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A administração pública, na União Europeia, está prevista como área de reserva de cada Estado Membro. De todo modo, parece importante identificar as linhas de convergência, ou seja, as características e valores comuns no tocante à administração pública, na OCDE e entre os Membros da UE. A propósito, a OCDE apresentou à União Europeia, em 1998, aquilo que chamou de espaço

administrativo europeu, que consistiu especificamente na identificação das linhas de convergência

nas diversas iniciativas de reforma dos países.

Da mesma forma, buscar-se-á identificar diretrizes e iniciativas comuns, ou seja, linhas de convergência das reformas administrativas, independentemente da tendência mais ou menos gestionária, mais ou menos conservadora. Não se está a sustentar que todas as iniciativas estão presentes, seja na OCDE seja entre os Membros da União Européia.

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Descentralização

É o processo de redistribuição das funções administrativas do poder central para as regiões e órgãos locais, com a aplicação de princípios como a subsidiariedade, diferenciação e proporcionalidade, concretizando uma forma de separação institucional vertical ou territorial. Na Itália, por exemplo, tais princípios foram constitucionalizados, em 1997, e dois outros, o princípio do poder residual do Estado e o princípio do paralelismo entre as funções legislativas e administrativas, foram revogados, tendo as municipalidades italianas passado a ter papel importante no tocante às competências administrativas (com assimétrica divisão de competências legislativas, portanto).

A fragmentação e a dispersão do poder político favorecem decisivamente o enfraquecimento da capacidade do Estado de impor sua autoridade em matéria de políticas públicas, ou melhor, a governança, que será explicada logo abaixo, permitindo a criação de um espaço suplementar de participação do cidadão e o exercício de práticas democráticas, além do surgimento de instituições da sociedade civil. Também a oposição política tem mais margem de intervenção no processo de políticas públicas, isto em falar na possibilidade de adaptações locais à atuação administrativa, atendendo melhor as necessidades e interesses das populações (Gomes, 2003).

Privatização

A privatização, aqui considerada como a venda de bens pertencentes ao Estado, geralmente relacionados à prestação direta de serviços públicos aos cidadãos, tem papel importante na reformulação das funções do Estado, na medida em que o Estado passa a ter função interventiva de natureza regulatória ou não-regulação.

Especialização

Deu-se principalmente por duas formas: processo de agencificação ou estabelecimento de autoridades independentes, tendências que são reforçadas por normas ultra nacionais de regulação, que exigem o exercício independente das funções regulatórias. A diferença entre agências e autoridades independentes encontra-se principalmente no relacionamento com a administração central – a autoridade independente não se submete à supervisão ministerial (responsabilidade ministerial). Também as funções desempenhadas são diversas, cabendo à agência as funções operativas e técnicas, enquanto que a autoridade independente, via de regra, tem função regulatória jurídica. A especialização atende à necessidade de maior autonomia da Administração Pública em relação ao poder político. Registra-se, também, que ambos os modelos geram a fragmentação do sistema administrativo e a redução do poder central.

Redução do tamanho do Estado, da carga fiscal e das despesas públicas

A pretensão de reduzir o número de ministérios, secretarias, diretorias e escritórios, enfim, a redução da estrutura estatal, tem o fito de redução das despesas públicas, como forma de gerar menos constrangimentos fiscais à sociedade, o que tende a promover desenvolvimento econômico. A globalização tornou mais rigorosos os padrões de competitividade, e as empresas dos mais diversos setores econômicos nacionais precisam investir em tecnologia, em expansão da estrutura, em incremento da produção e redução de custos. Outras medidas visando o corte de gastos e a eficiência na prestação dos serviços públicos também são comuns e são se verificam em todas as iniciativas de reforma administrativa.

A necessidade de aliviar a carga fiscal e reduzir as despesas públicas, a propósito, está na origem de praticamente todas as diretrizes descritas no presente tópico. Em última análise, procura-se aumentar a qualidade dos serviços com menor custo na prestação.

Reformas relativas a pessoal

Especificamente quanto ao funcionalismo público, há quatro objetivos que, em geral, são perseguidos: maior flexibilidade no gerenciamento do pessoal; foco no resultado; empregados mais competentes e eficientes; e contenção do quantitativo de funcionários e de seus custos. Registram-se iniciativas de substituição de um estatuto específico para os servidores públicos, que passam a ser regidos por contratos de trabalho. Ou seja, o funcionalismo público deixa de ter um regime especial de “emprego”, aproximando-se do regime contratual dos empregados privados. No que respeita à alta burocracia, alude-se ao objetivo de conferir maior autonomia à administração em relação à política, no intuito de se alcançar eficiência e eficácia. Há iniciativas de separação, por exemplo, da competência de formulação e avaliação de políticas públicas, em relação à implementação (execução), mantendo-se com o corpo administrativo a segunda. Há também registro de medidas que geraram a redução da estabilidade na função, resultando o conseqüente e contraditório aumento do poder do dirigente político na indicação e manutenção do funcionário e, portanto, a maior vinculação entre sistema político e Administração Pública. É o que se verifica na Itália, segundo Cassese e Savino (2004). Sendo assim, a implantação de flexibilidade contratual, principalmente para os altos cargos da Administração Pública, pode comprometer a autonomia administrativa em relação à política.

Registram-se, também, iniciativas de remuneração dos servidores públicos, notadamente da alta burocracia, por meio de sistema de pagamento por resultados (remuneração com variáveis de

Coordenação e nível ultra nacional

A reforma dos mecanismos de coordenação visa eliminar a sobreposição de competências entre os diversos órgãos e autoridades que compõem o aparato estatal. A necessidade de coordenação da atuação dos organismos nacionais que atuam em nível comunitário, no caso dos Membros da União Europeia, está a exigir mais efetividade em tal iniciativa, na medida em que é preciso identificar-se com precisão qual o órgão ou autoridade nacional que tem a competência para tratar de determinado tema no tocante aos assuntos comunitários. Resulta daí a deficiência na capacidade do poder central de coordenação da atuação supranacional.

Reforma orçamental

A idéia é que o orçamento deixe de ser apenas instrumento de controle e redução dos gastos públicos, passando a ter função adicional de incremento da performance da Administração Pública. É o que se designa como super budgeting, relacionado à avaliação de resultados e, portanto, mais de acordo com os processos de reforma administrativa. Há também iniciativas de reforma no tocante ao orçamento que promovem a separação das competências de planejamento e elaboração do orçamento, com definição das receitas pelos Ministros (função política), de um lado, e gerenciamento e aplicação dos recursos pela Administração Pública, de outro (função administrativa).

Participação e colaboração do cidadão e do servidor público

A institucionalização de direitos associativos e de processos de participação e consulta, principalmente dos cidadãos, dos grupos sociais e econômicos, dos grupos de pressão, das corporações e do próprio corpo administrativo, na decisão política relativa à definição de políticas públicas está na base da já exposta New Public Service (Denhardt e Denhardt, 2003).

Tais iniciativas de reforma alcançam também a publicidade, a ampla divulgação e o acesso à informação pelos cidadãos, com definição de procedimentos para a solicitação e o atendimento a tais demandas apresentadas aos órgãos administrativos (dever de fundamentação e definição de prazos, por exemplo), além da previsão de comunicação ampla a respeito da instauração de procedimentos às partes interessadas, direito de revisão dos atos e apresentação de recursos e documentos. Com efeito, é pressuposto para a participação do cidadão na definição do interesse público o conhecimento amplo das políticas públicas que estão sendo gestadas pelo sistema político e pela administração. Inequivocamente, portanto, tais reformas relacionam-se também com a simplificação de procedimentos e da linguagem administrativa (plain language).

Difunde-se a visão de que os procedimentos têm a função de democratizar a atividade administrativa, tornando-se mecanismo por meio do qual o cidadão pode participar das decisões públicas que o afetam diretamente. Reforça-se, como resultado, a autonomia da administração

pública que, de acordo com o modelo de representação de interesses individuais, tem legitimidade para conduzir o processo e decidir.

Este tópico da agenda de modernização administrativa reveste-se de importância que se sobressai, a ponto de se falar num novo modelo de ação pública, a que o Professor João Salis Gomes designa como a governança, que abrange “um conjunto complexo de interacções com instituições ou grupos, formando as instituições públicas a parte visível do iceberg”. Afirma, ainda, que “a governança integra assim novas formas interactivas de governo, nas quais os actores privados, as diferentes instituições públicas, os grupos de interesse e as comunidades de cidadãos, ou outros actores ainda, tomam parte na formulação das políticas” (Gomes, 2003). O papel do Estado modifica- se, enfraquecendo-se a ideia da imposição da vontade estatal aos demais atores sociais e compreendendo-se o Estado como agente promotor da cooperação nas relações público-privadas, para definição compartilhada do interesse público.

A principal mudança está no reconhecimento de que há forças e fatores que veiculam interesses específicos de segmentos sociais os mais diversos, passando o Estado a gerenciar a conflitualidade de tais interesses, atuando como árbitro e promovendo consensos. Anteriormente, desprezavam-se estas movimentações sociais realizadas a partir dos diversos e mais díspares interesses particulares, num processo natural de conflitualidade e interação, e que influenciavam a definição da política pública. A decisão política, assim, acabava sendo imposta aos demais atores pelo Estado.

Desregulação

A lei é apenas um dos instrumentos ou técnicas de regulação. Daí falar-se em regulação na forma centralizada – regulação jurídica – e descentralizada. Este é um tópico das reformas administrativas. Este é um tópico importante no contexto das reformas administrativas. Talvez a área em que a desregulação mais prosperou seja a de pessoal, sendo diversas as experiências de eliminação de legislação específica com o estatuto do servidor público, garantias, estabilidade e política remuneratória.

A desregulação, ou reforma da regulação, será abordada mais detalhadamente no Capítulo 2, em virtude de ter sido considerada, para os fins da presente investigação, como diretriz reformista que impacta, direta e imediatamente, na atuação jurídica do Estado (a Advocacia de Estado).

Avaliação de resultados e definição de padrões para os serviços

A prestação de contas baseada na regularidade do ato administrativo e na correta aplicação dos recursos (de acordo com propósitos autorizados) e a avaliação preventiva da legitimidade de tais atos vêm sendo substituída pela avaliação de resultados, que se dá a posteriori, e que pretende verificar o resultado da atividade administrativa, com referência a padrões de qualidade e de

prestação. Tais medidas decorreram da necessidade de verificação do grau de satisfação das necessidades dos cidadãos, qualitativa e quantitativamente, resultando daí também a chamada Citizen

Charter, que impõe padrões para a prestação de serviços. Esta também é uma diretriz que será

desenvolvida, especificamente, no Capítulo 2, dada a vinculação direta com o tema da dissertação.