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Study III.This was a “case study” and included the analysis of the association’s official

questionário 52 diretores executivos de ACeS 412 coordenadores de

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FUNDAMENTAÇÃO

“(…). Amputar os ACeS da realização local de determinadas tarefas gestionárias e optar por centralizá-las nas ARS, poderá conduzir ainda a um maior afastamento entre a prestação e a decisão. (…) poderá levar à criação de uma hiper-estrutura regional, que facilmente será absorvida pelas teias da burocratização.” (12).

Originalidade do tema

Muito se tem escrito e debatido em Portugal sobre os cuidados de saúde primários, sobre as suas reformas e tentativas de descentralização da organização e da gestão, sobretudo quando comparados os centros de saúde com os hospitais. No entanto, pouco se escreveu sobre os motivos que têm condicionado esse processo de descentralização. Procurou-se identificar um problema relevante que não tivesse ainda sido sujeito a investigação.

Com o objetivo de fundamentar a originalidade do tema, recorreu-se à base de dados PORBASE (Base Nacional de Dados Bibliográficos), com o intuito de verificar que investigação tem sido desenvolvida. Começou por realizar-se a pesquisa utilizando as expressões “cuidados primários”. Foram encontrados 260 registos (entre 1979 e 2013). Destes, e analisados os títulos, nenhum fazia referência à questão da descentralização e da autonomia de gestão neste nível de cuidados.

Com o mesmo fim, realizou-se igualmente pesquisa no Registo de Teses de Doutoramento em Curso, da Direção Geral de Estatísticas de Educação e Ciência, utilizando a expressão “cuidados primários”. Dado que esta pesquisa apenas conduziu a 3 registos, repetiu-se utilizando a expressão “autonomia”, com 10 resultados, nenhum deles relacionado com os cuidados primários. Por fim, utilizou-se a expressão “descentralização” tendo sido encontrados 8 resultados, nenhum deles sobre cuidados primários.

Para uma melhor fundamentação recorreu-se à Base de Dados de Doutoramentos Realizados ou Reconhecidos em Portugal, também da Direção Geral de Estatísticas de Educação e Ciência. A pesquisa foi realizada por área científica, efetuando-se a pesquisa apenas nas áreas científicas que pareciam à partida poder englobar estudos sobre a temática que se pretendia desenvolver. Os resultados encontrados estão descritos no quadro 2.

40 Quadro 2. Resultados da pesquisa relativa a teses de doutoramento nas áreas científicas selecionadas

Área científica Resultados Resultados / tema a estudar

Ciências da saúde 1333 0

Ciências políticas 290 0

Economia e gestão 1766 1

Outras ciências médicas 639 0

Outras ciências sociais 132 0

Outras humanidades 52 0

Sociologia 960 0

Fonte: Elaboração própria

A tese encontrada no domínio cientifico de economia e gestão, “Cuidados de saúde primários em Portugal”, de Luís Silva Miguel foi desenvolvida no ISEG. Trata-se de uma tese que teve como objetivo avaliar a reforma dos CSP e o modo como esta procurou solucionar problemas na acessibilidade, qualidade e continuidade dos cuidados através da implementação de um novo modelo de gestão e remuneração dos profissionais. Não aborda o âmbito específico da descentralização e autonomia de gestão deste nível de cuidados.

Concluiu-se, através dos resultados da pesquisa realizada, que um estudo sobre a descentralização e a autonomia nos cuidados de saúde primários, seria original e contribuiria para o conhecimento do tema.

Pertinência do tema em saúde pública

“O modelo de gestão dos cuidados de saúde primários tem sido o de “gestão à distância” de tipo centralista e burocrático, baseado em órgãos distritais. Este modelo tornou-se ineficaz e é, cada vez mais, fonte de inoperância, ineficiência, lentidão de resposta e outras disfunções” (13). A ideia para o desenvolvimento desta investigação baseiou-se na necessidade de compreender os motivos que têm limitado a descentralização gestionária nos cuidados primários. A ausência de descentralização pode impedir uma gestão eficiente ao nível local. Isso seria particularmente importante para o conhecimento das necessidades de saúde das pessoas, das famílias e das comunidades e dos fatores que lhes estão associados, para a definição de estratégias locais de saúde e para delinear respostas mais diretas, globais, integradas, atempadas e adaptadas a cada situação.

41 Desde a criação dos centros de saúde, pelo decreto-lei nº 413/71 de 27 de setembro, até à implementação dos ACeS, legislada em 2008, foram várias as tentivas de descentralização da organização e gestão da saúde ao longo da história do Serviço Nacional de Saúde e dos cuidados de saúde primários.

O reconhecimento da necessidade de autonomia de gestão está consagrado no decreto-dei n.º 11/93, de 15 de janeiro, através da figura dos grupos personalizados de centros de saúde. Este diploma legal preconizava um grau de autonomia que incluia a autonomia financeira. Esta medida não foi implementada e não são conhecidos estudos que expliquem este facto (14).

No relatório do Grupo Técnico para os Cuidados de Saúde Primários, que definiu em 2005 as linhas orientadoras para a reforma dos CSP, são avançadas hipóteses explicativas, com destaque para as resistências dos níveis intermédios (ARS e seus serviços sub-regionais) às várias tentativas de descentralização da gestão (13,14). Vários autores têm afirmado que o desenvolvimento dos CSP depende da possibilidade e da capacidade destas decisões poderem ser tomadas na interface avançada com os cidadãos e as comunidades e não em órgãos recuados, distantes e menos conhecedores e sensíveis aos problemas e às necessidades em causa. Parece, portanto, estarmos perante um tema decisivo em saúde pública (15).

As necessidades de saúde da população têm sofrido grandes alterações nos últimos anos, quer por fatores associados ao envelhecimento e às doenças crónicas e multimorbilidades, quer por aspetos relacionados com os estilos de vida. Estas alterações traduzem-se numa pressão cada vez mais elevada para a procura de respostas efetivas de promoção da saúde e de prevenção da doença, mas também de meios de controlar a despesa. É, portanto, fundamental promover a responsabilização, o cumprimento de objetivos comuns e uma utilização racional e eficiente dos recursos disponíveis. A gestão descentralizada e a autonomia dos cuidados de saúde primários (CSP) assumem neste âmbito, um papel crucial (16).

É com base nestes argumentos que se justifica a pertinência do estudo que se apresenta.

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Modelo de análise

A análise realizada ao longo deste trabalho parte de duas premissas:

1. A descentralização da gestão e a autonomia de decisão na saúde são fundamentais para a proximidade exigida e necessária para a prestação de cuidados de saúde primários de qualidade.

2. Tem havido dificuldade na implementação da descentralização no Serviço Nacional de Saúde e nos cuidados de saúde primários, analisando-se com especial atenção o período da reforma impulsionada a partir de 2005.

Procurou-se conhecer o contexto de criação e desenvolvimento dos cuidados primários e identificar as dificuldades encontradas aquando da tentativa de implementar um processo de organização e gestão descentralizador no SNS e nos CSP.

Havendo escassa informação disponível acerca dos motivos que levaram a essas dificuldades, foca-se a análise nos determinantes da descentralização e nos principais obstáculos e oportunidades, aquando da reforma dos cuidados de saúde primários. Por fim, a última análise focaliza-se em iniciativas não governamentais, selecionando para o estudo o caso da USFAN, vista enquanto fenómeno emergente por iniciativa dos profissionais.

Figura 2. Modelo de análise

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ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

Descentralização: conceito, origem e evolução

“A ‘descentralização’ figurava entre os principais conceitos do novo modelo de organização sanitária exportado por John Hopkins nos anos 1920. Exprimia o ideal de aproximação física dos serviços com a população servida” (17). Apesar de serem apontadas as décadas de 50 e 60 como o período de início da descentralização, este fenómeno, promovido pelas administrações coloniais como essencial para um Estado democrático independente (18), ganhou maior visibilidade no início dos anos 80, pela mão da ONU e do Banco Mundial. A descentralização gestionária era vista como uma forma de atuar contra a burocracia e de respeitar as prioridades e necessidades locais e promovendo a equidade na distribuição dos recursos (19).

No final dos anos 70 os países em desenvolvimento enfrentaram vários problemas financeiros, que levaram à necessidade de utilizar mais eficientemente os recursos existentes e a descentralização surgiu como uma forma gestão mais próxima e participada (20). Adquiriu destaque nos países da América Latina a partir da década de 80, como forma de reestruturar o Estado, tendo coincidido com a mudança dos regimes políticos autoritários, caracterizados por um forte grau de centralização política e administrativa (21). Na década de 90, os processos de descentralização passaram a ser implementados como mecanismo de reforma (22), inicialmente como processos de reforma administrativa (melhoria da eficiência e da qualidade dos serviços) e mais tarde como um meio de promover a democracia, a responsabilização e a prestação de contas (23).

Vários autores definem o conceito de descentralização. De acordo com Tobar (19), um processo de descentralização diz respeito à transferência de autoridade no planeamento e na tomada de decisões. É a transferência de poder e autoridade de um nível superior para um nível inferior de administração. Implica redistribuição do poder e capacidade de decisão, que reside na autonomia. Pode também definir-se como um processo político-social de transferência de autoridade e de responsabilidade em termos de planeamento, gestão e decisão, do nível central para o nível local (18;24,25). Para Castillo (26), descentralização significa a criação de unidades locais de gestão administrativa, capacidade de legislar e gerir de forma plena e totalmente autónoma, entidades ou organizações com personalidade jurídica e políticas próprias.

44 Para Lobo (27), descentralização é entendida como uma distribuição de poderes financeiros e funcionais entre os níveis de administração: processo de redistribuição do poder e de deslocação dos centros de decisão, sendo um instrumento privilegiado de ação governativa (28,18,29). Os processos associados à descentralização encontram-se sistematizados na figura 3 e podem ser de origem política, planeamento ou administrativa.

Figura 3. Sistematização dos processos associados à descentralização

Fonte: Adaptado de(28,18,29)

A descentralização pode ser efetuada pelas quatro vias que abaixo se definem.

Desconcentração – Processo em que há uma transferência vertical de autonomia em termos administrativos. Há uma transferência de competências mas não transfere o poder de decisão (18,29;19;30). A desconcentração implica a introdução de um novo (ou mais) níveis de gestão, sendo necessário garantir a existência de recursos humanos para esse efeito, definir a população e área geográfica abrangida, dispor de orçamento e de um sistema de informação ou mecanismo de comunicação com os níveis hierárquicos superiores (28,18). Nesta forma de descentralização não existe transferência de autoridade e responsabilidade para os órgãos locais. Apesar de serem transferidas algumas competências e de existir alguma autonomia no que respeita a funções administrativas, a sua grande finalidade é representar a

45 administração central e prestar os serviços em sua representação, sem qualquer poder de decisão (22,30).

Delegação – Processo de transferência de responsabilidades de gestão relativamente a funções definidas, para um nível organizacional inferior, exterior à administração central e apenas indiretamente controlado por esta (18,29,30). São condições para a delegação (organizacional e administrativa) a existência de capacidade local de administração e gestão e de descentralização financeira, de forma a que os níveis locais não fiquem dependentes da ação das estruturas superiores, mais burocráticas e distantes da realidade. Todavia, a administração central deve acompanhar todo o processo local, monitorizando a execução e assegurando os mesmos padrões de prestação, desempenho e qualidade. Para tal são necessários mecanismos de accountability, isto é, de prestação de contas e de transparência nos processos (31). Neste caso há uma transferência efetiva de responsabilidades da administração central para a administração local ou para organizações com alguma autonomia, que têm por finalidade tornar os serviços mais efetivos, com espaço para tomar as suas próprias decisões (22).

Devolução – Processo de descentralização política, onde se observa a transferência de poderes e capacidades decisórias para níveis inferiores, substancialmente independentes do nível central no que respeita as suas funções pré-definidas, embora sem autonomia total (18,29,30). Refere-se à criação de autoridades/órgãos locais, em que existe personalidade jurídica e autoridade estatutária (18). Tem como objetivo promover a participação no planeamento e na tomada de decisão. As autoridades locais são autónomas embora reguladas, sendo o nível de dependência em relação ao poder central reduzido (22).

Privatização – Transferência de funções da administração central para organizações privadas com ou sem fins lucrativos, com regulação por parte do Estado, no que respeita à monitorização da oferta e à qualidade dos serviços prestados (18,29). Importa referir que para Collins e Green (30,26), descentralização implica a transferência de autoridade, funções e recursos do centro para a periferia dentro do mesmo setor (público e privado são setores diferentes).

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Funções e objetivos da descentralização

A via de descentralização utilizada determina as tarefas que um órgão descentralizado pode assumir e que são, em geral, as que se encontram resumidas no quadro 3 (18,29).

A descentralização apenas tem efeito sobre as funções legislativas em caso de processos de devolução. Nas outras formas de descentralização, a capacidade de legislar compete à autoridade central. No caso da saúde, setor de contexto deste estudo, compete ao Ministério da Saúde. Já sobre os mecanismos de obtenção de fundos e financiamento, a capacidade é maior no caso de processos de privatização e menor nos casos de desconcentração, havendo alguma responsabilidade quando se trata de devolução ou delegação.

No caso da definição de políticas e de medidas a implementar, os processos de desconcentração não o permitem, havendo alguma permissão na devolução, delegação e privatização. A responsabilidade de regulação é limitada nos processos de delegação e maior tratando-se de devolução. Não existe no caso da desconcentração ou privatização. O planeamento e a alocação de recursos é totalmente possível com a delegação e a privatização, havendo alguma responsabilidade no que respeita a devolução e a desconcentração. Na gestão diária das organizações, que abrange a gestão de recursos humanos, o orçamento e despesa, aquisição e serviços e manutenção, a responsabilidade dos órgãos locais é elevada em caso de delegação e privatização, sendo limitada processos de desconcentração.

Analisando o quadro 3, verifica-se que os processos de desconcentração são aqueles que menos responsabilidades atribuem aos órgãos locais.

“Decentralization must be viewed more realistically, however not as a general solution to all of the problems of underdevelop, but rather as one of a range of administrative or organizational devices that may improve the efficiency, effectiveness and responsiveness of various levels of government under suitable conditions” (20).

47 Quadro 3. Nível de responsabilidade nas funções inerentes às formas de descentralização