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5 CONFLITOS SOBRE NOMES DE DOMÍNIO

5.3 ESPÉCIES DE CONFLITOS

5.3.3 Direitos Legítimos Múltiplos

Neste tipo de conflito, duas ou mais partes possuem direitos legítimos a um nome de domínio, como duas empresas que possuem marcas registradas idênticas, em diferentes classes. São as situações nas quais detentores de interesses legítimos múltiplos competem por um nome de domínio. (LIPTON, 2005, p. 19)

Tais conflitos ocorrem em decorrência das divergências verificadas entre marcas e nomes de domínio. Como apresentado acima, domínios são únicos, enquanto marcas podem ser registradas em diferentes classes em um mesmo país ou até na mesma classe, em territórios diferentes.

Neste caso, considerando ainda que não há qualquer previsão a respeito do tema em leis relativas à propriedade intelectual ou solução de controvérsias para nomes de domínio, vale o princípio first come,

first filed, devendo manter o domínio aquele titular de marca que

primeiro providenciou o registro.

As decisões proferidas pelos centros de solução de controvérsias no Brasil nas quais foi mantido o registro do domínio com o seu titular, o Reclamado, são casos de direitos legítimos múltiplos, pois tanto

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Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Decisão do Painel Administrativo Caso nº DBR 2012-0003. Reclamante: Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobrás. Reclamada: Luiz Cândido da Silva. Especialista: Erika Aoki. 4jun. 2012.

Reclamante quanto Reclamado possuem interesses legítimos, como se vê:

(i) DBR2013-0014 – Tumi Inc. vs. Tumi Construções e Empreendimentos Ltda.: a empresa fabricante de malas e artigos para viagens reclamou a transferência dos domínios <tumi.com.br> e <tumi.net.br>. A Reclamante é detentora da marca Tumi no Brasil, Estados Unidos e outros países; do domínio <tumi.com> e do nome empresarial, mesmo que não registrado no Brasil. No entanto, restou comprovado que a Reclamada utilizava o nome empresarial TUMI Construções e Empreendimentos Ltda. desde o ano 2000. A decisão baseou-se no uso da expressão “TUMI” no nome empresarial da Reclamada, refletindo em direitos e legítimos interesses no domínio, além do fato de sua não utilização “para fins ilícitos ou lucrativos decorrentes de associação com a marca da Reclamante (esquemas

fraudulentos, anúncios pagos ou pay-per-click advertising)”133

(ii) DBR2013-0007 – Telefônica Brasil S.A. vs. PHD – Cartão Universitário, PHD Propaganda e Marketing Ltda. – ME: a empresa telefônica reivindicava o domínio <vivosaude.com.br>, alegando ser detentora da marca “vivo”, em diversas classes, alem de inúmeras variações, como: “vivo torpedo”; “vivo empresas”; “vivo zap”; “vivo dowloads”; “vivo agenda”; “vivo encontra”; “vivo direto”; “vivo play 3g”; “vivo bem estar” e “vivo ligue saúde”. A Reclamada, por sua vez, é titular da marca “vivo saúde” utilizando-a também como título de seu estabelecimento. O Especialista, por entender que ambas as expressões “vivo” e “saúde” são expressões de uso comum, sendo que o termo genérico “saúde” não se relacionar às atividades empresariais da Reclamante. A Reclamada, por sua vez, possui direitos legítimos por utilizar o termo “vivo saúde” para exploração de suas atividades comerciais desde 2006, ainda que só tenha registrado o domínio em 2011.134

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Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Decisão do Painel Administrativo Caso nº DBR 2013-0014. Reclamante: Tumi Inc. Reclamada: Tumi Construções e Empreendimentos Ltda. Especialista: Wilson Pinheiro Jabur. 9 dez. 2013.

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Organização Mundial de Propriedade Intelectual. Decisão do Painel Administrativo Caso nº DBR 2013-0007. Reclamante: Telefônica Brasil S.A. Reclamada: PHD – Cartão Universitário, PHD Propaganda e Marketing Ltda. – ME. Especialista: Luiz E. Montaury Pimenta. 14 ago. 2013.

(iii) ND201430 – Maglital S.R.L. vs. Platinum Rio Consultoria Ltda. - <crucianibrasil.com.br>: ainda que a Reclamante seja titular da marca “cruciani”, e o domínio <crucianibrasil.com.br> sua reprodução, pois o acréscimo da palavra “brasil” ao núcleo do domínio não descaracteriza a reprodução da marca, vez que tal palavra não passa de mero indicativo geográfico, decidiu-se pela manutenção do domínio pelo titular. Não foi comprovada a má-fé na sua utilização, pois as partes possuíam um acordo de intenções, de 2013, para constituição da empresa Cruciani do Brasil, para comercialização e distribuição de produtos da Reclamante. Não tendo sido constituída a sociedade no prazo pretendido, a Reclamada iniciou a comercialização dos produtos da Reclamante, incluindo por meio do website sob domínio <crucianibrasil.com.br>, sem qualquer oposição à utilização de sua marca. Destaca-se que, dentre as obrigações da Reclamada, constava o desenvolvimento de e-commerce, o que necessitava, evidentemente, de um website para tanto: “Decorre daí, que o nome de domínio, em disputa não foi registrado nem utilizado de má-fé pela Reclamada, afinal, as Partes tinham interesses em comum e o mesmo seria provavelmente utilizado, como de fato foi, para comercialização e divulgação dos produtos CRUCIANI e sua comercialização no Brasil.”. Não sendo demonstrada a má-fé na utilização, a decisão foi pela

manutenção do domínio com seu titular.135

(iv) ND20148 - E. I. Du Pont Nemours and Company. vs. Celso Brant Sobrinho - <nome-x.com.br>. Neste caso, a Reclamante é titular da marca “nomex”, estando devidamente registrada no Brasil, relacionada a uma fibra resistente a chamas, que não perde a eficiência com o uso contínuo ou lavagens. O Reclamado, por sua vez, registrou a expressão “nome-x” para uso futuro em um produto destinado à telecomunicação, sendo parte de um aplicativo, à época, em fase final de desenvolvimento. Para transferência do domínio, como ressaltado pelo Especialista em sua decisão, necessário que o domínio seja idêntico ou confusamente similar à marca – o que restou comprovado, mas também que este seja utilizado de má-fé. Considerou-se que, mesmo a Reclamante sendo titular da marca “nomex”, isso não implica à restrição absoluta ao uso da expressão ou suas variações como nome de domínio,

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Associação Brasileira de Propriedade Intelectual. Decisão do Procedimento nº ND201430. Reclamante: Maglital S.R.L. Reclamado: Platinum Rio Consultoria Ltda. Especialista: Ana Paula de Aguiar Tempesta. 25 mai. 2015.

destacando o princípio first come, first filed para registro: “Até mesmo porque, via de regra, um nome de domínio disponível para registro é concedido ao primeiro requerente que satisfaz, quando do requerimento, as exigências para o registro do mesmo.” O Especialista destaca ainda ser a expressão “nomex” pouco conhecida do “consumidor em geral ou cidadão médio”, sendo restrita a um mercado específico. Assim, não sendo comprovada a má-fé, o nome de domínio foi mantido com seu titular.

Dos exemplos apresentados observa-se que, havendo marca registrada em conflito com nome de domínio, a sua manutenção com o titular do domínio ocorre apenas comprovando-se direitos e interesses legítimos, bem como a ausência de má-fé na sua utilização.

Destaca-se que, em apenas uma das decisões que mantiveram o domínio com o reclamado não foi utilizado um “alerta” de que o reclamante poderia acessar o Judiciário na tentativa de transferir ou cancelar o registro sob disputa.136 Ainda assim, a partir de pesquisa realizada junto aos tribunais estaduais, e também ao Superior Tribunal de Justiça, não há ações judiciais relacionadas a estes nomes de domínio em disputa no âmbito da SACI-Adm. Tal informação reforça a ideia de que, ainda que a decisão do procedimento não seja definitiva e que o acesso ao judiciário é sempre permitido, tal recurso é pouco (ou nunca, como se verificou) utilizado, sendo acatada a decisão proferida por meio da ADR.

Ainda que apenas em uma das controvérsias tenha sido invocado o princípio first come, first filed, resta evidente ser este utilizado em

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Como na decisão DBR2013-0014: “Lembra o Especialista que a Reclamante sempre poderá se socorrer do Poder Judiciário, caso entenda violados os seus direitos de propriedade intelectual, ou se a conduta e uso que a Reclamada faz dos nomes em domínio em disputa modificar-se.”

No mesmo sentido o previsto na decisão DBR2013-007: “O Especialista decide o mérito da disputa com base no material probatório produzido neste procedimento administrativo. Se a Reclamante entender lesados os seus direitos da propriedade intelectual, este Especialista rememora que, de acordo com o parágrafo 17(a) das Regras, esta decisão não impede que as Partes interponham uma ação judicial relativa ao nome domínio em disputa.”

A decisão da ABPI, ND201430, da mesma forma, apresenta o aviso: “Esta conclusão do Especialista não obsta a que o Reclamante possa vir a obter judicialmente a transferência do Nome de Domínio em disputa em face do posterior desenvolvimento do litígio judicial atualmente existente entre as Partes.”

caso de conflito de interesses legítimos. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, é claro ao invocá-lo, como se observa da ementa a seguir:

DIREITO EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. COLIDÊNCIA ENTRE MARCAS. DIREITO DE EXCLUSIVA. LIMITAÇÕES. EXISTÊNCIA DE DUPLO REGISTRO. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA. TÍTULO DE ESTABELECIMENTO. DIREITO DE PRECEDÊNCIA. INAPLICABILIDADE. NOME DE DOMÍNIO NA INTERNET. PRINCÍPIO FIRST COME, FIRST SERVED. INCIDÊNCIA. 1. Demanda em que se pretende, mediante oposição de direito de exclusiva, afastar a utilização de termos constante de marca registrada do recorrente. 2. O direito de precedência, assegurado no art. 129, p. 1. , da Lei nº 9.729/96, confere ao utente de marca, de boa-fé, o direito de reivindicar para si marca similar apresentada a registro por terceiro, situação que não se amolda a dos autos. 3. O direito de exclusiva, conferido ao titular de marca registrada sofre limitações, impondo-se a harmonização do princípio da anterioridade, da especialidade e da territorialidade. 4. “No Brasil, o registro de nomes de domínio na internet é regido pelo princípio First Come, First Served, segundo o qual é concedido o domínio ao primeiro requerente que satisfizer as exigências para o registro”. Precedentes. 5. Apesar da legitimidade do registro do nome de domínio poder ser contestada ante a utilização indevida de elementos característicos de nome empresarial ou marca devidamente registrados, na hipótese ambos os litigantes possuem registros vigentes, aplicando-se integralmente o princípio First Come, First Served. 6. Recurso especial desprovido.

Verifica-se que o princípio first come, first filed, ainda que não esteja previsto em lei, mas tão-somente em Resolução do CGI, é respeitado, tanto pelos centros de solução de conflitos, quanto pelo judiciário e que, na hipótese de direitos concorrentes, este é observado, sendo mantido o nome de domínio com o primeiro que realizar o registro.