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3. DIREITOS HUMANOS

3.4. Direitos fundamentais

Direitos não podem ter um fundamento absoluto, afirma Bobbio, contrapondo-se aos jusnaturalistas, que acreditavam no “argumento irresistível”105, acima de qualquer questionamento, uma vez que os direitos derivavam diretamente da natureza do homem. Para Bobbio, isso não passava de uma ilusão, pois não se pode negar que os direitos são historicamente relativos; ou seja, o que é fundamental numa determinada época ou num contexto histórico pode deixar de ser em outra situação. Além disso, afirma, a classe de direitos do homem é também heterogênea e alguns direitos chegam a ser incompatíveis, o que significa que os argumentos que sustentam um direito não servem para sustentar o outro.

Segundo Bobbio, são muito poucos os direitos considerados fundamentais que não concorrem com outros (e que por isso mesmo podem ser considerados “direitos privilegiados”): entre os que valem em qualquer situação, ele cita, por exemplo, o direito de não ser escravizado e não sofrer tortura. Mas o autor ressalta que todo direito, para se afirmar em favor de uma determinada categoria de pessoas, suprime um velho direito do qual outras categorias se beneficiavam. Assim, o direito de não ser escravizado extingue o direito de possuir escravos, por exemplo.

Pode-se entender que, em Bobbio, evidencia-se que os direitos fundamentais consistem em uma construção do pensamento humano que vem evoluindo há vários séculos, caracterizando-se, essencialmente, por serem indispensáveis para a consecução de uma vida digna. Os direitos fundamentais, além de construção constitucional, constituem, antes, patrimônio comum de toda a humanidade.

104 VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. Rio de Janeiro: Record, 2001. 105 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004, p.36

Para Branco106, os direitos fundamentais estão inspirados no princípio da dignidade humana, embora haja direitos formalmente consagrados como fundamentais que não apresentam essa ligação direta. Segundo ele, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência de respeito à vida, à integridade física e íntima de cada ser humano e à segurança. É o princípio da dignidade humana que justifica o postulado da isonomia e que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça.

Conforme Silva, os direitos fundamentais designam,

“no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que o [ordenamento jurídico] concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se tratam de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive”.107

Segundo Branco, a característica que serve de divisor entre as expressões direitos humanos e direitos fundamentais, e que diz respeito aos direitos fundamentais, é o fato destes estarem consagrados em preceitos da ordem jurídica. Ele entende que a expressão direitos humanos refere-se a direitos apoiados em base filosófica e que não têm como característica básica a positivação numa ordem jurídica particular. É uma expressão que, “até por conta da sua vocação universalista, supranacional, é empregada para designar pretensões de respeito à pessoa humana, inseridas em tratados e em outros documentos de direito internacional” 108.

106 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. Material da 1ª aula da

Disciplina Direitos e Garantias Fundamentais, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Constitucional - UNISUL–IDP–REDE LFG.

107 SILVA, José Afonso, citado por Paulo Gustavo Donet Branco em Aspectos de teoria geral dos direitos

fundamentais (Id. Ibidem)

Os direitos fundamentais, por sua vez, estão inscritos em diplomas normativos de cada Estado e fazem parte de uma ordem jurídica concreta, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo - pois são assegurados na medida em que cada Estado os consagra, explica Branco.

Essa distinção conceitual, ressalta o autor, não significa que os direitos humanos e os direitos fundamentais estejam em esferas estanques, incomunicáveis entre si, pois há uma interação recíproca entre eles: “os direitos humanos internacionais encontram, muitas vezes, matriz nos direitos fundamentais consagrados pelos Estados, e estes não raro acolhem no seu catálogo de direitos fundamentais direitos humanos proclamados em diplomas e em declarações internacionais”109.

Assim, os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva, pois formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático. E os direitos humanos, conforme Pereira, são aquelas garantias inerentes à existência da pessoa, albergados como verdadeiros para todos os Estados e positivados nos diversos instrumentos de Direito Internacional Público, mas que por fatores instrumentais não possuem aplicação simplificada e acessível a todas as pessoas (Pereira apud Mathias)110.

Segundo Sarlet,

[...] ambos os termos ("direitos humanos" e "direitos fundamentais") são comumente utilizados como sinônimo - a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo "direitos

109 Id. Ibidem

110 MATHIAS, Márcio. José Barcellos. Distinção Conceitual Entre Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e

Direitos Sociais. Disponível em: http://www.advogado.adv.br/artigos/2006/marciojosebarcellosmathias/distincao.htm Acesso 06-06-2007. In

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 76

fundamentais" se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão "direitos humanos" guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas em que se reconhecem o ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional e que, portanto, aspiram a validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). 111

Pereira apresenta a seguinte explicação:

Do ponto de vista formal, direitos fundamentais são aqueles que a ordem constitucional qualifica expressamente como tais. Já do ponto de vista

material, são direitos fundamentais aqueles direitos que ostentam maior importância, ou seja, os direitos que devem ser reconhecidos por qualquer Constituição legítima. Em outros termos, a fundamentalidade em sentido material está ligada à essencialidade do direito para implementação da dignidade humana. Essa noção é relevante, pois, no plano constitucional, presta-se como critério para identificar direitos fundamentais fora do catálogo.112

Para Bobbio, como já citado, o problema maior dos direitos humanos hoje não é mais fundamentá-los e justificá-los, mas sim protegê-los, sejam eles considerados fundamentais ou não. Se levarmos em conta que, a partir da Declaração de 1948, os direitos passaram a ser reconhecidos e fundamentados em escala universal, agora a questão tornou-se eminentemente política e não filosófica, pois depende de lutas e de um processo de conquista para que os direitos reconhecidos sejam implementados.

111 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2001, p.33.

112 PEREIRA. Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao

estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 77. Disponível em: http://www.advogado.adv.br/artigos/2006/marciojosebarcellosmathias/distincao.htm Acesso: 02/06/2007.