte concordaram mais com estudos que confirmavam sua posição inicial, reputando-os melhores e mais convincentes, enquanto que aqueles que eram contra a pena capital apoiaram os textos que traziam argumentos em sentido contrário223.

221

FELDMAN, Robert S. Introdução à psicologia, p. 253. V. ainda: ANGNER, Erik. A course in behavioral

economics, p. 91 e ss.; ARANGUREN, Arturo Muñoz. “La influencia de los sesgos cognitivos en las decisiones

jurisdiccionales”, p. 8-9; BAZERMAN, Max H. e MOORE, Don. Processo decisório, p. 38-41; BURKE, Alafair. “Neutralizing cognitive bias”, p. 516 e ss.; FERREIRA, Felipe Moreira dos Santos. Economia

comportamental e vulnerabilidade cognitiva, p. 48-49; FRASER-MACKENZIE, Peter A. F. e DROR, Itiel E.

“Cognitive biases in human perception, judgment, and decision making”, p. 57-59; FREITAS, Juarez. A hermenêutica jurídica e ciência do cérebro, p. 233; idem. Hermenêutica jurídica e desvios cognitivos, p. 284- 285; GARB, Howard N. “Cognitive heuristics and biases in personality assessment”, p. 79-80; HANSON, Jon D e KYSAR, Douglas A. “Taking behavioralism seriously”, p. 647 e ss.; JUST, David R. Introduction to

behavioral economics, p. 187 e ss.; NICKERSON, Raymond S. “Confirmation bias”, p. 175-220. 222

“Novum organum”, p. 36. 223

LORD, Charles G., ROSS Lee e LEPPER, Mark R. “Biased assimilation and attitude polarization”, p. 2098- 2109. De acordo com o estudo, “[…] there is considerable evidence that people tend to interpret subsequent

evidence so as to maintain their initial beliefs. The biased assimilation processes underlying this effect may include a propensity to remember the strengths of confirming evidence but the weakness of disconfirming evidence, to judge confirming evidence as relevant and reliable but disconfirming evidence as relevant and unreliable, and to accept confirming evidence at face value while scrutinizing disconfirming evidence hypercritically. With confirming evidence, we suspect that both lay and professional scientists rapidly reduce the

O viés de confirmação também pode afetar os juízes quando avaliam as provas que lhes são apresentados. Especificamente, os juízes podem ser tendenciosos em favor de provas que confirmem suas hipóteses anteriores e podem prescindir de uma prova que não corresponda às suas suposições anteriores. De fato, diversos estudos têm apontado para a ocorrência desse viés entre juízes, advogados e oficiais de polícia. Os pesquisadores holandeses Eric Rassin, Anieta Eerland e Ilse Kuijpers apresentaram a esse grupo de especialistas um caso de homicídio em que a vítima era um psiquiatra do sexo feminino e o principal suspeito era a esposa de um de seus pacientes224. A esposa foi acusada de matar a psiquiatra supostamente por ciúmes. Os participantes foram convidados a examinar vinte elementos de prova e avaliar o grau de culpabilidade ou de inocência da principal suspeita. No entanto, metade desses participantes também foi informada sobre a possibilidade de outro suspeito: um ex-paciente do sexo masculino, que havia assediado a psiquiatra por um longo tempo. Surpreendentemente, todos os participantes avaliaram os elementos de prova de forma semelhante e concluíram, com o mesmo grau de certeza, que a esposa ciumenta era a culpada. Ou seja, juízes, advogados e policiais deixaram de considerar o cenário alternativo. A prova foi tomada em consideração apenas quando os ajudou a confirmar suas crenças iniciais de culpa do primeiro suspeito e foi desconsiderada quando apontou para um suspeito diferente.

Essa é a razão pela qual o juiz da sentença anulada ou nulificada não pode reapreciar a causa. Sobre o tema, Aranguren relata a equivocada jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol em sua Sentença 157/1993, de 6 de maio de 1993. De acordo com essa decisão, em caso de nulidade do processo por afronta a forma essencial do procedimento, o réu já condenado tem direito apenas à retroação do processamento até o instante da nulidade, mas não tem direito a que a nova sentença seja ditada por um tribunal composto por novos juízes225. Todavia, esse entendimento não é compactuado pela Segunda Sala do Tribunal Supremo, que reiteradamente vem entendendo que, quando se decreta a nulidade das atuações complexity of the information and remember only a few well-chosen supportive impressions. With disconfirming evidence, they continue to reflect upon any information that suggests less damaging ‘alternative interpretations’. Indeed, they may even come to regard the ambiguities and conceptual flaws in the data opposing their hypotheses as somehow suggestive of the fundamental correctness of those hypotheses. Thus, completely inconsistent or even random data - when ‘processed’ in a suitably biased fashion - can maintain or even reinforce one's preconceptions”.

224

“Let’s find the evidence”, p. 231-246. 225

“Claro está que el juzgador cuya sentencia de condena fue anulada por vicios de procedimiento se formó y

expuso ya una convicción sobre el fondo de la causa y, en concreto, sobre la culpabilidad del acusado, pero se equivoca el Juez a quo al pretender que tal convicción representa un impedimento insalvable frente a la imparcialidad constitucionalmente exigida al juzgador, y resulta, a efectos de abstención y de recusación, parangonable a la que pudo formarse el instructor de una causa o a la que queda fijada en toda Sentencia dictada, sin perjuicio de su recurribilidad, al término de un procedimiento irreprochable”

com remissão do assunto ao Tribunal a quo para que repita o juízo oral, a Sala que há de reexaminar os elementos de prova e posteriormente decidir deve ser formada por magistrados que não tenham intervindo no juízo anulado (cf., p. ex., Sentença de 20.09.2007, RJ 2007/6837, MP Miguel Colmenero Menéndez de Luarca; Sentença de 25.06.2007, RJ 2007/3957, MP Francisco Monterde Ferrer; Sentença de 02.04.1993, RJ 1993/3072, MP José Antonio Martín Pallín; Sentença de 24.06.1991, RJ 1991/4795, MP Enrique Ruiz Vadillo): De acordo com esta última decisão, “cuando un tribunal en la instancia ha procedido con infracción de alguna norma de las que ordenan el desarollo del proceso, no debe conocer de nuevo de las actuaciones, porque al hacerlo podría verse comprometida su imparcialidade objetiva [...]. Y cuando toma una decisión en función de la prueba ante él praticada, si después ha de presenciar una nueva prueba, por él mismo considerada improcedente y volver a decidir, es probable que de manera a caso inconsciente, bajo la inquietud de resolver lo que es justo, se prescinda de hecho, tal vez inqueridamente – sic –, de la nueva prueba y se mantenga el mismo resultado”226. Como bem pontuado por Aranguren, “dejando al margen la cuestión relativa al recelo o temor racional de parcialidad que se genera, no sólo para el acusado, sino para la comunidade en general, por el hecho de que el mismo Tribunal vuelva a juzgar los hechos, es evidente que el planteamiento del Tribunal Constitucional parece muy poco realista, por mucha confianza que se tenga en la honradez del Juzgador y en que éste actuará en consciência y considerará lo nuevamente actuado para decidir como si su mente fuera una tabla rasa, por usar la expresión orteguiana; desde un punto de vista psicológico es un desideratum pretender que la convicción originaria del Juzgador puede verse radicalmente modificada por la prática de una nueva prueba que el propio Tribunal ya consideró anteriormente como irrelevante a los efectos de poder condicionar su decisión” 227.

Tudo isso mostra o desacerto, p. ex.:

- da prolação da sentença penal condenatória pelo mesmo juiz que já apreciara pedido de prisão cautelar ou de concessão de medidas na fase investigativa como busca e apreensão, interceptação telefônica e quebras de sigilo fiscal e bancário;

- dos artigos 230 e seguintes do Regimento Interno do STF, que preveem que o juiz do inquérito policial pode presidir o respectivo processo penal228;

226

“La influencia de los sesgos cognitivos en las decisions jurisdiccionales”, p. 15. 227

“La influencia de los sesgos cognitivos en las decisions jurisdiccionales”, p. 15. 228

Para uma crítica a esse dispositivo: GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Americana de Direitos

- da prolação da sentença cível pelo mesmo juiz que já apreciara pedido de concessão de tutela sumária fundada em probabilidade ou verossimilhança da pretensão de direito material afirmada pelo autor (ex.: tutela cautelar, tutela de urgência ou evidência satisfativa);

- da Súmula 252 do STF, que prevê a participação, no julgamento da ação rescisória, dos mesmos juízes do julgamento rescindendo;

- da participação, na revisão oficiosa a que alude o art. 942 do CPC-2015, dos juízes vencedores no acórdão não unânime;

- da participação, no julgamento do agravo interno, do relator que proferiu a decisão agravada;

- da participação, no julgamento dos embargos de divergência, dos juízes que proferiram o acórdão embargado.