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5 AVALIANDO O CICLO DIDÁTICO DO PROGRAMA ESCOLA ATIVA EM JARDIM DO

5.2 APLICAÇÃO DIDÁTICA DA METODOLOGIA

5.2.2 Governo Estudantil

O Governo Estudantil é organizado junto aos estudantes em articulação com a comunidade a fim de promover a formação na dimensão cívico-democrática. Cada escola escolhe democraticamente o seu governo, que é composto por um presidente, um vice e um secretário. O processo é coordenado e mediado pelo professor e segue a mesma lógica dos processos eleitorais, com propostas de governo, campanhas, comícios e debates, envolvendo os pais e demais membros da comunidade escolar. “Educa-os para a liberdade, a paz, a tolerância, o respeito mútuo, a convivência sadia, a solidariedade, a cooperação, a tomada de decisões e a autonomia” (BRASIL. MEC, 1999, p. 56). Além de orientar para o envolvimento do estudante com a organização e a gestão da escola, esse componente objetiva, ainda, desenvolver as dimensões sócio-emocionais; os valores cívico-democráticos; o espírito de liderança; o compromisso com a escola; a efetiva participação da comunidade na gestão administrativo-pedagógica; e o desenvolvimento da escrita e da oralidade (BRASIL. MEC, 2006). Geralmente, o estudante mais votado é designado para assumir a presidência e o segundo colocado ocupa o cargo de vice. Ambos os mais votados escolhem o secretário, que pode ser aquele que obteve a terceira colocação, se for o caso.

Ao se referir a esse componente metodológico, uma das professoras que atua em Jardim do Seridó avaliou: “[...] É uma das coisas que eu acho melhor na Escola Ativa é o governo estudantil. Por que o menino aprende, ele começa a ter autonomia, a saber, procurar seus direitos, a respeitar o direito dos outros” (FIGUEIRA, 2009, p. 26). A professora Juazeiro (2009) que atua há 11 anos também avalia o Governo Estudantil como um dos melhores componentes de serem aplicados por meio do Escola Ativa. As professoras destacam também que esse componente dinamiza o ambiente da sala de aula, envolvendo os estudantes, seus pais e outras pessoas da comunidade, fundando um processo participativo. Na mesma perspectiva, as supervisoras que atuaram de 1998 a 2003 destacam que:

Era a coisa mais linda. Eles se apresentavam diziam os objetivos e ai eles formavam a eleição, fazia a obrigatoriedade de cada um, e trabalhavam. Os pais iam assistir as disputas, as coisas, era muito engraçado, era gostoso. Acho que o governo, ele tirou a timidez de muito alunado, a zona rural tinha

assim, tanto eles se destacavam, porque chegava uma pessoa eles sabiam recebê-lo (IPÊ, 2009, p. 28).

Maravilhoso. Esse governo estudantil ele é de forma bastante diversificada para atender. Porque o trabalho dele é maravilhoso para formar a cidadania. Por que os alunos ver o processo eleitoral, como acontece, serve para tirar a timidez do aluno (ESPERANÇA, 2009, p. 28).

Essa ideia de Governo Estudantil (self-government) foi bastante difundida por Ferrière (1965), sobretudo quando propunha uma educação de caráter social e democrático, possibilitando mais autonomia72 aos estudantes no processo de ensino-aprendizagem, como a desenvoltura no hábito de falar, senso de responsabilidade, iniciativa pessoal, cooperação, respeito ao professor, disciplina individual e grupal, submissão refletida73, entre outros ressaltados pelo autor e que

se traduzem para a aplicação didática do Programa Escola Ativa em Jardim do Seridó. Percebemos que o enfoque dado à autonomia está associado à formação do caráter do sujeito e à dimensão sócio-política. Para Saviani (2003) a concepção escolanovista não propõe uma concepção de educação crítica, pelo contrário, reproduz o pensamento hegemônico. Reforçando a análise do autor, identificamos nos estudos de Ferrière (1965) que, por meio de mecanismos como o governo estudantil,

[...] a Criança cria o hábito de se submeter às leis e aos chefes que elegem para as fazer cumprir. Observou-se inúmeras vezes que as crianças preferiram ser repreendidas ou punidas pelos seus chefes a sê-lo pelos adultos. Muitas vezes, basta uma palavra de um camarada, investido de autoridade, para obter o que uma reprimenda muitíssimo mais séria de um professor autoritário não conseguiria de forma nenhuma obter (FERRIÈRE, 1965, p. 187).

Essa idéia é traduzida para a aplicação didática do Programa Escola Ativa e pode ser evidenciada nos depoimentos das entrevistadas, ao confirmarem que a metodologia imprime um disciplinamento aos estudantes, pois estes são co- responsáveis pelas tarefas, pela manutenção do ambiente limpo e agradável, entre outros fatores. A professora Pau-Darco (2009) ressalta ainda que por meio do Governo Estudantil os estudantes adquirem “[...] auto-estima, autoconfiança. Que

72 “Libertar o professor é a primeira vantagem da autonomia dos estudantes. Mas possui uma outra:

liberta o aluno da tutela pessoal do adulto para colocar sob a tutela da sua própria consciência moral” (FERRIÈRE, 1965, p. 134).

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“Alunos, de caráter um pouco rebelde e que não se submetem se não de má vontade às decisões do mestre, pareceram obedecer mais voluntariamente, após exercerem eles próprios uma parcela de autoridade” (FERRIÈRE, 1965, p. 192).

ele vai ter que confiar, vai ter que dar confiança, e adquirir seus valores. O governo promove responsabilidade, dever a cumprir” (PAU-DARCO, 2009, p. 26). As entrevistadas foram unânimes em ressaltar que a responsabilidade, desinibição, a autonomia e a participação foram atributos conferidos aos estudantes, por meio do Governo Estudantil. Ainda sobre a estruturação do Governo Estudantil, transcorrido o processo eleitoral e empossados os eleitos, ocorre a criação dos comitês de trabalho, diversificados em

[...] de recreação, de ecologia, de saúde, de horticultura, de biblioteca, de decoração das salas de aulas e de limpeza. A proposta foi aceita. Os alunos tiveram então oportunidade de candidatar-se para compor os diferentes comitês segundo seus interesses e habilidades, de modo que cada comitê tivesse representantes de todas as séries (BRASIL. MEC, 1999, p. 62).

Desse modo, cada comitê deve eleger um líder e determinar as suas funções, a fim de contribuir com as atividades desenvolvidas no cotidiano escolar. Além dos comitês de trabalho, o Governo Estudantil é composto ainda pelo Conselho Diretor, formado por líderes e auxiliares, cuja função será a coordenação dos trabalhos dos comitês e das ações da gestão estudantil. Entre os Comitês organizados e desenvolvidos pelas professoras e estudantes das escolas rurais em Jardim do Seridó, destaca-se o Comitê da Horticultura, organizado na Comunidade 1:

Se você ver as fotos você fica impressionado. Não trouxe pra lhe mostrar, mas, você vai na minha escola e eu vou lhe mostrar, porque eu oriento desde a construção da horta até a colheita. Eu fiz um canteiro no cimento, que lá tem o cimento, e eu plantei, dá conta de comer tomate lá. Eu juntava os meninos que chegava iam lá comiam os tomates e, na sexta-feira, a gente distribuía para eles levarem para casa (JUAZEIRO, 2009, p. 23).

Este relato da professora Juazeiro confirmou-se por ocasião da visita realizada à escola. Constatou-se a existência do canteiro destinado ao plantio dos tomates e alguns estudantes discorreram entusiasmados sobre o Comitê da Horta. Outro aspecto que se destacou em nossa observação junto às escolas foi a desinibição por parte dos estudantes. Em todas as visitas, fomos recepcionados pelo Comitê de Recepção, formado por crianças de 8 a 12 anos. Na recepção, fomos acolhidos com votos de boas-vindas, presenteados com lembranças produzidas por eles, além de terem nos apresentado a escola, incluindo os Cantinhos de Aprendizagem e a função do material nele organizado. Na Comunidade 2, os estudantes apresentaram também um Seminário sobre o meio-ambiente. Ressalta-

se, durante a apresentação do Seminário, o aspecto do domínio dos conteúdos e do encadeamento das ideias e a grande desenvoltura dos alunos envolvidos.

O Governo estudantil deve promover também outras atividades, como a Assembleia Geral dos Estudantes, a eleição dos orientadores e colaboradores, com a integração dos professores, dos pais de alunos e de outras pessoas da comunidade a fim de orientar, assessorar e acompanhar as suas atividades, além do Dia da Conquista74 (BRASIL. MEC, 1999). Segundo as diretrizes do Programa, essa organização permite aos professores que trabalham com turmas multisseriadas uma dinamização sócio-espacial e pedagógica da sala de aula, sobretudo porque ao delegarem tarefas aos estudantes nos respectivos comitês, facilitam o seu trabalho, diminuindo a sobrecarga imposta pelo acúmulo de séries. Mencionada por Ponce (2005), essa estratégia de cooperação decorre do final do século XIX e é também enfatizada por Ferrière (1965) que, citando o exemplo das escolas de Pestalozzi, explica:

[...] por não possuir ninguém que o coadjuvasse e, assim, sentia a necessidade de formar colaboradores. Colocava crianças à mesa e nas aulas de maneira que um deles, mais razoável e mais adiantado, se encontrasse no meio de dois outros (FERRIÈRE, 1965, p. 125).

Essa idéia de os estudantes serem colaboradores é adotada pelo Programa Escola Ativa quando orienta à formação dos Comitês de trabalho, orientando que o professor medeie as atividades para os estudantes produzirem e utilizarem cotidianamente alguns instrumentos que fazem parte do Governo Estudantil, os quais descreveremos e analisaremos a seguir:

A. LIVRO DE CONFIDÊNCIAS

Nesse livro o estudante descreve as suas inquietações, os seus desejos e as suas possíveis dificuldades. “O professor deve deixar os alunos se expressarem livremente e respeitar sua sinceridade, não tornando públicas suas confidências” (BRASIL. MEC, 1999, p. 71). Com a reformulação do Programa, esse livro foi substituído pelo Caderno de Auto-aprendizagem, pois ficava difícil manter a

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“Reuniões organizadas pelo professor e os líderes da gestão estudantil com a participação de pais, comunidade e autoridades para intercambiar, avaliar e promover as atividades acadêmicas, organizacionais, sociais, culturais e recreativas da escola e da comunidade” (BRASIL. MEC, 1999, p. 81).

discrição, visto que esse material deveria permanecer na escola e geralmente era guardado em estantes de fácil acesso para todos os estudantes. Mesmo assim, mantém-se a ideia de o aluno registrar os seus avanços e dificuldades por escrito. Em Jardim do Seridó, o livro foi definido como Diário do Estudante e constatamos que o mesmo é usado unicamente nas escolas onde trabalham as professoras Juazeiro e Figueira, aquelas que atuam desde 1998, quando o Programa foi implementado.

B. FICHA DE CONTROLE DA PRESENÇA

A ficha tanto pode ser produzida para controle individual da frequência do estudante, quanto coletivamente. Esse instrumento objetiva estimular a “pontualidade do aluno e seu senso de responsabilidade. Leva-o também a conscientizar-se da necessidade de ir à escola pelo gosto de fazê-lo e não por alguma exigência” (BRASIL. MEC, 1999, p. 72). Em nossas observações, constatamos o uso dessa Ficha em todas as escolas, estando afixadas nas paredes da escola ou próximas às portas de entrada.

C. CAIXA DE SUGESTÕES

É um mecanismo que visa fomentar a comunicação entre o professor e os estudantes, bem como oferecer aqueles mais inibidos a possibilidade de se expressarem e opinarem sobre as questões que vão sendo levantadas no cotidiano escolar e comunitário. Em todas as escolas visitadas, observamos a existência desse material, exposto nos Cantinhos de Aprendizagem.

D. LIVRO DE PARTICIPAÇÃO

É utilizado para identificar e orientar sobre as aptidões dos estudantes individualmente, bem como para estimulá-los à superação de suas dificuldades acadêmicas. Tivemos a oportunidade de folhear alguns destes livros em Jardim do Seridó, e percebemos que também são usados, mas não nos detivemos à analise de seus conteúdos. Em todas as escolas que visitamos, fomos convidados a assinar

um livro de visitantes, cuja função é registrar a presença daquelas pessoas que vêm conhecer a escola e a experiência metodológica do Programa Escola Ativa.

E. CAIXA DE COMPROMISSOS

Confeccionada pelos estudantes, é fixada em um dos Cantinhos de aprendizagem. Por escrito, os professores e estudantes depositam alguns compromissos individuais e coletivos que pretendem assumir durante o ano letivo. Segundo as professoras entrevistadas em Jardim do Seridó, as propostas de compromisso são analisadas periodicamente, não havendo um prazo determinado para a leitura e discussão entre os estudantes.

Dos componentes metodológicos do Programa Escola Ativa, o Governo Estudantil foi o que melhor avaliação alcançou por parte das entrevistadas, não havendo maiores dificuldades que comprometesse a sua aplicação didática, mesmo não existindo orientações e acompanhamentos pedagógicos sistemáticos. Entretanto, com a redução do número de estudantes nas escolas rurais, tanto a atual supervisora quanto as professoras ressaltam que o processo eleitoral do Governo Estudantil está prejudicado, mas os Comitês continuam funcionando. Com a reformulação do Programa Escola Ativa em 2008, esse componente foi substituído pelo Conselho Escolar e pelo Colegiado Estudantil, a fim de atender às exigências da LDB – Lei n. 9,394/96 – que orienta no Art. 3º, inciso VIII, sobre a necessidade de as instituições públicas adotarem a concepção de gestão democrática como fundamento dos processos educacionais (BRASIL. MEC, 2008b).

Segundo as entrevistadas, fica difícil romper com uma experiência que vem dando certo e estas assumem que, mesmo sendo orientadas a modificar o formato da organização estudantil, ainda permanecerão adotando o modelo do Governo Estudantil. Entendemos que este formato não impede de se incorporar a concepção de gestão democrática da educação, visto que ainda é comum – e importante – a existência de colegiados, como os grêmios estudantis. Não adiantaria, por exemplo, modificar a estrutura do colegiado estudantil no Programa Escola Ativa e continuar prevalecendo o enfoque moral e cívico dado pela concepção escolanovista, em detrimento de uma orientação à participação sócio-política, como enfatiza Saviani (2003).