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Artigo 5 da CADH

1. Toda pessoa tem direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente.

4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas.

121 [...]

Assim, como o direito à vida, o direito à integridade carrega um amplo sentido ao obrigar os Estados-partes da CADH a não exporem às pessoas a tratamentos, cruéis, desumanos ou degradantes, bem como de respeitarem a integridade física, psíquica e moral dos seres humanos. Depreende-se, que o direito à integridade possui elementos fundamentais para a proteção do direito à vida, saúde, à educação, meio ambiente sadio, à alimentação dentre outros.

Para Oswaldo Ruiz Chiriboga, o direito à integridade física correlacionado com o direito à saúde previsto no artigo 10103 do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais atrela-se ao Direito à identidade cultural. Conjugados, estes direitos abrangem o direito dos povos tradicionais e seus integrantes de conservarem, utilizarem e protegerem suas medicinas tradicionais e demandarem serviços públicos de saúde adequados à sua cultura. Ademais, não devem ser estabelecidos tratamentos alheios à sua identidade cultural, sem o devido consentimento livre, prévio e informado dos povos tradicionais (2006, p. 52).

Na sentença do Caso da Comunidade Moiwana vs. Suriname104, a Corte IDH

declarou a violação do artigo 5 por meio de fatos ligados ao respeito aos mortos e às condições advindas da negação aos territórios pertencentes aos Moiwanas. Um desses fatos foi a falta de realização dos rituais fúnebres de acordo com a tradição N´djuka, o que era considerado uma transgressão moral, o qual não somente provocava a raiva do espírito do falecido, mas ofendia outros ancestrais falecidos da comunidade. Esse fato tinha como consequência doenças de origem espirituais, as quais se manifestavam como enfermidades físicas reais e podiam potencialmente afetar todos. Os N´djukas acreditam que essas doenças não se curam por si só, mas

103Artigo 10 do Protocolo de São Salvador: Direito à saúde1. Toda pessoa tem direito à saúde,

entendida como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social. 2. A fim de tornar efetivo o direito à saúde, os Estados Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir este direito: a) Atendimento primário de saúde, entendendo-se como tal a assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade; b) Extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado; c) Total imunização contra as principais doenças infecciosas; d) Prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza; e) Educação de população sobre a prevenção e tratamento dos problemas de saúde, e f) Satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por suas condições de pobreza, sejam mais vulneráveis.

104Caso da Comunidade Moiwana vs. Suriname. Sentença de Exceções preliminares, Mérito,

122 devem ser resolvidas por meios culturais e cerimoniais, caso contrário as consequências persistem por gerações (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2005a, parágrafo 86.9).

No Caso da Comunidade Moiwana vs. Suriname vários residentes da aldeia escaparam para o bosque, onde sofreram difíceis condições de vida até chegarem aos campos de refugiados na Guiana Francesa. Outros membros foram deslocados internamente, sendo que alguns fugiram para outras cidades do Suriname, onde também suportaram pobreza e privações, já que não podiam praticar seus meios de subsistência tradicionais por não terem acesso aos recursos naturais (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2005a, parágrafo 86.18).

Adicionalmente, os membros da comunidade Moiwana sofreram emocionalmente, psicologicamente, espiritualmente e economicamente, devido ao ataque ocorrido em seu território, à posterior separação forçada de suas terras tradicionais, à impossibilidade de honrar seus queridos entes falecidos e por não obterem justiça pelos fatos de 1986 praticados pelas forças armadas do Suriname (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2005a, parágrafo 86.42).

Pelo exposto, dentre os Moiwanas existia a convicção de que o Suriname os discriminava, pois não foram contemplados com recursos efetivos em nível interno, considerado pela Corte IDH como fonte de sofrimento e angústias para as vítimas e seus familiares. Para os Moiwanas, a justiça e a responsabilidade coletiva são princípios centrais na sociedade N´djuka tradicional. Se um membro da comunidade é ofendido, os membros da linhagem maternal são obrigados a perseguir justiça pela ofensa cometida. Se o familiar foi morto, os N´djuka acreditam que seu espírito não descansará em paz até a obtenção de justiça. Caso a ofensa siga sem sanção, o espírito da vítima e dos outros espíritos ancestrais podem afligir seus parentes vivos (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2005a, parágrafo 94-5).

A jurisprudência da Corte IDH considera violado o direito à integridade psíquica e moral dos familiares das vítimas, pelo sofrimento causado por violações causadas contra seus entes queridos e por ações e omissões das autoridades estatais diante das infrações. Para caracterizar como vítima indireta, o Tribunal sopesa a existência de um estreito vínculo familiar, as circunstâncias particulares e a relação com a vítima direta, a forma que testemunhou os eventos violatórios, como se envolveu na busca por justiça e nas respostas oferecidas pelo Estado de acodo

123 com a sentença do Caso Escué Zapata vs. Colômbia 105 (CORTE

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2007a, parágrafo 77).

No Caso Yakye Axa vs. Paraguai106, a Corte IDH não declarou a violação ao artigo 5 da CADH, mas o voto parcialmente dissidente do juiz Abreu Burelli apontou que a proteção do direito à integridade pessoal em conjunto com o direito à saúde do artigo 10 do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Economicos, Sociais e Culturaia abrange o direito dos membros dos grupos étnicos e culturais de usarem suas medicinas e práticas tradicionais, o que envolve o acesso aos recursos naturais, bem como o direito de acesso às instituições de saúde e atenção médica para preservar a integridade moral, psicológica e física (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2005b).

Desse modo, o voto de Abreu Burelli no Caso Yakye Axa vs. Paraguai perpassa pelo reconhecimento dos conhecimentos tradicionais dos Yakye Axa intimamente ligados com os elementos da natureza. Nesse momento, a proteção ambiental toma formas, pois se sabe que muitos dos povos indígenas conservam e utilizam a biodiversidade de maneira sustentável, como bem prevê o artigo 8 J da CDB. Logo, reconhecer os conhecimentos tradicionais de muitos povos na América é uma forma de proteção ambiental.

Sobre os conhecimentos tradicionais, a perpetuação desses conhecimentos depende das condições que asseverem a superveniência física e cultural dos povos tradicionais (SANTILLI, 2005, p. 195). Portanto, dentro da proteção à integridade pessoal relacionada à proteção da medicina e práticas tradicionais é imprescindível uma utilização da diversidade biológica de maneira que não haja uma diminuição desses recursos, mantendo assim seu potencial para atender as necessidades e aspirações das presentes e vindouras gerações, como bem apregoa o artigo 2 da CDB.

Em 2010, finalmente a Corte IDH no Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai107 interpretou que as condições indignas que sofriam os indígenas expulsos dos xacos paraguaios constituíam violação ao artigo 5.1 da

105Caso Escué Zapata vs. Colômbia. Sentença de Mérito, Reparações e Custas prolatada em São

José no dia 04 de julho de 2007.

106Caso Comunidade Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de Mérito, Reparações e Custas prolatada

em São José no dia 17 de junho de 2005.

107Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai. Sentença de Mérito, Reparações e

124 CADH. Os membros da Comunidade Indígena Xákmok Kásek no caso sofriam em consequência da ausência de devolução de suas terras tradicionais, assim como pela perda paulatina de sua cultura e com a grande espera diante dos ineficientes procedimentos administrativos nacionais. Ademais, as condições de vida miseráveis que lhes infringiam, as mortes de vários parentes e o estado geral de abandono que os indígenas viviam geravam sofrimentos, que afetavam a integridade psicológica e moral de todos da comunidade. Esses dados para a Corte IDH foram sopesados como violação ao artigo 5.1 em prejuízo dos Xákmok Kásek (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010b, parágrafo 244).

Ao realizarmos uma comparação dos casos e denúncias abrangendo a responsabilização dos Estados pela violação do direito à integridade pessoal com relação à responsabilização pela não observância do direito à vida, percebemos uma tímida evolução na interpretação do artigo 5 da CADH, no que tange a temática da proteção ambiental, talvez porque tal artigo abranja o respeito às dimensões física, psíquica, moral e espiritual capazes de gerar várias obrigações diante de violações aos Diretos Humanos.

Na presente seção, mais uma vez a doutrina do projeto de vida desenvolvida até 2006 e o conceito de vida digna são importantes na interpretação dos precedentes, pois afetação à integridade pessoal consequentemente gera danos à realização pessoal, seja de modo individual ou coletivo, e aos demais DESC, entretanto os precedentes da Corte IDH estudados apenas evidenciam a condenação dos Estados em casos extremos, envolvendo a pobreza, a negação dos direitos mais essenciais, como vida, saúde, alimentação, mesmo assim a Corte passou longos cinco anos para retomar sua interpretação do direito à integridade pessoal perante casos abarcando povos tradicionais que envolviam a violação desse direito.

Assim, o direito à cultura, a identidade cultural dos povos indígenas e afrodescendentes liga-se ao direito à saúde, física, espiritual e moral das vítimas dos precedentes aqui estudados. Vale lembrar, que para esses povos tradicionais a natureza é parte deles e vice-versa, assim qualquer dano provocado ao meio ambiente em que vivem também afetá-los-á.

O Caso da Comunidade Moiwana vs. Suriname aceita a visão holística desses povos para responsabilizar o Suriname pela violação do artigo 5 da CADH e

125 também considera a privação dos recursos naturais, o deslocamento de suas terras ancestrais como fatores importantes para essa condenação.

Contudo, apenas em 2010 a Corte IDH retomou sua interpretação para imputar obrigações por violações ao artigo 5 da CADH. Argumentou que as condições de exclusão, falta de acesso a alimentos e à saúde foram capazes de afetar psicologicamente e moralmente os integrantes da Comunidade Indígena Xákmok Kásek, que encontravam-se sem seus território e abandonados a própria sorte, por falta de ações positivas para proteger os direitos fundamentais desses indígenas.