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2 FUNDAMENTOS DA ESCOLA ATIVA E SUA TRADUÇÃO PARA PROGRAMAS

2.3 PROGRAMA ESCOLA ATIVA NO BRASIL

2.3.1 Diretrizes políticas, administrativas e pedagógicas do Programa Escola

Segundo as diretrizes político-pedagógicas que orientam a implementação do Escola Ativa, a iniciativa governamental pode oferecer garantias de acesso a uma escola rural que tenha o “[...] compromisso com o sucesso de seus alunos, mostrando que é possível promover a equidade, respeitando a diversidade cultural, regional e comunitária em sua essência e na sua organização” (BRASIL. MEC, 2006, p. 10).

47 Esse kit é composto por materiais didático-pedagógicos, como mapas, globos terrestres, fantoches,

Dessa forma, a metodologia aplicada ao programa privilegia a auto- aprendizagem e o trabalho em grupo. O método de ensino é modular e há a utilização de livros didáticos específicos, voltados às diretrizes propostas e que orientam para o envolvimento participativo da comunidade nas atividades educativas. Outro ponto importante refere ao desenvolvimento de ações que visem à formação e qualificação continuada dos professores e técnicos estaduais e municipais, além de acompanhamento técnico junto aos estados e municípios, a fim de se apropriarem dos fundamentos teórico-metodológicos do Escola Ativa. A auto- aprendizagem e o trabalho em grupo, em particular, são características próprias de uma escola ativa, conforme mostram os estudos de Ferrière (1928) e de Forgione (1949).

Ainda como especificidade dessa concepção pedagógica, o Programa orienta para o desenvolvimento de atividades que se pautem em princípios onde o estudante seja um sujeito ativo, livre e social e o professor, por sua vez, atue como um facilitador do processo de ensino-aprendizagem e norteia, ainda, para que exista a integração da comunidade na produção, difusão e socialização dos saberes escolares. Os componentes curriculares se organizam e combinam aspectos metodológicos que visam inovar em métodos e materiais para atender às particularidades das escolas rurais com turmas multisseriadas. Vimos nos estudos de Manacorda (2006) que as escolas ativas do início do século passado, se organizavam, preferencialmente, em internatos instalados no campo. Talvez por isso que, definido como um programa governamental, as diretrizes do Programa enfatizam que,

Concebendo a Escola Ativa como política pública para classes multisseriadas, os estados e municípios garantem uma escola que tem o compromisso com o sucesso de seus alunos, mostrando que é possível promover a equidade, respeitando a diversidade cultural, regional e comunitária em sua essência e na sua organização (BRASIL. MEC, 2005a, p. 10).

Assim, defende-se no Escola Ativa, uma concepção de educação voltada para a transformação social, entendida como “[...] - vínculo orgânico entre processos educativos, processos políticos, econômicos e culturais [...] educação voltada para valores humanistas e educação como um processo permanente de formação e transformação humana” (BRASIL. MEC, 2008b, p. 15). Essa ideia de educação

como transformadora da sociedade foi bastante divagada pelos teóricos da Escola Nova, como mostra Pónce (2005). Entretanto, não se pode desconsiderar que de tal modo

A confiança na educação como um meio de transformar a sociedade, explicável numa época em que a ciência social ainda não estava construída, resulta totalmente inadmissível depois que a burguesia do século XIX descobriu a existência das lutas de classe. [...] A classe que domina materialmente é também a que domina com a sua moral, a sua educação e as suas idéias (PÓNCE, 2005, p. 170-171).

Ademais, a transformação ou a qualidade social da educação que se vislumbra tanto para a cidade quanto para o meio rural não depende apenas de um conjunto de técnicas e de métodos didático-pedagógicos, mas também de um projeto que incorpore princípios políticos e filosóficos em que a comunidade esteja inserida e os quais desejam praticar, “[...] que sinaliza os indicadores de uma boa formação e que qualifica as funções sociais e históricas que são de responsabilidade da escola” (SILVA, 2003, p. 296).

Os métodos desenvolvidos pelo Programa Escola Ativa se estruturam a partir dos objetivos gerais propostos, os quais: a) a melhoria do ensino fundamental (anos iniciais); b) correção da distorção idade/anos de estudos; c) redução das taxas de evasão e de repetência nas escolas rurais organizadas em turmas multisseriadas; d) desenvolver uma metodologia específica à multissérie a fim de melhorar o desempenho escolar dos alunos e com custos mais baixos que a nucleação; e) permitir que o estudante seja atendido em sua comunidade, conforme orienta o Art. 6 da Resolução n. 1/2002, do Conselho Nacional de Educação; f) promover a equidade; g) investir na formação dos professores; h) utilizar materiais didático-pedagógicos específicos para se trabalhar com o método ativo (BRASIL. MEC, 2006). Segundo as diretrizes do Programa, a sua implementação pode oferecer:

Ao aluno: o acesso ao conhecimento prático aplicável no meio social em

que vive; a ampliação e o acesso a novos conhecimentos; a aprendizagem cooperativa; o desenvolvimento de seu senso crítico e autonomia. Ao

professor: a oportunidade de refletir sobre sua formação individualmente ou

em grupo; acesso às novas metodologias com orientação e assessoramento pedagógico; Ao técnico-pedagógico: a oportunidade de refletir sobre sua formação e atuação visando intervenções pedagógicas eficazes junto ao professor; compreender a metodologia aplicada; identificar dificuldades diagnosticadas na aprendizagem do discente e na prática e

formação dos docentes; À comunidade: a oportunidade de participar da gestão da escola como co-responsável no processo de ensino- aprendizagem dos seus filhos, interagindo na construção do conhecimento (BRASIL. MEC, 2006, p. 17, grifos do autor).

Do ponto de vista pedagógico-curricular, a garantia do processo permanente de formação e de transformação das práticas educativas junto às turmas multisseriadas depende da articulação de atividades teórico-práticas que devem ser incorporadas àquelas previstas no currículo formal48 da escola, por meio dos componentes metodológicos do Programa Escola Ativa. A respeito da didática ativa, estudos esclarecem que é difícil encontrar professores que consigam aplicar esse método, visto a falta de “[...] conhecimento aprofundado das bases teóricas da pedagogia ativa, falta de condições materiais, pelas exigências de cumprimento do programa oficial e outras razões, o que fica são alguns métodos e técnicas” (LIBÂNEO, 1994, p. 66). Nessa perspectiva, o Escola Ativa se organiza e se estrutura por meio de quatro dimensões assim denominadas:

a) Curricular – fundamentada por quatro componentes metodológicos49: Guias de aprendizagem, Cantinhos de aprendizagem, Governo Estudantil e Comunidade;

b) Formação e acompanhamento – consistem em ações que visam à formação em serviço dos supervisores, professores, estudantes e pais, bem como a orientação, planejamento, acompanhamento, avaliação e socialização das atividades voltadas à metodologia do Programa;

c) Comunitário – Desenvolver ações que envolvam, integrem e articulem a participação dos pais na vida escolar;

d) Administrativo – essa dimensão refere-se à organização e gestão do programa, como os procedimentos referentes à legalização e institucionalização do Escola Ativa junto às Secretarias estaduais e municipais de educação e aos Conselhos de educação, em suas respectivas esferas.

48 “O currículo formal ou oficial é aquele conjunto de diretrizes prescritas institucionalmente, como por

exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais divulgados pelo Ministério da Educação, as propostas curriculares dos estados e municípios” (LIBÂNEO, 2004, p. 171).

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A partir de 2008, quando a SECAD assumiu a coordenação nacional do Programa e o incorporou às ações da política de Educação do Campo e do Plano de Ações Articuladas (PAR), esses componentes sofreram algumas modificações. A terminologia Guias de Aprendizagem foi substituída por Cadernos de Aprendizagem. Em 2009, esses cadernos começaram a ser reformulados, além da produção de mais um volume específico para a alfabetização. Outro componente que também sofreu alteração foi o Governo estudantil, passando a se intitular de Colegiado Estudantil. Este, em particular, sofreu mais alterações em sua organização e estrutura metodológica.

Como herança das experiências escolanovistas, o Programa Escola Ativa é a única iniciativa governamental institucionalizada voltada às escolas rurais que se organizam em turmas multisseriadas, embora a educação no setor seja histórica e politicamente permeada por um conjunto de problemáticas que interferem tanto em sua organização e funcionamento e que vem sendo objeto de lutas e de reivindicações por políticas públicas que superem a realidade de negação de direitos e ofereça qualidade social aos processos e às iniciativas educacionais, sobretudo na particularidade da multissérie. No capítulo seguinte, discutiremos alguns traços do escolanovismo brasileiro e sua interface com a educação rural, caracterizando também as escolas com turmas multisseriadas.

3 TRAÇOS DA ESCOLA NOVA NO BRASIL: INTERFACES COM A EDUCAÇÃO

RURAL E A CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS COM TURMAS

MULTISSERIADAS

3.1 TRAÇOS DA ESCOLA NOVA NO BRASIL: ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS,