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O Padrão Internacional da Arbitragem Comercial Internacional

CAPÍTULO II – ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL

2.3 O Padrão Internacional da Arbitragem Comercial Internacional

Na lição de Erik Jayme (1995)79, quando se pretende uniformizar o tratamento de determinado instituto ou relação jurídica, de acordo com o que se entende por direito internacional privado, devem ser observados três aspectos principais: a) definir um campo próprio para a aplicação do que se pretende uniformizar; b) mencionar sempre o recurso ao direito internacional privado para o preenchimento de eventuais lacunas existentes, e; c) respeito às particularidades de cada ordenamento jurídico englobado.

Estes três pilares estabelecidos por Jayme (1995) se justificam pelo fato de que, ao se unificar a regulação e aplicação de determinado instituto, deve-se saber precisamente qual problema está sob a égide de tal regulação e, ainda, assegurar que o seu tratamento seja conforme a prática estabelecida internacionalmente, justamente para criar um ambiente eivado de maiores segurança e previsibilidade, que torne mais simples a vida das pessoas que necessitam do sistema, mas sem afetar a identidade cultural que possa existir em cada comunidade englobada por tal unificação.

No caso da arbitragem, o que se pode diagnosticar com o estudo das leis internas dos países que se basearam na Lei Modelo da UNCITRAL é que, em linhas gerais, apesar de algumas soluções diferentes encontradas por cada um na administração deste instituto, existe ao menos uma matriz seguida por todos80. E estas variações, comuns em todo o fenômeno de unificação81, são pautadas por inúmeros motivos, que vão desde a tradição da arbitragem na lei e na prática destes países até questões de ordem política que venham a ser afetadas pela aplicação da lei conforme o modelo e as práticas internacionais.

Atualmente, a Lei Modelo da UNCITRAL conta com 67 países que declaradamente a adotaram para a elaboração de suas leis internas sobre Arbitragem82. Já a Convenção de Nova

79 Identité Culturelle et Integration: Le Droit International Privé Postmoderne. RCDI. Haya. 1995. Págs. 56 e 57.

80 A uniformização do tratamento da arbitragem comercial internacional é reconhecido como exemplo de sucesso pela doutrina, aqui representada por Schlesinger et al. (1998, p. 40), que diz: “On a intercontinental or potentially world-wide scale, a degree of unification or effective coordination of national laws has been accomplished with respect to certain subjects in areas such international trade, transportation, communications, intellectual property, and arbitration”.

81 Ver também em Schlesinger et al. (1998, p. 40): “Wheter the aimed-for harmonization be regional or intercontinental, it often turns out that the participating states cannot agree upon complete unification or revê approximation of the legal rules and principles relating to a giving subject”.

82 A lista com os nomes de todos os países declarantes está disponível no site da UNCITRAL: http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/arbitration/1985Model_arbitration_status.html

Iorque de 1958, conta com 149 Estados-Membros83. De fato, este dado parece demonstrar que muitos países vêem neste esforço de unificação algo útil e desejável.

E realmente se trata de algo muito importante, tanto para o desenvolvimento da arbitragem comercial internacional, quanto para a própria inserção internacional dos países, uma maior aproximação entre os sistemas jurídicos existentes. Se um dos grandes motivos (se não o maior deles!) para a prevalência do foro arbitral como forma de resolução de conflitos oriundos de relações comerciais internacionais é, justamente, evitar problemas de ordem jurisdicional84 por conta das grandes divergências entre os sistemas jurídicos existentes, simplesmente promover a arbitragem comercial internacional sem sugerir certa uniformização de tratamento, de fato, não resultaria num avanço tão grande como o que se percebe nos últimos trinta anos.

Ademais, é bom salientar que tanto a Convenção de Nova Iorque de 1958 quanto à Lei Modelo da UNCITRAL detêm naturezas processuais e não materiais. Isto facilita a disseminação destes textos entre as nações, que passam a possibilitar aos seus cidadãos o acesso a um processo internacionalmente consagrado, mas que pode ser regido pela lei material de seu próprio país, de acordo com a convenção das partes. Além disso, no que tange à execução de sentenças arbitrais estrangeiras, a Convenção de Nova Iorque também não interfere de forma incisiva na forma em que o Estado irá administrar o procedimento de exequatur, justamente para que cada país regule isto da forma mais adequada ao seu sistema interno. Isto sem falar no fato de que ambos os textos, de forma direta, prestigiam o respeito à ordem pública de cada país, o que é, ao mesmo tempo, um conforto para estes e um desconforto para os arbitralistas internacionais85, por força da abrangência de interpretação que juízes, tribunais e doutrinadores têm deste conceito mundo afora.

Há de se dizer, ainda, que a Lei Modelo da UNCITRAL por diversas vezes menciona o recurso às regras aplicáveis de direito internacional privado (conflict of laws) para nortear as decisões dos árbitros, quando não há estipulação expressa das partes sobre assuntos como a escolha da lei aplicável (art. 28) ou da sede de arbitragem (art. 20), por exemplo.

Desta feita, a aproximação dos sistemas jurídicos de cada país, promovida tanto pela Lei Modelo da UNCITRAL como pela Convenção de Nova Iorque de 1958, reflete uma padronização legítima do sistema em nível internacional, afinal: a) define um escopo de

83 Ver em: http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/arbitration/NYConvention_status.html 84 Cf. Lowenfeld (2005, p. 1).

85Sobre isto, ver Paulsson, Jan. “El orden público como criterio para negar el reconocimiento e la ejecución de laudos arbitrales. Obra Coletiva. El Arbitraje Comercial Internacional. Estudio de la Convención de Nueva York con motivo de su 50º aniversario.

uniformização específico, que é a arbitragem comercial internacional; b) é algo útil e que efetivamente se presta a facilitar a vida das pessoas; c) respeita eventuais diferenças culturais que possam existir entre os países, e; d) refere-se às normas de direito internacional privado para preenchimento de eventuais lacunas.

Definido isto, o que se pretende fazer neste trabalho é comparar, em linhas gerais, o padrão internacional estabelecido pela Convenção de Nova Iorque de 1958 e a Lei Modelo da UNCITRAL com as leis e as aplicações destas em cada um dos BRICs, referentes a alguns aspectos relevantes e que dão maior ensejo à comparação, justamente para se verificar onde estão as coincidências e as discrepâncias86 em cada um dos sistemas destes países, bem como onde parecem residir eventuais problemas que possam ser enfrentados por litigantes que necessitem se valer da arbitragem comercial internacional e acabem submetidos a um destes sistemas, o que pode ser útil em virtude da constante aproximação comercial entre estes países, já demonstrada no primeiro capítulo deste trabalho.

2.4. Comparação dos sistemas referentes à arbitragem comercial internacional institucional