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1.1 O antropocentrismo e o Direito Ambiental

1.1.3 No Mercosul

É dever salientar também que o Direito Ambiental prospera no âmbito do Mercosul, e essa matéria já consta como meta balizadora na criação do Mercosul. A diretriz de cunho orientador está explícita, porém de forma muito frágil, no art. 1° do Tratado de Assunção quando refere a “preservação do meio ambiente”. Com base nesse pressuposto, entende-se que as tratativas concernentes ao meio ambiente estejam sob a égide dos princípios da gradualidade, flexibilidade e equilíbrio é a forma lógica de compreender a proposição. Por fim, entende-se também que as anotações pontuadas estejam sob o domínio do compromisso dos Estados Partes, “para lograr o fortalecimento do processo e integração” (art.1°, in fine, do Tratado de Assunção). Os princípios são considerados indicadores que expressam uma visão de amplitude e profundidade na interpretação das normas de ordem ambiental, sendo, somente assim, possível desencadear um processo de integração no sentido ambiental.

De outro lado, em decorrência da leitura realizada em diversos textos, conclui- se que, na verdade, o homem ocupa o centro do planeta Terra (antropocentrismo). Vislumbra-se, pois, até mesmo além do horizonte, uma vertente puramente econômica. Dessa forma, a interferência do ser humano no ambiente acaba por gerar um impacto (negativo) nos ecossistemas trabalhados (explorados). Considera- se, finalmente, que sua interface seja o esgotamento das reservas ambientais pelo uso continuado, sem tecnologias adequadas e pelo uso excessivo de insumos.

Quando se analisa a atividade antrópica, deve-se conectar, no mesmo sentido, a possibilidade real que essa ação poderá determinar, incluindo, em particular, o aspecto social que sofrerá o reflexo direto dos efeitos da simplificação direta da biodiversidade. É o que comenta Fogel (2003, p. 187) ao analizar a questão:

En la primera constatación en la sistematización de experiencias se tomó nota por una parte del desarrollo de procesos de deterioro de la naturaleza, y, por otra, de la degradación social que va de la mano de aquellos procesos; la agudización de la crisis ambiental sin precedentes, y con efectos parcialmente irreversibles, tiene diversas consecuencias, toda vez que resulta de esa dinámica los rendimientos de los cultivos caen, crece la contaminación, surgen nuevas enfermedades, se desencadenan procesos incipientes de desertificación, y se observan otros síntomas.

Processos que desregulam o meio ambiente tornaram-se práticas por demais agressivas e cada vez mais frequentes em decorrência dos procedimentos adotados pela sociedade capitalista sob a tutela da globalização. Quanto à globalização, Fogel (2003, p. 117) observa que:

Los partidarios de la globalización abogan por la permeabilidad de las fronteras, y la eliminación de las trabas impositivas para legalizar el libre flujo de bienes y capitales [...] aunque países altamente industrializados como los Estados Unidos pregonen las virtudes de la globalización, en la práctica siguen manteniendo políticas que tienden al fortalecimiento de su soberanía territorial.

A partir do momento em que se alteram os sistemas de produção, sustentados pelos avanços obtidos no campo da tecnologia, aparados pelo progresso da ciência, paradoxalmente as exigências da sociedade de consumo inseridas na cadeia do agronegócio, determinam desequilíbrios ambientais que não serão compensados in totum (MIRRA, 1998). Caso esses danos não sejam integralmente compensados, sempre restará resíduos negativos (saldos não mitigados ou não compensados), que serão somados a outros resíduos negativos de cada novo evento, resultando, via de regra, em “ganhos marginais negativos”. Portanto, ocorrerá sob essas condições, um crescimento linear ascendente dos impactos ambientais acumulados que não foram mitigados. Assim, sob a visão dessa teoria, estar-se-á a caminho, de forma insofismável, do “apocalipse ambiental”.

Na medida em que novas áreas forem incorporadas pela atividade econômica primária às já exploradas, aumentarão as possibilidades de que as técnicas existentes não sejam mais capazes de garantir o retorno desses ambientes ao statu quo ante. Necessário se faz, pois, alargar os limites da discussão no que concerne à constituição dos elementos de tutela ambiental, que, por sua vez, vão efetivar de forma material as medidas compensatórias ou mitigatórias dos danos ambientais.

Tendo em vista as discussões acerca do desenvolvimento e da influência dos sistemas de produção, chega-se à conclusão de que o ambiente não pode ser discutido de forma descompartamentalizada, porque em todas as medidas a serem tomadas se deve buscar a integração entre os Estados. Primeiro, porque o meio ambiente não deve ser abordado apenas sob um viés, mas sim num sentido multidisciplinar e globalizado. Segundo, porque os Estados que participam de um

mesmo mercado tem o dever de tratar todas as questões conjuntamente e de forma harmônica e simétrica.

Diante da necessidade de tratamento global das questões ambientais, é oportuno inclusive levantar pontos de discussões relacionados ao tratamento dispensado pelos Estados Latino-Americanos quanto ao desenvolvimento diante da necessidade de preservar o ambiente, sem que seja inviabilizado seu desenvolvimento econômico. É sabido que se trata de uma tarefa de difícil execução, porém deve ser objetivo prioritário dentro das políticas da integração econômica.

Nessa trilha, segue a filosofia adotada pela Convenção sobre Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância, levada a termo em 1978, na qual a poluição transfronteiriça é discutida, tornando-se centro de debates em termos de proteção internacional, haja vista os comentários feitos por Machado (2005).

A utilização dos recursos naturais diferencia-se de região para região, assim como de Estado para Estado, estando conectado a um determinado momento histórico e às condições culturais, socioeconômicas e políticas. O mesmo pode ser dito em relação aos ordenamentos jurídicos dos Estados, de modo que a avaliação dos recursos naturais e o modelo econômico praticado parecem fundamentais para o adequado estudo da preservação ambiental a partir do prisma da integração.

Nesse sentido, tomando o Brasil como exemplo em decorrência de sua extensão territorial, que faz fronteiras com diversos países sul-americanos, é bem provável que o atual modelo econômico determine alguma espécie de poluição ambiental, atingindo países limítrofes, podendo provocar litígios interpartes. Problemas dessa envergadura ganham status internacional, considerando a poluição de ação difusa produzida por algum dos Estados Parte. Nesse sentido, Morais (1998, p. 23) comenta com claresa que “Os problemas já não afetam uma, duas, ou algumas pessoas, mas multidões inteiras e os riscos produzidos já não se circunscrevem, a limites geográficos previamente definidos”.

Há que se afirmar também que nesse contexto tem-se o conhecimento de que ocorrerá sempre a possibilidade de surgir problemas dessa ordem quando houver a produção de danos ambientais com característica de abrangência difusa. Nesse caso, perante uma situação de conflito, os Estados litigantes deverão buscar soluções por força de convenções ou tratados em razão da existência de acordos internacionais.

Entretanto, os Estados constituintes do Mercosul estão respaldados para solucionar essas questões tendo em vista a existência de normas criadas pelo Protocolo de Brasília, 1991, e o Protocolo de Olivos, 2002, para Solução de Controvérsias no Mercosul, que passou a vigorar em 2004, conforme Montai y Lopes e Belincanta (2008); além do próprio Tratado de Assunção, que colocou uma orientação expressa de como proceder a partir de conflitos entre os Estados Parte (Anexo III, “Solução de Controvérsias”).

O ambiente natural é um patrimônio da sociedade como um todo, permitindo ao individuo, lato sensu, usufruir de seus benefícios (e não se entende de outra forma), bem como, a ele cabe, em contra partida o dever de protegê-lo. É preciso, pois, questionar quanto à adequação de normas ambientais de Direito Internacional capazes de atender a essas demandas com instrumentos suficientes para proporem soluções plausíveis no âmbito do Mercosul.

Com um olhar alargado, é possível aduzir que a globalização das tecnologias e o consumismo em massa, sob a égide de uma política neoliberal, determinaram um crescente desequilíbrio ambiental, cujos efeitos serão irreparáveis pois jamais será possível sair do statu quo e voltar ao statu quo ante. Deve-se estar atento com relação ao que Albuquerque (2006, p. 18) alerta: “A criação constante de novas necessidades, típicas de que se convencionam de chamar de ‘sociedade de consumo’, é testemunho de fato de que a economia desloca a si mesma em sua capacidade de abstração crescente, acabando por separar o valor do uso do valor de troca”.

De outro lado, é certo que o modelo econômico alavancado pelas novas descobertas científicas e a aplicação de novas tecnologias determinam a possibilidade de apossar-se de um poder absoluto sobre o patrimônio ambiental, não se mostrando, no entanto, capazes de evitar o anunciado colapso ambiental. O desenvolvimento sustentável parece estar a cada dia mais distante da realidade, apesar de ter sido incorporado a diversos ordenamentos jurídicos em nível internacional. Desse modo, faz-se necessária uma análise da efetividade dos princípios de proteção ambiental, instrumentos que deverão ser possuidores de alto grau de efetividade para garantir a sustentabilidade do meio ambiente.

O Direito Ambiental é um Direito que não deve ser visto sob um ângulo descompartamentalizado, porém há evidências que ele toma forma com contornos perfeitamente delimitados com características inerentes a cada Estado Parte. Na

visão de Vargas (1998, p. 40) ao proceder a uma análise no campo dos avanços da legislação mercosulina leciona que: “dos quatro países do bloco, é o Brasil aquele cuja legislação consagra padrões ecológicos mais elevados” de outro lado complementa o autor “Com efeito, os custos de produção das empresas brasileiras acabam por ser mais elevados do que o das similares localizadas no Uruguai, na Argentina ou no Paraguai”.

Sob o viés de uma perspectiva global, os pilares de uma legislação ambiental dos Estados Partes do Mercosul teve nascedouro comum, com pequenas variantes talvez. A preocupação com o meio ambiente, ecologicamente equilibrado, foi uma prerrogativa inserida em diversos artigos das Constituições dos Estados Partes. O tema é, no entanto, preocupante para todos, variando somente o grau de profundidade em sua leitura.

A maioria dos autores ao se referirem sobre questões ambientais circunscritas ao Mercosul registram que o norte foi determinado a partir do encontro ocorrido em Roma, 1968, como também foi para a América Latina ou mesmo para a Europa. Nesse encontro, cientistas de diferentes partes do mundo se reuniram com o objetivo de fazerem uma análise conjunta das condições ambientais vigentes à época com perspectivas futuras. Esse encontro ficou conhecido como “Clube de Roma”.

De acordo com Atilio Franza (1995), em maio de 1971, nos Estados Unidos da América, houve a realização de um evento congregando um significativo número de cientistas de vários países que proclamaram a “Mensagem de Menton”. Nesse encontro, houve a preocupação dos cientistas chamarem a atenção do mundo sobre os perigos que ameaçavam (ameaçam) os povos. E, como não poderia deixar de ser, conforme o pensamento do autor, a “Mensagem de Menton” foi, para a legislação ambiental argentina, um marco histórico.

A Declaração de Estocolmo, 1972, foi para outros tantos países a fundamentação histórica do Direito Ambiental. Nessa mesma trilha, em 1983, deu-se início a um processo capitaneado pela Senhora Gro Harlem Brundtland, motivado pela crise internacional do petróleo e ação armamentista. Esse processo resultou em importante documento de cunho internacional, conhecido como “Nosso Futuro Comum”, em 1987.

Na operacionalização de acordos internacionais, poderão ocorrer determinados empecilhos, particularmente quanto a sua internalização,

considerando os aspectos de: soberania, sistematização e harmonização da legislação em determinadas áreas de ação (econômica, ambiental, penal...). Quanto a esse aspecto, Séguin (2006, p.77) acrescenta que: “A tentativa da Comunidade Internacional de disciplinar e proteger os interesses ambientais através de tratados e convenções esbarra na questão doutrinária que defende a autonomia das duas ordens jurídicas – a interna e a internacional”.

Nesse viés, talvez como ponto exemplificativo, seja conveniente referir o Tratado da Bacia do Prata, Tratado de Cooperação Amazônica e tantos outros acordos e/ou tratados dos quais os Estados Partes do Mercosul são signatários e, em todos eles, existe um artigo, pelo menos, determinando que as Partes possam elaborar acordos outros, porém “dentro do respeito ao direito internacional”. Fica explicitado, portanto, que o Direito Internacional é uma questão de soberania.

2 O MERCADO COMUM DO SUL

Como ponto introdutório deste capítulo, coloca-se uma visão sumarizada dos problemas enfrentados pelo Mercosul. O tempo passa, porém os problemas praticamente permanecem os mesmos, com maior ou menor intensidade, de acordo com os acontecimentos históricos de cada país membro e das suas respectivas políticas econômicas externas.

O Mercosul surgiu como resultado de uma proposta ancorada e espelhada em diversos exemplos de tentativas de integração que ocorreram na América Latina.

Vencida quase duas décadas de existência do Mercosul, a perspectiva frente à deficiente inserção internacional definhou, no sentido de não ter explorado o seu potencial econômico e político numa abrangência extra-bloco (FEISTEL, 2004).