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Direito Comparado, soberania nacional e harmonização de normas

O avanço acelerado nas diversas áreas de novos elementos inseridos no contexto atual, como: as questões transfronteiriças, as trocas comerciais crescente, harmonização de normas ambientais e controvérsias, enfim, a globalização, criou uma formidável alavanca e um campo propício para a criação, discussão e implementação de uma legislação devidamente harmonizada de forma que os Estados Partes do Mercosul pudessem falar a mesma linguagem e entender da mesma forma as técnicas e normas jurídicas.

Na leitura efetuada em Mercosul: direito de integração, texto de Pabst (1997, p. 110), constatou-se a existência da necessidade de uma harmonização de normas entre os Estados Partes quando o autor demonstra que: “Há um consenso de que será necessária a adaptação de normas internas de todos os Estados Partes acerca de: [...]; f) regras fitossanitárias e de proteção pecuária; g) controle de trânsito de mercadorias [...]; o) normas para solução de conflitos, de conflitos de leis e de cooperação judiciária”. O Direito Comparado, portanto, é capaz, em decorrência de sua metodologia, de detectar as assimetrias dos textos em análise e, consequentemente, propor sua reformulação, se for o caso.

A proposta do estudo, valendo-se do Direito Comparado, na abrangência das constituições, foi detectar pontos semelhantes e também aqueles que não se ajustam a essa proposta. Entende-se que se houver uma legislação ambiental devidamente harmonizada, no caso, haverá, como consequência, um melhor entendimento entre os Estados constituintes do Mercosul e a integração caminhará em um sentido positivo mais célere, sem dúvida. É para esse horizonte que aponta Soares (1997, p. 24) quando diz que: “A paz entre Estados soberanos resulta do equilíbrio nas relações de poder, pois os Estados são iguais à medida que se reconhecem mutuamente iguais direitos, independente de suas desigualdades fáticas”.

Após a criação do Mercosul, passou-se logo a perceber que havia uma profunda lacuna criada pela falta de “harmonização de normas”, que deveria ser corrigida. Efetivamente é possível comentar que ainda hoje à luz dos avanços significativos nessa área, percebe-se a inexistência de normas ineficazes devidamente harmonizadas. Quando se fala em “harmonização”, o primeiro grande problema a ser solucionado é observar a legislação vigente (normas inferiores) e

procurar identificar a suas equivalências, semelhanças ou dessemelhanças entre aquelas vigentes. Naturalmente que nem todos os Estados Partes terão o mesmo conjunto de normas, uma vez que há uma disparidade de problemas, pois as legislações nacionais, encimadas pelo Direito Ambiental, são criadas em decorrência das características próprias de cada Estado (cultural, econômica, social e territorial entre outras tantas).

Tendo-se visto as divergências envolvendo o Direito Comparado em “ser método” ou “não ser método”, com um ponto de conexão com a sua importância no campo da harmonização de normas superiores, volta-se, novamente, à conceituação, uma vez que este é um aspecto fundamental que envolve esta dissertação, valendo-se das colocações postas por Jiménez Serrano (2006, p. 46), em que:

[...] as pesquisas comparativas abordam e investigam realidades localizadas nas diferenças e semelhanças da tradição jurídica de cada povo (nação) e sistema (ordem ou ordenamento) jurídico. Assim, pode-se dizer que o campo que as pesquisas jurídicas comparadas abrangem está interligado à organização jurídica (ordem e instituições jurídicas), à evolução legislativa e expressão teórico-doutrinária.

Ademais, é importante salientar que existe um elo entre a comparação das normativas ambientais inseridas nas constituições dos Estados Partes a serem abordados e a harmonização dessas legislações. O próprio Tratado de Assunção já sustentava a priorização dessa questão quando colocou de forma expressa no art. 1°, in fine: “O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações”.

Ressalta-se o significado que apresenta um estudo sobre a comparação de princípios constitucionais ambientais nos países do Mercosul, visando a uma proposta de harmonização, contudo, percebe-se uma forte conotação com a soberania de cada Estado Parte. Sendo assim e partindo-se do pressuposto de que a soberania seja indivisível, pela lógica, não poderá ser jamais dividida (parece ser o óbvio), contrario sensu nunca se chegaria a determinados acertos e acordos em questões internacionais. Cada Estado passaria a viver na procrastinação, alienados dos processos desenvolvimentistas de âmbito internacional. Hoje se vê a soberania com outro olhar, sendo que ela está se ajustando à evolução da sociedade (como Estado) em decorrência das novas exigências determinadas pela globalização. Tem-

se, como exemplo, a UE e, seguindo esse raciocínio, coloca-se o pensamento de Bachelet (1995, p. 250-251):

O discurso jurídico, econômico e político já não são os dos anos 50 e as dinâmicas dialéticas deram lugar aos imperativos do ambiente, precisamente a proposta desses recursos que foram objetos da Conferência do Rio, que despojou esses valores do seu substrato de soberania em proveito de conceitos reatualizados pela catrastrofologia da poluição ligadas aos riscos maiores. Eles próprios inerentes à sobreexploração desses recursos e riquezas naturais. É precisamente por esse conjunto de razões que se torna urgente contrabalançar o peso da soberania dos Estados propondo a sua redistribuição. Esta começa a afirmar a sua necessidade de existir efetivamente naquilo que alguns definem como uma nova ordem ecológica internacional.

É possível dizer que a soberania nacional, conforme foi idealizada , encontra- se em um momento histórico de transformação, porém não em sua essência, mas segundo as exigências da evolução das demandas internacionais de ordem bilateral ou multilateral. É nesse sentido que a soberania opera, impondo respeito como Estado soberano aos demais Estados. Para melhor evidenciar o que foi colocado, buscou-se, novamente, a posição de Bachelet (1995, p. 139) em relação a território versus soberania: “A base territorial do Estado é, pois, o ponto de ancoragem da sua soberania. Mas essa não integra apenas os elementos físicos da territorialidade, ela associa os fatores espirituais que unem os povos à sua terra e aos valores que a ela estão ligados”.

Destarte, como foi dito em outro momento, a soberania do Estado não poderá permanecer indefinidamente imutável, deverá moldar-se segundo os efeitos da formação de mercados comuns e blocos econômicos e a própria globalização. Nesse viés, segue o comentário de Soares (1997, p. 15):

A noção de soberania, acentuadamente histórica, que serviu para consolidar a noção de Estado, constitui-se, entretanto, obstáculo a ser transposto exigindo como conditio sine qua non, a participação da sociedade civil nas decisões, visando concretizar o processo de integração perpetrado pelas organizações internacionais.

Portanto, a soberania carreia para si obrigações, uma vez que, na Declaração de Estocolmo, 1972, se encontra inserida a obrigação para o Estado que provoque poluição ambiental (pela exploração dos recursos naturais) com alcance além fronteira, que deve antecipar-se na busca de soluções para que esse processo não se efetive. Está evidente que, nesse caso, caberá a aplicação do princípio da

precaução (entre outros) como tutela jurisdicional ambiental. Esses procedimentos colocam em xeque a soberania de qualquer Estado, pois se a soberania é um direito, há, de outro lado, concomitantemente, um dever que é o de não poluir (poluição transfronteiriça).

Insistindo novamente em “soberania”, recorre-se a Seitenfus (2005, p. 60), que retoca essa questão sob o prisma de que:

Além da outorga de parcela da soberania estatal em seu benefício, a organização expressará a vontade coletiva de seus membros. O Mercosul, cujos membros assinaram solenemente um documento reconhecendo a personalidade jurídica internacional da instituição [...], constitui exemplo marcante da importância que decorre desta definição.

Esse tema é complexo porque envolve questões de Direito Internacional, com alcance no âmbito regional, de acordo com as questões intrínsecas de cada situação em particular, devendo se ajustar ao efeito da globalização e aos avanços dos processos de integração econômica. Portanto, segundo o entendimento de d’Ornellas (1997, p. 33) no que se refere ao meio ambiente e a soberania:

A soberania é um conceito político de caráter histórico e, como tal, não mais obriga a existência de um poder absoluto e perpétuo. É claro que neste quadro atual, onde há uma interdependência, principalmente no que se refere aos campos econômicos, ambiental e de segurança, houve algumas modificações quanto às formas tradicionais de soberania.

Porém no que diz respeito à questão ambiental, entende-se que não houve total impropriedade no uso desse termo. Embora seja natural que dia a dia este poder soberano esteja mais condicionado ao Direito Internacional, e que futuramente possa haver uma ordem jurídica regional, ou até mesmo universal, para o tratamento do meio ambiente, no momento, os Estados devem continuar sendo reconhecidos como detentores de poder público sobre o seu território.

Na elaboração deste trabalho, em se tratando de Direito Comparado, especificamente voltado para as questões ambientais, foi adotado o mesmo caminho seguido por autores tanto nacionais como estrangeiros quando abordaram o tema.