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DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PREVIDENCIÁRIOS. APOSENTADORIA E SEGURO CONTRA DESEMPREGO INVOLUNTÁRIO

O regime de trabalho intermitente ainda enseja greve ofensa aos direitos previdenciários fundamentais do trabalhador, na medida em que lhe impõe obstáculos de acesso à condição de segurado da previdência social (CR/88, art. 201), dificultando, por conseguinte, o gozo da aposentadoria (art. 7º, XXIV, e 201, § 7º) e dos benefícios previdenciários (art. 201, caput).

Além disso, a norma do art. 452-E, § 2º, da CLT, veda a fruição do “seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário” (arts. 7º, II, e 201, III), em franca violação ao disposto no art. 7º, II, da Constituição.

Dispõe o art. 452-H da CLT, inserido pela MP 808/2017, que:

no contrato de trabalho intermitente, o empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do empregado (…) com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações, observado o disposto no art. 911-A.

Este dispositivo, por sua vez, imputa ao trabalhador a complementação da contribuição previdenciária, sempre que sua remuneração mensal for inferior ao valor do salário mínimo.

59 Na dicção do § 1º do art. 911-A, os trabalhadores segurados que não alcançarem remuneração correspondente ao valor do salário mínimo, no somatório das remunerações auferidas de um ou mais empregadores no período de um mês,

poderão recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que incidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador4.

Nos termos do § 2º, por sua vez, os trabalhadores que, na hipótese, não promoverem a complementação contributiva, não terão o mês respectivo “considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários” (§ 2º)5. A disciplina previdenciária do contrato intermitente evidencia a dificuldade que o regime contratual impõe à percepção do salário mínimo mensal, implicando expresso reconhecimento da insuficiência tutelar do instituto, que remete o trabalhador intermitente à excêntrica condição de meio-segurado obrigatório, quanto à remuneração recebida no âmbito do contrato de emprego intermitente, e meio-segurado facultativo, sujeito à complementação contributiva como meio de acesso à previdência social. Para essa complementação, presume-se sejam necessários recursos oriundos de outras atividades não empregatícias, de natureza informal, já que o contrato de emprego não proveu remuneração suficiente para atender às necessidades vitais do trabalhador (CR/88, art. 7º, IV).

Fato é que, ao comportar pagamento de remuneração inferior ao salário mínimo, a disciplina legal do emprego intermitente também comporta ausência de cobertura previdenciária ao empregado que não dispuser de recurso para promover a complementação contributiva a que se refere o § 1º do art. 911-A da CLT. Destituído da condição de segurado, o trabalhador intermitente não adquire o tempo de contribuição (de trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher) necessário para ter acesso à aposentadoria (CR/88, art. 201, § 7º, I) e não faz jus aos benefícios previdenciários, como auxílio-doença e invalidez, auxílio-acidente (art. 201, I), licença-maternidade (inciso II), salário-família e auxílio-reclusão para os

4§ 1º Os segurados enquadrados como empregados que, no somatório de remunerações auferidas de um ou mais empregadores no período de um mês, independentemente do tipo de contrato de trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, poderão recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que incidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador.

5 § 2º Na hipótese de não ser feito o recolhimento complementar previsto no § 1º, o mês em que a remuneração total recebida pelo segurado de um ou mais empregadores for menor que o salário mínimo mensal não será considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários

60 dependentes dos segurados e baixa renda (inciso III), pensão por morte ao cônjuge ou companheiro e dependentes (inciso IV), além dos demais previstos na Lei 8.213/1991, que regula o Plano de Benefícios da Previdência Social.

Nesse caso, as previsões dos §§ 13 e 14 do art. 452-A da CLT, quanto ao gozo do auxílio-doença e da licença-maternidade pelo(a) empregado(a) intermitente6, sujeitam-se à condição prevista no § 1º do art. 911-A, relativa à complementação da contribuição previdenciária, pelo trabalhador que não atingir a renda de um salário mínimo.

Nessa esteira, a norma do art. 911-A da CLT afronta o direito fundamental à previdência social, inscrito no art. 6º da Constituição, e que encontra maior densidade normativa nas disposições constitucionais que garantem ao trabalhador sujeito a relação de emprego (CR/88, art. 7º, I) o acesso ao seguro-desemprego, no caso de desemprego voluntário (art. 7º, II, e 201, III), e a proteção previdenciária em situações de incapacidade laborativa (art. 7º, XXIV, 193 e 201), direitos que remontam à consagração do Estado Social e que têm por conteúdo de sentido a promoção de justiça social (CR/88, art. 3º e 193). A jurisprudência do STF tem reconhecido a natureza fundamental do direito à previdência social, conforme se colhe dos seguintes precedentes: RE 626489, Rel. Min. Roberto Barroso, DJ 23-9-2014; RE 930330, Rel. Min.

Edson Fachin, DJ 21/3/2016; ARE 952900, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 21/3/2016; RE 855502, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 4/2/2016.

Ademais, a norma do 452-E, § 2º, da CLT exclui o trabalhador intermitente da cobertura do seguro-desemprego. Diz o enunciado que “a extinção do contrato de trabalho intermitente a que se refere este artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego”, em direta violação ao art. 7º, II, da Constituição.

É majoritária a doutrina que atribui ao seguro-desemprego natureza previdenciária,7 conforme escólio de Walter Balera8 e de Sérgio Pinto Martins9. Ademais, o STF reconhece a autoaplicabilidade da norma do art. 239 da Constituição10, que prevê a destinação de recursos do Programa de Integração Social ao “financiamento do programa de seguro-desemprego e do

6Art. 452-A [...].

7Há, por outro lado, quem defenda a natureza assistencial do instituto, tal como Ricardo Luduvice, para quem, o seguro-desemprego “pode ser considerado assistenciário, por ser custeado por impostos e não por contribuições particulares do empregado”. LUDUVICE, Ricardo Verta. Seguro-desemprego: legislação, jurisprudência, direito estrangeiro (inclusive no Mercosul). São Paulo: Atlas, 1999.

8BALERA, Walter. O seguro-desemprego no direito brasileiro. São Paulo: Ltr, pp. 73.

9MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. São Paulo: Atlas, p. 451.

10 Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo.

61 abono instituído por seu § 3º” (RE 169.091/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence)11, e da norma do art. 201, § 2o, da Constituição, que assegura que “nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo” (RE 597.022-AgR/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia)12. Na esteira dessa jurisprudência, a configuração de relação de emprego, por si só, já constitui condição suficiente para o gozo do seguro-desemprego, por força da garantia inscrita no art. 7º, II, da Constituição.

Isso mais se afirma considerando que os empregadores intermitentes constituídos em pessoa jurídica são contribuintes do Programa de Integração Social (CR/88, art. 239 c/c Lei Complementar 7/1970)13, que financia o programa de seguro-desemprego (CR/88, art. 239, caput, e art. 11, I, da Lei 7.998/1990)14.Até aos trabalhadores avulsos, assim definidos os que prestam serviços a diversas empresas, com pluralidade de tomadores, a Constituição garante direitos idênticos aos dos empregados com vínculo permanente, inclusive o acesso ao seguro-desemprego (CR/88, art, 7º,XXXIV, c/c art. 1º, § 2º, da LC 7/1970), o que torna inadmissível a exclusão do empregado intermitente, sujeito a condição de extrema vulnerabilidade jurídica e social, da proteção constitucional contra a desemprego involuntário.

A proteção do trabalhador em situação de vulnerabilidade social ainda constitui compromisso assumido pelo Brasil no plano internacional, prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos15,no Protocolo de San Salvador16e, especialmente, na Convenção 168 da OIT, que trata da promoção do emprego e da proteção contra o desemprego, de 198817.

Dispõe o artigo XXV da DUDH que “toda pessoa tem direito (…) à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”. O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, denominado Protocolo de San Salvador, em seu artigo 9º, item 1, prevê que “toda pessoa tem

11STF, RE 169.091, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 17 jun. 1995, DJ de 4 ago.1995. Ainda, STF, AI 494.167 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, j. 17 ago. 2010, 2ª Turma, DJe de 17 set. 2010.

12STF. RE 597.022 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 27 out. 2009, 1ª Turma, DJe de 20 nov. 2009.

13Art. 1º - É instituído, na forma prevista nesta Lei, o Programa de Integração Social, destinado a promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas.

§ 1º - Para os fins desta Lei, entende-se por empresa a pessoa jurídica, nos termos da legislação do Imposto de Renda, e por empregado todo aquele assim definido pela Legislação Trabalhista.

14Lei que “Regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial, institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e dá outras providências”: “Art. 11. Constituem recursos do FAT: I - o produto da arrecadação das contribuições devidas ao PIS e ao Pasep”.

15Artigo XXV - “toda pessoa tem direito (…) à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.

16Art. 9o-1: “toda pessoa tem direito à previdência social que a proteja das consequências da velhice e da incapacitação que a impossibilite, física ou mentalmente, de obter os meios de vida digna e decorosa”.

17Decreto nº 2.682, de 21 jul. 1998.

62 direito à previdência social que a proteja das consequências da velhice e da incapacitação que a impossibilite, física ou mentalmente, de obter os meios de vida digna e decorosa”. Por meio da Convenção 168 da OIT, por sua vez, o país se comprometeu a tomar medidas para “coordenar seu sistema de proteção contra o desemprego e a sua política de emprego” (artigo 2º) e, especialmente, a “cobrir a contingência de desemprego parcial (…), aumentar o número de pessoas protegidas (...) e adaptar os regimes legais de seguridade social às condições da atividade profissional dos trabalhadores em tempo parcial” (artigo 5º, item 4, a, b e f)18. Nesse sentido, a norma do art. 452-E, § 2º, da CLT, impugnada, além de inconstitucional, afronta norma internacional com evidente caráter de tratado de direitos humanos.

A maior rotatividade de mão de obra provocada pela figura do contrato de trabalho intermitente justificaria, inclusive, à luz do § 4º do art. 239 da Constituição, o pagamento de contribuição empresarial adicional para o financiamento do seguro-desemprego19, norma ainda não regulamentada pelo legislador ordinário.

Por essas razões, reputam-se inconstitucionais os arts. 452-E, § 2º, 452-H e 911-A, §§

1o e 2o, da CLT, nos pontos em que disciplinam o recolhimento da contribuição previdenciária sobre remuneração inferior ao salário mínimo mensal e que excluem o gozo de seguro-desemprego no âmbito do contrato de trabalho intermitente.

2.4 DAS RESTRIÇÕES DESPROPORCIONAIS À TUTELA JUSFUNDAMENTAL DO