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O direito à comunicação: esquecido?

7. A PESQUISA EMPÍRICA

7.2. Apresentação e análise das entrevistas

7.2.2. O direito à comunicação: esquecido?

O direito à comunicação não foi lembrado espontaneamente por nenhuma das entrevistadas como um direito importante de ser conquistado e incluído na pauta da instituição por ser reconhecido como fundamental para a luta pela igualdade de gênero e pelo aprofundamento democrático. As quatro mulheres responderam à seguinte seqüência de perguntas: O Cfemea considera que contempla todos os direitos e políticas públicas relacionadas à luta pela equidade de gênero ou houve um recorte? Se houve recorte, qual política ficou de fora? Somente a entrevistada C considerou que não há recorte, pois todo o universo estaria contemplado:

- Você considera que o Cfemea contempla todas as políticas e questões relacionadas aos direitos das mulheres? Acredito não, eu tenho certeza que o Cfemea contempla todos os temas que englobam os direitos da mulher;

- Alguma política fica de fora ou não? Que eu tenha conhecimento, não. Acho que a gente procura sempre estar englobando tudo.

A resposta da entrevistada D não foi muito diferente:

Acho que dentro do campo de atuação do Cfemea, que é a área de estudos e assessoria parlamentar, acho que está, sim, tudo contemplado. O que não está dentro das ações diretas desenvolvidas pelo Centro, está de alguma forma tangenciado. [...] Dentro do que o Cfemea se propõe a atuar, acho que sim, que abarca todas as áreas. O que não é diretamente é de uma forma tangencial, mas está aqui dentro sim; - Todos os direitos e políticas públicas que têm relevância para a luta pela equidade de gênero e raça estariam, então, contemplados pelo Cfemea? Acho que sim, na minha avaliação, sim.

A entrevistada Brespondeu:

Acho que o Cfemea não dá conta de ver tudo, mas tem um aspecto muito grande que o Cfemea abrange. Tem o lado político, de recursos, de garantia de direitos. Mas acho que não abrange o universo como um todo; - Nesse universo, então, de direitos e políticas públicas, o que ficaria de fora da ação do Cfemea que você lembra como exemplo? Acho que eu não teria no momento – posso pensar e depois falar -, mas não me vem, assim, pontualmente, alguma coisa que esteja fora. Mas, com certeza, eu acho que o Cfemea não tem pernas para abranger tudo. Mas eu não saberia pontuar no momento. Posso te dar esse feed back depois.

Por fim, disse a entrevistada A:

Tenho clareza de que há um recorte. A gente tenta ter uma visão geral e mantemos a articulação com grupos de mulheres. Assim, sempre estamos mudando; - Então, qual questão ou política pública fica de fora da ação do Cfemea? Tem o debate sobre o comércio internacional. Sabemos que tem impacto, recebemos informação, mas ‘não temos pernas’ para atuar; - Algum outro exemplo? Deve ter, mas não lembro no momento.

Mas, quando o tema direito à comunicação foi apresentado, encontramos percepções diferenciadas sobre ele. O conhecimento sobre o direito à comunicação e sobre o seu significado para a luta pela igualdade de gênero e pela democracia mostrou-se desigual entre as quatro entrevistadas. A entrevistada C afirmou categoricamente: “para te dizer a verdade, eu não sei o que é o direito à comunicação”, e não conseguiu mais avançar no assunto. A entrevistada B também teve dificuldade para falar sobre o que entende por direito à comunicação e disse: “eu não conheço, eu não saberia responder. Nesse aspecto, eu não tenho dados”; mas depois abordou algumas questões relacionadas a esse direito.

A entrevistada A, no primeiro momento, demonstrou certo desconforto ao ser perguntada sobre o que pensa a respeito do direito à comunicação, chegando a indicar que a assessora de comunicação da instituição poderia falar melhor a respeito. No decorrer da conversa, no entanto, apontou criticamente questões ligadas ao exercício desse direito, como a dificuldade de pautar a grande mídia; a falta de imparcialidade da mídia; a visão hegemônica que comumente a mídia propaga; a falta de acesso da população a instrumentos de comunicação como computador e internet.

A entrevistada D foi a que se revelou mais à vontade com o tema e conseguiu avançar na relação entre o direito à comunicação e a luta pela igualdade de gênero, enfatizando que esse é um direito transversal. Ela reclamou do discurso hegemônico da mídia e da representação que os meios de comunicação fazem da mulher.

Se tivéssemos televisões, rádios e jornais mais democráticos; concessões de TV e rádio mais democráticas, a gente teria mais vozes, mais atores sociais com vozes na sociedade. Não é o que acontece. O discurso conservador continuando, isso pesa para os setores da sociedade que são mais excluídos: as mulheres, os negros.

Quanto à postura assumida pelo Cfemea em relação ao direito à comunicação, há pelo menos dois aspectos a serem considerados. O Cfemea, como lembra a entrevistada A, é uma das organizações protagonistas de uma articulação denominada Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político, criada em 2005, e que elegeu como um de seus cinco eixos de luta a democratização da comunicação. Embora o Cfemea não tenha uma ação direta e específica nesse eixo, participa do debate sobre o assunto e assume a defesa dessa bandeira coletivamente.

O segundo aspecto aponta para o fato de que esse debate sobre o direito à comunicação não está internalizado na instituição. As entrevistadas não se recordam de nenhum

momento em que o tema tenha feito parte da pauta de discussão e, de fato, demonstram uma baixa apropriação dos conteúdos relacionados ao direito à comunicação. Segundo a entrevistada D, não há também prioridade para a articulação com organizações que tratam o tema da comunicação.

É possível afirmar, no entanto, que o Cfemea desenvolve atividades que estão relacionadas ao exercício do direito à comunicação, como a produção e divulgação de estudos e informações; a criação e manutenção de veículos próprios (jornal e site) e, como lembra a entrevistada B, ”além disso, tem toda uma discussão sobre a relação Cfemea e sociedade civil. Então, acho que isso é comunicação também: quando se reúne, quando se debate. Isso também faz parte da comunicação. Então, tem esse aspecto também”.

7.2.2.1. Análise

Podemos dizer, enfim, que o Cfemea, na prática, vivencia o direito à comunicação como um instrumento necessário para o seu próprio exercício institucional de cidadania (ou seja, o exercício desse direito como fundamental para usufruir da liberdade de expressão, de manifestação, de articulação).

Vale abrir um parênteses aqui para citar a tese desenvolvida por Bunn240, que destacou em seu estudo de caso as práticas políticas midiáticas desenvolvidas pelo Cfemea. Com olhar no movimento social e particularmente no Cfemea, a autora estudou as redes que se articulam no ambiente da internet, partindo do princípio de que esses novos recursos complementam os esforços de mobilização e politização, somando-se a práticas tradicionais como assembléias, passeatas, panfletos, o que acaba por gerar um contexto em que distintas redes configuram uma cultura política midiatizada. Bunn demonstra o reconhecimento, por

parte do Cfemea, da importância de utilizar o potencial da internet para desenvolver ações e articulações. Ela conclui que:

O uso das redes técnicas pelo Cfemea foi visto aqui como expressão do que Thompson chama de organização social do poder simbólico. Ou seja, mais do que identificar a inserção dos meios de comunicação nos processos políticos, quis sugerir que o uso dos meios de comunicação implica a criação de novas formas de ação e de interação no mundo social, novos tipos de relações sociais e novas maneiras de relacionamento do indivíduo com os outros e consigo mesmo.241

A articulação do Cfemea em redes de comunicação virtuais é mais um fato que fortalece o entendimento de que a instituição se esforça para exercer o seu direito de se comunicar e de usar a comunicação a serviço de sua luta política, ainda que nem todas as entrevistadas expressem claramente em seu discurso a consciência sobre o exercício desse direito. Destaca-se que o Cfemea (duas das quatro entrevistadas apontaram isso) percebe dificuldades para exercer esse direito (as barreiras na mídia foram a questão mais apontada nas entrevistas, diante do reconhecimento sobre a importância de ter voz no espaço midiático). Constata-se que o Cfemea não vivencia o direito à comunicação como bandeira de luta, nem esse tema está em debate na pauta interna da instituição ou foi apropriado pelos discursos da equipe. Pelo relato de todas as entrevistadas, a instituição nunca cogitou priorizar o tema e assumir a defesa direta do direito à comunicação.

Temos que considerar que essa situação pode estar iniciando um processo de mudança. O debate da Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma do Sistema Político, integrada pelo Cfemea, traz como um dos eixos a democratização da comunicação e pode ser um indício de mudança ou, pelo menos, de maior aproximação do Cfemea com o tema. Mas podemos também afirmar que, no momento da pesquisa, o direito à comunicação não foi

240 BUNN, Maria Cristina. Rede como lugar de potência: o Cfemea e as práticas políticas midiáticas. Tese de

Doutorado. Ceará: Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal do Ceará, 2004.

lembrado como prioritário nem defendido como um direito que precisa ser incorporado à ação institucional para se avançar na luta pela igualdade de gênero e pelo aprofundamento democrático.