• Nenhum resultado encontrado

2. Tendências de reformas administrativas

2.2 Neo Weberian States

Mesmo que não haja semelhança e uniformidade nas diversas iniciativas de reforma administrativa, adota-se esta designação, neste momento, não com a pretensão de efetivamente realizar o enquadramento dos diversos Estados nesta classificação (tarefa que seria bastante imprecisa e subjetiva). Nessa linha, compartilhando-se da opção metodológica realizada por Pollitt e Bouckaert (2004:3), pretende-se evidenciar a existência de modelos diversos, com alternativas e conceitos positivos de modernização, paralelos à NPM. Não se trata, portanto, de contrapor os regimes à NPM, em maior ou menor grau, mas de descrever modelos alternativos de reforma do Estado. Como dito acima, podem ser enquadrados nesta classificação os países da Europa continental. A diferença fundamental em relação à NPM, em sua vertente mais gestionária, é a ênfase no papel central do Estado como força integradora insubstituível, com valores acentuadamente diversos e não redutíveis aos que regem a gestão empresarial, tais como a competição, a eficiência e a satisfação do cliente. As reformas administrativas, ao contrário de implicarem a redução do Estado, resultam no seu fortalecimento e crescimento, na medida em que se pense o Estado:

... como uma estrutura de distribuição ou de dispersão de poder, como actor político de acção racional, apoiado na definição do interesse público, com competência própria nas escolhas públicas e na selectividade das decisões” ... (o que é) “... diferente de pensá-lo como uma arena onde os interesses particulares dos grupos de pressão e influência interactuam” (Mozzicafreddo, 2007).

Isabel Corte-Real (s.a) afirma, a propósito, que, nos termos do Tratado da União Europeia, a União funda-se nos princípios da liberdade, democracia, respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, princípios que são comuns aos Estados Membros, o que implica descartar que sejam regidos por princípios gerenciais privados (princípios do mercado), relacionados à sobrevivência econômica e maximização do lucro. Podem-se identificar os elementos comuns a esta tendência (Corte-Real, s.a):

- Cultura de qualidade do serviço público, voltada para a satisfação do utente;

- Processos de consulta e de representação direta para complementação da democracia representativa e reforço da legitimidade;

- Tendência de avaliação de resultados, com substituição do controle prévio pelo controle a

posteriori;

- Profissionalização do servidor público, com foco no cidadão, nos resultados e em gestão, para além do conhecimento das leis.

Segundo Pollit e Bouckaert (2004:98):

The second grouping is the Continental European modernizers – Belgium, Finland, France, the Netherlands, Italy, and Sweden (and Germany, if one goes below the federal level). They continue to place greater emphasis on the state as the irreplaceable integrative force in society, with a legal personality and operative value system that cannot be reduced to private sector discourse of efficiency, competitiveness, and consumer satisfactions. They thus continue, in modern form, their nineteenth-and twentieth-century traditions of strong statehood and a high status for the top civil servants.

A New Public Service, escola que vem ganhando força e que enfatiza os critérios democráticos de participação e os critérios sociais, enquadra-se neste grupo.

Em última análise, a tendência dos países continentais europeus, sob a batuta da União Europeia, parece ser a manutenção da centralidade do ser humano e a preponderância dos direitos fundamentais, como diretrizes e valores para a reformulação das funções do Estado Providência, conforme se pode ver em registro do Conselho da UE:

... the European social model, with its developed systems of social protection, must underpin the transformation to the knowledge economy. People are Europe’s main asset and should be the focal point of the Union’s policies. Investing in people and developing an active and dynamic welfare state will be crucial both to Europe’s place in the knowledge economy and for ensuring that the emergence of this new economy does not compound the existing social problems of unemployment, social exclusion and poverty. (The Council of the European Union, 2000).

New Public Service

Em linhas gerais, a tônica da New Public Service é a participação do cidadão e da sociedade no processo de políticas públicas, em todas as suas etapas (formulação, implementação e avaliação) – individualmente, os segmentos e grupos sociais e econômicos, empresariado, associações e sindicatos profissionais, organizações sem fins lucrativos, enfim, todos os atores e seus mais diversos, díspares e contraditórios interesses, que compõem a complexa teia societária – modificando substancialmente

o papel do Estado (governo e administração pública). A mudança de papeis do governo e da administração pública também leva à modificação dos mecanismos de atuação governamental, com destaque para a crescente descentralização, envolvimento e interação, em lugar do controle e da rigidez da estrutura hierárquica.

Propõe a reformulação das funções do Estado e da administração pública sob critérios democráticos e sociais. Sendo assim, o interesse público é resultado do diálogo mútuo e da interseção de interesses, valorizando-se sobremaneira o processo de negociação, que acolhe as contradições e conflitos de interesses, visando à definição consensual de políticas públicas. Também a avaliação de resultados, ou seja, a verificação da performance da administração, enfatiza a necessidade de que a atuação do agente público seja conforme à lei e às normas políticas, atenda a padrões profissionais de eficácia e eficiência e, finalmente, satisfaça o interesse dos cidadãos.

A New Public Service assimila este contexto de negociação de políticas públicas específicas nos mais diversos setores econômicos, políticos e sociais, com a atuação direta dos agentes e grupos interessados no desenvolvimento e na implementação de determinada política pública. Também os agentes e setores governamentais passam a participar, como partes, destes processos de negociação na definição de políticas públicas. Diante desta nova configuração, governo e administração pública assumem novo papel, mantendo importância fundamental na regulação social e econômica. Caberá sempre ao Estado: a) estabelecer o quadro normativo e político (definir as regras) e princípios de governança, isto é, o regramento que disciplinará a participação, a interação, a interdependência e os processos de negociação internos e principalmente entre os diversos policy networks; b) ratificar, codificar e legitimar as decisões resultantes dos processos de negociação ocorridos nos diversos setores econômicos, políticos e sociais (ou seja, institucionalizar as políticas públicas que daí resultam, considerando que o governante eleito tem a legitimidade para tal); c) manter o equilíbrio de forças e recursos entre os diversos setores, protegendo interesses econômicos e sociais que forem descartados e balanceando a negociação; e d) monitorar estas relações de interdependência e inter- relacionamento entre os diversos setores, assegurando a manutenção da democracia, da justiça social e do interesse público (Denhardt, 2003).

O Estado segue tendo papel fundamental e indispensável na regulação social e econômica, sustentando-se que a lógica da democracia e do governo não coincide com a lógica empresarial. Com efeito, assenta-se a primeira sobretudo na prática e nos valores da liberdade, da democracia, da justiça social e na preservação do Estado de Direito, enquanto que a lógica gestionária tem fundamento na eficácia e na eficiência. A administração pública deve ser eficiente, eficaz e controlável, mas tais valores devem ser contrabalançados com outros, de igual força e hierarquia, tais como a democracia, a responsabilidade individual da função e a eqüidade da aplicação das políticas e dos procedimentos (Mozzicafreddo, 2007). Em linhas gerais, estes são os princípios da New Public

1. O papel principal do governo e da administração pública é a articulação dos cidadãos, para a definição dos interesses particulares que devem ser priorizados nas políticas públicas, mais do que controlar e conduzir o Estado ou apontar novas direções;

2. Governo e administração pública devem atuar para criar a noção coletiva de co- responsabilidade pela definição do interesse público, pela criação de interesses compartilhados e responsabilidades comuns;

3. Os programas e políticas públicas podem ser executados com maior responsabilidade, efetividade e eficácia se houver participação e colaboração coletiva neste processo;

4. O interesse público é resultado do diálogo e do consenso entre os cidadãos e os setores sociais interessados, mais do que a agregação, pura e simples, de interesses individuais;

5. A administração pública deve orientar-se pela Constituição, pela lei, por valores comunitários (no caso da União Europeia), parâmetros técnicos e profissionais, normas políticas e pelo propósito de satisfação dos interesses e necessidades do cidadão;

6. Os órgãos e entidades governamentais devem atuar por meio de processos de colaboração e compartilhamento da coordenação e da liderança de projetos, valorizando-se as pessoas envolvidas e os cidadãos;

7. O interesse público é melhor atendido por servidores públicos e cidadãos conscientes da importância da participação colaborativa para a sociedade, mais do que por gerentes contratados e orientados por finalidades econômicas.

Com foco nas relações entre governo, sociedade civil e setor privado, propõe-se também a

Governance (Governança) e a abordagem das relações internas do governo (domínio das redes em

políticas públicas), cuja definição aproxima-se muito da descrição da NPS. Teorias do desenvolvimento tratam a governança como um conjunto adequado de práticas democráticas e de gestão que ajudam os países a melhorar suas condições de desenvolvimento econômico e social (Secchi, 2009). Do ponto de vista metodológico, é interessante no conceito de governança o fato de afastar, a priori, a localização institucional do poder, permitindo-se reconhecer a importância do papel desempenhado por forças que, anteriormente, pareciam ter importância apenas marginal (Gomes, 2003):

Segundo uma aproximação analítica, a governança abrange um conjunto complexo de interacções com instituições ou grupos, formando as instituições públicas a parte visível do

iceberg. A governança integra assim novas formas interactivas de governo, nas quais os

de cidadãos, ou outros actores ainda, tomam parte na formulação das políticas (Gomes, 2003).

O quadro 1.3 evidencia características da Governança.

Conceito New Public Management Governança

Desenvolvimento de novos instrumentos para controle e accountability

Ignora ou reduz o papel dos políticos eleitos, recomendando a independência dos burocratas; accountability é uma questão pouco resolvida; o foco está na introdução de mecanismos de mercado.

Enfatiza a capacidade de liderança dos políticos eleitos, responsáveis pelo desenvolvimento e gestão de redes público-privadas; accountability continua uma questão pouco resolvida; o foco está na participação de stakeholders, especialmente no cliente-cidadão.

Redução da dicotomia público-privada

A dicotomia é considerada obsoleta, por causa da ineficiência do Estado. Solução proposta: importação de técnicas gerenciais do setor privado.

A dicotomia é considerada obsoleta, por causa da maior participação de outros atores. Solução proposta: o setor público deve assumir um papel de liderança na mobilização de redes público- privadas.

Ênfase crescente na competição

A competição é estratégia central para o aumento da eficiência da gestão pública e para responder melhor ao cliente.

A competição não é vista como estratégia central; o foco está na mistura de recursos públicos e privados, com maior competição, onde for o caso.

Ênfase no controle dos resultados ao invés do controle dos insumos

Foco nos resultados e crítica ao controle dos insumos. Mecanismos como contratos de

Existe dificuldade em especificar os objetivos e, consequentemente, resultados

gestão e acordos de resultados são incentivados.

das políticas públicas. Mecanismos como contratos de gestão ou acordos de resultados são incentivados.

Ênfase no papel articulador do Estado

O Estado deve ser capaz de cortar gastos, ao mesmo tempo em que responde às expectativas crescentes e diversificadas da clientela.

O Estado deve ser capaz de aumentar as coalisões com outros atores, definindo prioridades e objetivos. A comunicação entre os diversos atores é estimulada pela ação do Estado.

Desenho das estruturas organizacionais

Estruturas governamentais mínimas. Diferença entre formulação e execução de políticas, a partir da lógica agent-principal. Estruturas interorganizacionais, acompanhadas por modificações na estrutura de pessoas, procedimentos, instrumentos de gestão, planejamento, orçamento e transparência.

Quadro 1.3. Fonte: Alketa et al, 2008:485.