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DIREITOS FUNDAMENTAIS E URBANISMO

Afinal, qual é a função principal do Poder Público? Para que finalidade os recursos são arrecadados da sociedade através dos tributos? Por que o poder é fragmentado em Executivo, Legislativo e Judiciário? E por que, no caso brasileiro, está descentralizado em três níveis: a União, os Estados/Distrito Federal e em Municípios?

A resposta parece simples: esta é a forma republicana de governo, adotada pelo Brasil, onde o a soberania é do povo que, livre e democraticamente elege seus

governantes por um prazo determinado, com a divisão e a descentralização do poder, para que haja uma fiscalização recíproca dos poderes e dos entes federados. Para os que vêem o Poder Público sob a ótica da função, o Estado através de sua estrutura administrativa, é o instrumento que materializa os direitos fundamentais dos cidadãos. Assim afirma Justem Filho (2005, p.90): “A administração pública é uma espécie de atividade, caracterizada pela adoção de providências de diversa natureza, visando a satisfação imediata dos direitos fundamentais”. Portanto, nesta visão, o Poder Público existe para satisfazer estes direitos, ou seja, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, os direitos sociais que também são fundamentais como: a educação, a saúde, ao trabalho, a previdência, a proteção entre tantos outros elencados na Constituição.

Alguns direitos podem nem estar atualmente na Constituição, mas isso não significa que não existam. A evolução da sociedade e dos valores sociais vai fazer com que eles venham a emergir e se consolidem como novos direitos fundamentais. Estes direitos todos, como se verá, vão se constituir nas funções sociais da cidade que serão analisados mais adiante. Para a realização dos direitos fundamentais, é básico que a sociedade se constitua em estado democrático de direito. Isto significa que há garantias fundamentais que deverão ser preservadas aos cidadãos e se determine à limitação do arbítrio do poder do Estado.

No Estado Democrático de Direito a lei é a regra que deve ser observada por todos, do magistrado número um da nação, ao cidadão comum, aquele de menor renda. Mas o Estado Social de Direito, que se contrapõe ao estado liberal de direito, pressupõe um sistema de proteção social, onde o desamparado estará assistido pelo Estado. Esta proteção deverá vir através dos órgãos da União, dos Estados- membros e do Distrito Federal ou dos Municípios. No Estado liberal de direito, o Estado determina as regras básicas da convivência social, a garantia dos contratos entre particulares e o poder público, enquanto o mercado se encarrega de regular a sociedade e promover a distribuição da riqueza.

A gestão e o planejamento urbano são importantes instrumentos para a implementação dos direitos fundamentais. Sociedade justa garante direitos e deveres iguais, semelhantes, a todos os seus cidadãos independentes do local que eles se encontrarem situados no espaço urbano e na hierarquia social. Infra-

estrutura básica de saneamento, lazer, equipamentos urbanos e comunitários devem estar disponível em todos os espaços urbanos.

A cidade pode ser vista como um corpo e a carência em alguns de seus membros ou órgãos afeta a todo o organismo. Daí a necessidade de se buscar diminuir as desigualdades sociais, começando pela universalização do acesso aos bens que a urbanização oferece. Assim pensa Alomar (1980, p. 75) ao comparar a cidade ao corpo humano:

El cuerpo urbano corresponde al tejido de celulas familiares, de las cuales, por reporucción, se origina la forma más característica del crecimiento, en cuyo tejido podemos observar ciertos hechos biológicos, como son la adptacioòn al medio, la división fisiológica del trabajo, la acumulación de reservas, Tambiém forman parte del cuerpo urbano el conjunto de estructuras más o menos permanentes, en donde se alojan y llevan sua vida de relación los individuos que componen la comunidad urbana, es decir, en donde viven y donde conviven los habitantes de la ciudade y los sistemas de sprovisionamiento, distribuición y consumo que tinen su parelelo en la alimentacion, circulación y asimilación en el organismo vivo.

Também Carlos Nigro (2005, p. 15), ao analisar as favelas, faz uma metáfora com o corpo humano apontando-as como uma patologia urbana que produz modificações no organismo, alterações estas de ordem física, sociais, culturais, informacionais, econômicas, políticas e até de direito. E constata:

Se uma cidade fosse comparada ao corpo humano, seria possível entende-la como dependente de uma vida saudável, ou do seu “ecossistema” natural e antrópico, para atender todas as demandas num nível mínimo satisfatório, ou seja, uma cidade também depende de um processo de regulação pelo qual se mantém em constante equilíbrio

Para Daniella S. Dias (2002, p. 25) há na Constituição Federal, expostos de maneira objetiva ou subjetiva, direitos fundamentais que dizem respeito a qualidade de vida no ambiente urbano. Acentua a necessidade de que estes direitos saiam do texto da lei e passem a se materializar na vida das pessoas:

Inobstante estar disposto no texto constitucional sua aplicabilidade imediata, sabe-se que muitos deles não possuem força normativa suficiente para tomarem concretude diante de casos práticos, em realidade. É preciso a tomada de posições, a realização de competências, ações positivas estatais, o estabelecimento de normas a regulamentar atuações e procedimentos de estabelecimento de forma a dar

concreção e densidade a estes direitos, ou seja, é necessário de mecanismos jurídicos e extrajurídicos para a implementação dos direitos humanos.

Numa sociedade de justiça social a gestão e o planejamento não podem estar desvinculados do homem e de seus direitos. Direitos como à vida, a segurança, a propriedade, da inviolabilidade da moradia, do direito de propriedade atendendo a função social, a justa e prévia indenização em dinheiro quando houver necessidade de desapropriação por necessidade, utilidade pública ou interesse social. Os direitos sociais de educação, saúde, trabalho, moradia, lazer entre outros também se constituem em direitos do ser humano que a gestão e o planejamento urbano devem considerar e respeitar sob pena se estar praticando a injustiça.

Na visão do urbanista Cândido Malta Campos Filho (1992, p.105-106) os direitos humanos, sob a ótica do urbanismo, devem garantir no capitalismo a capacidade do cidadão de obter qualidade de vida nas cidades. Esta qualidade de vida envolve a capacidade de consumo, compra de mercadorias e serviços, que proporcionam uma vida digna com o conforto que as sociedades avançadas oferecem aos seus membros. Afirma que:

direitos humanos e urbanismo se entrelaçam fortemente no Brasil, com muito maior importância que nos países desenvolvidos. Nossa imensa dívida social, pelo fato de a grande maioria dos brasileiros pobres morar nas cidades, é uma dívida fundamentalmente urbana.