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CAPÍTULO 2 O direito comunitário: definição e fontes

2.2.2 Direito comunitário derivado

Diego J. Liñán Nogueras define o direito comunitário derivado nas seguintes palavras: “todo o Direito não compreendido nas normas constitutivas é um ‘Direito derivado’ no sentido de que encontra seu ‘fundamento, alcance e limites’ na norma constitutiva, independentemente de sua diversidade de natureza e forma” 111.

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Disponível em <http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/index.htm> Acesso em 13 jan. 2007.

111

“todo el Derecho no comprendido en las normas constitutivas es un “Derecho derivado” en el sentido de que se encuentra su “fundamento, alcance y limites” en la norma constitutiva, con independencia de sua diversidade de naturaleza y forma”, (NOGUERAS, 2006, p. 358)

Essa definição se baseia em uma contrariedade de conceitos. Tudo aquilo que não se inclui no conceito das normas originárias, deve ser considerado como derivado, a medida em que, se não pode ser considerado originário, apenas pode dele derivar. Ao proceder desta forma, obtém sua validade na fonte de qualificação originária, os tratados constitutivos.

Além dessa característica, na sua definição, Jorge Fontoura faz observação à importância das instituições comunitárias, tanto na sua produção, quando na sua aplicação, ao afirmar que as normas de direito comunitário derivado são:

legisladas pelos próprios organismos e autoridades comunitárias, nos limites de suas competências de elaboração normativa previstas pacticiamente pelos tratados institutivos e eventuais protocolos complementares, destinadas a serem aplicadas nos territórios dos Estados comunitários, em cujos espaços jurisdicionáveis se devem concretizar.112

Pressupondo os limites da competência que lhes foi atribuída pelos tratados constitutivos, as normas de direito derivado são a expressão do poder legiferante dos órgãos comunitários e devem ser cumpridas pelos poderes, no caso, Executivo, Legislativo e Judiciário, de cada um dos Estados-membros. Elas são normas produzidas por instituições que representam a reunião de vontades soberanas e, mesmo que representem o conjunto, devem ser cumpridas individualmente.

Foi usada a expressão legiferante, pois, ainda, não se pode afirmar que as Comunidades Européias possuem um poder Legislativo. O TCE não atribui competência legislativa ao órgão que confere representação popular nas CCEE, o Parlamento Europeu. Embora o TJCE lhe reconheça este poder, ele não se compara ao poder Legislativo de um Estado, uma vez que sua competência “traduz-se na sua participação na função legislativa da Comunidade”113. Ao certo, esta competência pertence ao Conselho e à Comissão.

112

FONTOURA, Jorge Luiz Nogueira. Fontes e formas para uma disciplina jurídica comunitária. Revista de

Informação Legislativa, n. 132. Brasília, out./dez. 1996. p. 55

113

As normas de direito derivado são atos unilaterais tomados pelos órgãos das Comunidades Européias, não se assemelhando, portanto, às leis produzidas pelos Estados- membros. A sua denominação e suas características essenciais, ou seja, seus tipos estão relacionados no art. 249 do TCE. Eles são cinco e podem ser divididos em função do seu poder vinculante, isto é, da sua capacidade de obrigar os jurisdicionados sob seu alcance no exercício de uma prática que ele estabelece. Aqueles que o possuem, são três: os regulamentos, as diretivas e as decisões. Aqueles que não, são dois: as recomendações e os pareceres.

Os regulamentos são “o instrumento de regulamentação jurídica melhor acabado dentro do sistema comunitário”114, “o acto legislativo da Comunidade, isto é, a sua lei”115.

Definido no parágrafo segundo do art. 249 do TCE116, o regulamento possui três

características: é de caráter geral; seus destinatários são obrigados a cumprir todos seus elementos, ou seja, seus resultados e os meios e as formas de alcançá-los; e, é aplicável diretamente à ordem jurídica dos Estados-membros.

A sua generalidade confere-lhe abstração semelhante a de uma lei, ou seja, ele “estabelece uma regra, impõe uma obrigação ou confere direitos a todos os que se incluam ou

passam vir no futuro a incluir-se na categoria de destinatários que o regulamento define”117. O regulamento projeta-se para relações futuras. As práticas que impõe aos jurisdicionados devem ser as mais genéricas possíveis de modo que, no futuro, o maior número de hipóteses seja regulamentado por ele.

A sua obrigatoriedade impõe-se a “todos os órgãos e instituições da Comunidade ...., aos Estados membros e aos particulares”, ou seja, a todos os sujeitos de direito

114

“instrumento de regulación jurídica más acabado dentro del sistema comunitário”, (NOGUERAS, 2006, p. 362)

115

QUADROS, Fausto de. Idem. p. 354

116

O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros.

117

jurisdicionados pelo direito comunitário, e em relação a todos os seus elementos. “Por isso, não são admitidas reservas quanto a qualquer das suas disposições e, caso elas sejam formuladas, as reservas não produzem quaisquer efeitos”118.

A sua aplicabilidade direta, por sua vez, significa que sua eficácia prescinde da “intermediação por parte dos Estados”119, “a intervenção de qualquer ‘fiat’ nacional nem a

colaboração dos órgãos estatais”120. Ela “não está dependente de qualquer medida nacional de

recepção e, por outro lado, não pode, de algum modo ser travada ou condicionada por qualquer medida desse género.”121. Uma vez publicado no Jornal Oficial das Comunidades

Européias, ele se impõe às ordens jurídicas dos Estados-membros que devem zelar pelo seu fiel cumprimento, afastando toda e qualquer medida que lhe condicione ou restrinja sua eficácia.

Há, ainda, dois tipos de regulamento: de base e de execução. Os primeiros “são adoptados para aplicação de disposições do direito originário (tratados comunitários) ou outros instrumentos convencionais vinculativos das Comunidades”, enquanto os segundos “destinam-se a dar execução aos regulamentos de base cujo regime jurídico pormenorizam e desenvolvem estabelecendo as condições e os meios da sua aplicação”122. A herança

positivista do direito comunitário fica bem caracterizada na distinção entre estes dois atos de direito derivado, uma vez que prevalece a noção de que os segundos, por se destinarem ao fiel cumprimento dos primeiros, são hierarquicamente subordinados123 e, por conseguinte, a

validade material e formal do regulamento de execução deriva do regulamento de base. Os regulamentos são a melhor forma de expressão das mudanças das práticas da sociedade internacional européia durante o processo de integração vivido após o final da

118

QUADROS, Fausto de. Idem. p. 355

119

“intermediación por parte de los Estados”, (NOGUERAS, 2006, p. 364)

120

CAMPOS, João Mota de. Idem. p. 300

121

QUADROS, Fausto de. Idem. p. 355

122

CAMPOS, João Mota de. Idem. p. 302

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Segunda Guerra Mundial. Enquanto expressão do poder legiferante comunitário, eles também são o instrumento jurídico melhor aperfeiçoado de que as CCEE dispõem para intervir na modificação dessas práticas, obrigando, proibindo ou permitindo determinadas condutas. Eles são um mecanismo de integração, por excelência.

Da definição do parágrafo terceiro do artigo 249 do TCE124, conclui-se que as

diretivas também possuem três características: não têm caráter geral, obrigando somente os Estados-membros; seus destinatários são obrigados apenas pelos resultados que buscam atingir; e, os Estados-membros possuem competência para estabelecer os meios e as formas de alcançar os seus resultados.

Ao contrário dos regulamentos, as diretivas são um mecanismo de “harmonização das Ordens Jurídicas nacionais com o Direito Comunitário, nas várias áreas onde essa harmonização tem sido necessária por força da evolução da integração econômica”125. Elas

pressupõem, portanto, a coordenação de poderes soberanos sobre temas, cujas competências não pertencem, exclusivamente, às Comunidades Européias.

Embora requeira a intermediação estatal para produzir os resultados esperados pelas CCEE126, sua transposição à ordem jurídica dos Estados-membros não se assemelha a

um ato de recepção, pois eles são obrigados a transpô-las, “com fidelidade ao que nelas se encontra disposto e no prazo nelas estabelecido”127.

Os poderes soberanos dos Estados-membros são, pois, limitados ao escorreito cumprimento dos seus resultados, dentro de um prazo. Na hipótese de descumprimento parcial ou total de qualquer um destes elementos, o jurisdicionado passa a ter direito de invocar seu cumprimento diretamente do Estado-infrator, conseqüência esse denominada pela

124

A directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.

125

QUADROS, Fausto de. Idem. p. 358

126

MARTÍN, Araceli Mangas; NOGUERAS, Diego J. Liñan. Instituciones y derecho de la Unión Europea. Madri: Tecnos, 2006. p. 366

127

doutrina e jurisprudência por “efeito direto”. E, na hipótese do descumprimento total ou parcial de uma diretiva provocar dano ou prejuízo ao jurisdicionado, ele tem direito à indenização do Estado-infrator, o que, de acordo com Jorge Fontoura, representa o “mais importante aperfeiçoamento instrumental do direito comunitário europeu”128.

Embora a diretiva não seja o instrumento jurídico mais aperfeiçoado ao processo de integração, certamente, serve para conciliar os interesses dos Estados-membros sobre assuntos que, por sua natureza, resistem em ser transferidos para a competência das CCEE e, destarte, contribuem para que a agenda de integração não seja prejudicada ou retardada.

As decisões129 são o último dos atos vinculantes. Em que pese sua denominação,

elas não se confundem com as determinações judiciais dos órgãos jurisdicionais das Comunidades Européias. Ao certo, prestam-se à prática de atos para os quais o Parlamento em conjunto com o Conselho e a Comissão possuem competência, tratando-se, portanto, dos atos unilaterais praticados por estes órgãos, exclusivamente.

De acordo com Diego J. Liñan Nogueras, as decisões são a melhor expressão da lógica funcionalista dentro do direito comunitário derivado, pois “gozam de uma grande adaptabilidade às exigências dos seus objetivos e do contexto onde produzirão seus efeitos”130. Independem, portanto, dessa denominação específica para se subsumirem à

definição do parágrafo terceiro do artigo 249 do TCE. Todo ato unilateral dos órgãos supramencionados que obrigarem, proibirem ou permitirem uma prática a um destinatário individualizado é uma decisão.

Ao contrário dos regulamentos, seus destinatários são individualizados, podendo ser tanto “os Estados membros ou outras pessoas da Ordem Jurídica interna dos Estados.”131

128

FONTOURA, Jorge Luiz Nogueira. Múltiplos de cidadania: o modelo de neojurisdição comunitário-européia.

Revista de Informação Legislativa, n. 143. Brasília, jul./set. 1999. p. 265

129

A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que designar.

130

“gocen de una gran adaptabilidad a las exigências de esos objetivos y del contexto donde han de producir sus efectos”, (NOGUERAS, 2006, p. 372)

131

Se os destinatários são os Estados, elas gozam apenas de efeito direto. Se os destinatários são os particulares, elas gozam de aplicabilidade direta.

A exemplo dos regulamentos, as diretivas obrigam seus destinatários quanto ao seu resultado e quanto aos meios e as formas de alcançá-los e, portanto, a despeito de quem seja, Estado-membro, órgão comunitário ou particulares, não admite discricionariedade no seu cumprimento.

Por fim, o direito comunitário derivado é constituído por dois atos não- vinculantes, cujas características essenciais não se encontram definidas no artigo 249 do TCE132: os pareceres e as recomendações. Os primeiros são atos, exclusivamente, consultivos,

enquanto os segundos “encerram um convite aos seus destinatários para a adoção de um dado comportamento”133, mediante a interpretação do direito comunitário. Diego J. Liñan Nogueras

(2006) adverte, portanto, que a carência de obrigatoriedade não os priva do caráter jurídico, senão, exclusivamente, de sanção direta. O TJCE já decidiu que a interpretação de uma recomendação devia ser obedecida pelos juízes nacionais, por ocasião da aplicação do direito comunitário, o que leva Fausto de Quadros a concluir que “no domínio prático, a recomendação acaba por obrigar.”134

2.3 Fontes não-escritas

Na seção precedente, as fontes escritas do direito comunitário foram definidas como aquelas redigidas e formalizadas, ora pelos Estados-membros, mediante os tratados constitutivos e modificativos das Comunidades Européias, ora pelos órgãos comunitários, por intermédio dos atos unilaterais da sua competência. As fontes não-escritas são, por óbvio, o

132

As recomendações e os pareceres não são vinculantes.

133

QUADROS, Fausto de. Idem. p. 367

134

contrário disso. Elas representam as normas implícitas às fontes escritas que, por conseguinte, devem ser descobertas pelos intérpretes, aplicadas pelos operadores do direito no exercício do poder legiferante ou jurisdicional, e definidas pelos doutrinadores. Elas se dividem em dois tipos: os princípios e a jurisprudência.

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