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CAPÍTULO II – ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL

2.2 Direito Comparado

Como mencionado nas linhas anteriores deste trabalho, Brasil, Rússia, Índia e China editaram suas leis de arbitragem atuais à mesma época (entre 1993 e 1996), com motivações semelhantes (abertura econômica, globalização, inserção internacional e maior participação no mercado global), seguindo o mesmo modelo (Lei Modelo da UNCITRAL) e sendo partes de convenções internacionais que asseguram a execução, pelos seus sistemas judiciários, de sentenças arbitrais proferidas em outros países. Esses são elementos que, sem dúvida, evidenciam um relevante grau de uniformização do tratamento da arbitragem entre os BRIC.

Tema clássico em direito comparado, a uniformização do direito se apresentou como um dos principais objetivos dos juristas responsáveis pelo Congresso de Direito Comparado de Paris de 190069, evento este que, para muitos autores, consiste na pedra angular do comparativismo no direito internacional70. Nestes últimos vinte anos, em que se proliferam as convenções, organismos e tribunais internacionais71, este mesmo tema ainda é bastante explorado pelos teóricos, que se dividem entre a consolidação e a fragmentação72 do direito internacional, por conta desta multiplicação.

Fala-se em uniformização (ou unificação) do direito quando se pretende dar o mesmo tratamento jurídico a determinada matéria em ordenamentos diferentes73. Este fenômeno pode se dar tanto no âmbito interno (quando se tenta, a título de exemplo, unificar as leis que regulam os impostos de cada estado ou província de uma nação), quanto no externo (como é o caso, justamente, do que ocorre com a Lei Modelo da UNCITRAL sobre arbitragem).

69 Como diria Saleilles (1904), no Documento que traz publicado os textos do Congresso Internacional de Direito Comparado de Paris, (pág. 11): “Une fois cette constatation faite, reste la comparaison, c'est-à-dire le rapprochement rationnel des diverses législations, prises dans leurs formules juridiques et leurs résultats pratiques, afin de rechercher et d'étudier si, de cette interprétation raisonnée, se dégage un type prédominant qui puisse servir de modèle, au moins approximatif”.

70 Neste sentido, ver Konrad Zweigert e Hein Kötz (1998).

71 Como demonstra Wagner Menezes (2013, p. 93): “Foi o desencadeamento do processo de globalização que acirrou essa realidade, levando à multiplicação das preocupações jurídico-normativas, quando os Estados atribuem jurisdição aos Tribunais Internacionais, que passam a ser constituídos para abarcar novas e específicas competências, em vários campos [...]

72 Como é o caso, por exemplo, de Marti Koskenniemi em International Law: Between Fragmentation and Constitutionalism, 2006.

73 “At the beginning of this century, perhaps as a reaction against excessive nationalism, there arose a strong movement favoring massive comparative studies and postulating, as the ultimate aim of such studies, the total or at least substantial unification of all civilized legal systems. Since then, this unbounded enthusiasmfor universal unificationhas yielded to second thoughts.It has become to be reorganized that legal systems reflect the values of diverse cultures; that cultural diversity should not be turned into monotony unless there are very strong reasons to do so; and thata there is no strong reason for world-wide, across-the board unification of all law. There may be good reasons, on the other hand, for unifying the law with respect to certain selected subjects, either on a regional or even on a world-wide scale”. (SCHLESINGER et al., 1998, p. 37-38).

Em direito internacional, um método bastante utilizado para fomentar a uniformização do direito é o de se formular, no seio de um tratado multilateral, uma lei modelo para que esta sirva de base para as reformas ou edições de leis em países vinculados ao tratado74. A formulação deste modelo, contudo, deve observar a realidade da regulação e aplicação de determinado assunto em diversos ordenamentos jurídicos distintos, para que o modelo estabelecido se torne aceitável ao maior número de países possível, mesmo porque os fins da unificação ou uniformização do direito, de fato, devem ser o de facilitar e tornar mais segura a vida das pessoas75, reduzindo as incertezas decorrentes das distancias físicas, culturais e jurídicas76.

No caso da Arbitragem Comercial Internacional, como vimos acima, pelo fato de existir uma lei modelo e, além dela, convenções internacionais multilaterais que pautam a regulação da arbitragem nos ordenamentos jurídicos internos da cada país, resta demonstrado um relevante grau de uniformização77 das leis referentes ao instituto no mundo todo78. O que se deve perguntar, no entanto, é se a unificação proposta atende, ou ao menos pretende atender, efetivamente, aos seus fins precípuos?

Utilizando-se dos preceitos trazidos pelo direito comparado, conforme analisado acima, será discutido no sub-ítem seguinte, se a uniformização da Arbitragem Comercial Internacional atende o fim a que se propõe.

74 Konrad Zweigert e Hein Kötz (1998). 75 Ibidem.

76 “Deste modo, os esforços de uniformização do Direito, em particular mediante tratados internacionais, concentram-se em campos nos quais há relacionamentos transfronteiriços mais estreitos, com grande destaque para o comércio. Criam-se formas jurídicas para obter as vantagens decorrentes da redução da incerteza que, já existente no âmbito interno, se exponencia em decorrência das distancias físicas, culturais e jurídicas” (WALD et al, 2013, p. 21).

77 Objetivo este declarado nas próprias considerações iniciais da Lei Modelo da UNCITRAL, em que se afirma: 78 A uniformização da Arbitragem comercial por vezes é denominada harmonização, talvez por questões de ordem linguística, ou até de política. Contudo, a mensagem sempre permanece a mesma, como se pode verificar neste trecho de Kaplan (2012, p. xiii): “O sucesso da arbitragem comercial moderna foi construído sobre dois pilares: a Convenção [de Nova Iorque, de 1958] e a Lei Modelo sobre arbitragem comercial internacional da UNCITRAL de 1985 (e revisada em 2006). A Lei Modelo forma a base para os Estados que não tenham uma lei de arbitragem e possam adotar uma pronta ou substituir uma que esteja ultrapassada. [...] Tudo isso contribuiu imensamente para alcançarmos a harmonização da lei sobre arbitragem internacional o que, por sua vez, contribuiu para alcançar previsibilidade e certeza – qualidades muito desejadas pela comunidade empresarial internacional”.