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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 Movimentos anormais

2.3.2 Disartria

A fala pode vir a ter alterações em sua produção devido a dificuldades cognitivas, sensoriais e/ou motoras que acometem crianças, adultos e idosos. Estas surgem com o desenvolvimento, o envelhecimento normal ou doenças e comorbidades mais frequentes em adultos e idosos.

Lesões em qualquer um dos níveis descritos do sistema nervoso podem levar à disartria, definida por Darley, Aronson e Brown, em 1969 (apud MURDOCH, 2005), como um grupo de alterações resultantes de distúrbios no controle muscular do mecanismo da fala proveniente de algum dano no sistema nervoso central ou periférico, ocasionando problemas na comunicação oral em decorrência de paralisia, fraqueza ou incoordenação da musculatura relacionada à fala.

A disartria é também conhecida como “disartrofonia”, englobando, principalmente, problemas fonatórios e articulatórios. Também são utilizados os termos disfonia e

disprosódia quando se referem a problemas isolados de fonação e prosódia,

respectivamente. Para evitar problemas com nomenclatura, optou-se pela utilização do termo disartria, por ser mais amplo.

As possíveis alterações em uma fala disártrica estão relacionadas a: prejuízo no suporte respiratório para fala, qualidade vocal, sensação de intensidade (loudness), padrão respiratório, sensação de freqüência (pitch), nasalidade, precisão de consoantes e vogais, extensão do fonema, pausa e na produção, velocidade e ênfase. Não se conhecem precisamente como todas elas se alteram nas diferentes doenças neurológicas. Os prejuízos podem ocorrer em todos os componentes da fala em um mesmo paciente ou em componentes isolados, dependendo do tipo e do local da lesão neurológica (KENT, 2000; KENT et al., 2000; MURDOCH, 2005).

Em relação à articulação nas coreias de diferentes causas, de modo geral, observam-se imprecisão, distorção das vogais, intervalos prolongados, silêncios inapropriados, frases curtas, variações da sensação de frequência, ausência de variação na sensação de frequência, qualidade vocal rouca e tensa-estrangulada, excesso na variação da sensação de intensidade, redução das ênfases, hipernasalidade e inspirações e expirações súbitas (MOURÃO e FERRAZ, 2003). Murray (2000) afirma que, embora pesquisadores tenham coletado dados a respeito da linguagem oral, fala e habilidades cognitivas, não foi estabelecida qualquer relação entre estes aspectos.

A classificação das disartrias, de maneira geral, envolve fatores neurológicos, fisiopatológicos e clínicos. Os subtipos são geralmente diferenciados por aspectos auditivamente percebidos. No QUADRO 01, listam-se os tipos de disartrias, juntamente com a descrição do local de lesão e de suas principais manifestações.

QUADRO 01

Tipos das disartrias, local de lesão e principais manifestações Tipos de disartria Local da lesão Principais manifestações Flácida Neurônios motores

inferiores

Inabilidade fonatória e ressonatória (hipernasalidade), insuficiência fonatória e prosódica

Espástica Neurônios motores

superiores Exagero prosódico, insuficiência prosódica, inabilidade articulatória e ressonatória, qualidade vocal áspera e soprosa

Hipocinética Núcleos da base e núcleos do tronco

encefálico

Insuficiência prosódica, inabilidade fonatória (qualidade vocal soprosa e redução da intensidade vocal), imprecisão consonantal

Hipercinética Núcleos da base e núcleos do tronco

encefálico

Imprecisão articulatória, exagero prosódico, insuficiência prosódica, inabilidade articulatória e ressonatória, alteração fonatória

Atáxica Cerebelo e/ou

conexões Imprecisão insuficiência fonatória e prosódica articulatória, exagero prosódico, Mista

(por exemplo: disartria espástica- flácida)

Somam dois ou mais dos locais citados acima

Somam as características de acordo com os tipos de disartria associados

Fonte: Dados obtidos em Darley, Aronson e Brown (1969, apud MURDOCH, 2005); Murdoch, 1997; Kent, 2000; Kent et al., 2000; Kent et al., 2001; Murdoch, 2005; Ortiz, 2006; Auzou, 2007.

Em outra perspectiva, Kent et al. (2001) informam que estudos clínico-anatômicos não permitem uma relação exata entre local da lesão e características das alterações de fala, pois não mostram uma descrição detalhada destas últimas. Eles afirmam, entretanto, que é possível delinear um caminho, embora não necessariamente uma única estrutura esteja associada a um tipo de disartria. No intuito de explicitar melhor este tipo de problema, Duez (2007b) propõe que nas avaliações de fala seja utilizado um protocolo linguisticamente fundamentado, tal como o empregado neste trabalho.

Para descrever e classificar as disartrias, a avaliação perceptiva da fala ainda é o método de referência, porém muito se questiona sobre sua fidedignidade e eficácia. Kent et al. (1999), Kent (2000) e Van Santen, Prud‟Hommeaux e Black (2009) discutem também quando esta é feita por duas pessoas com diferentes conhecimentos e experiências, além de questionarem se a análise perceptiva isolada consegue diferenciar falhas simultâneas em dois ou mais componentes diferentes da produção da fala. De outro lado, parâmetros como qualidade vocal e inteligibilidade de fala são mais bem caracterizados na avaliação perceptiva do que na análise acústica (VIALLET et al., 2003; GHIO et al., 2007). Enquanto a análise acústica pode quantificar parâmetros vocais (F0, estabilidade), de timbre (formantes), temporais e da prosódia, por exemplo (AUZOU, 2007; GHIO, 2007).

Mourão (2006) e Carrillo e Ortiz (2007) concordam que a análise acústica complementa a avaliação perceptual-auditiva e auxilia no diagnóstico clínico das disartrias.

Kent e Kim (2003) destacam a dificuldade em realizar avaliação perceptiva de todos os aspectos, uma vez que eles podem ocorrer ao mesmo tempo em um mesmo paciente. Por isso, expõem uma detalhada análise da avaliação instrumental, como a análise acústica, nos casos de alteração do controle motor da fala. Os autores citam a utilização de um sistema de descrição da entonação para a análise da disartria, o ToBI (BECKMAN e AYERS, 1994 apud KENT e KIM, 2003), que é uma espécie de “alfabeto fonético” para transcrever a entonação da fala.

No espectro de representação prosódica, ainda existem programas que realizam análise prosódica automática, como o MOMEL (Melodic Modelisation - representação fonética automática da curva de F0; HIRST e ESPESER, 1993) e o INTSINT (International Transcription System of Intonation - alfabeto de anotação prosódico; HIRST e DI CRISTO, 1998), ambos avaliados para o PB por Celeste (2007).

Kent et al. (2003) descrevem a aplicação de um programa de análise acústica com vários parâmetros para a avaliação da voz nas disartrias: o MDVP (Multi-

Dimensional Voice Program TM). Kent et al. (1999) afirmam que a tendência é utilizar

a análise acústica, por permitir a realização de análise quantitativa. Pesquisas como a de Kent e Kim (2003) mostram o uso da análise acústica para verificar a performance de sujeitos disártricos. Os autores fizeram uma conveniente comparação entre vários estudos que analisaram a velocidade de fala em indivíduos sadios e disártricos (classificada em atáxica, espástica, hipocinética e em pacientes vítimas de traumatismo crânio encefálico), por meio de tarefa de repetição de sílaba. Todas as seis pesquisas comparadas tiveram como resultado maior velocidade de fala nos sujeitos disártricos.

Bunton et al. (2000) afirmam que a prosódia e a inteligibilidade de fala não necessariamente estão prejudicadas no mesmo nível em cada paciente disártrico, entretanto são índices complementares de gravidade da disartria.

Distúrbios rítmicos são comuns nas disartrias, sendo facilmente identificados na análise perceptiva. Com base nisso, Liss et al. (2009) hipotetizaram que medidas do ritmo seriam um bom recurso para diferenciar os tipos de disartria, além de verificarem se ele é capaz de diferenciar a fala sadia da fala disártrica. Os autores observaram que o método classificou corretamente 80% das amostras de fala em seus subgrupos. Com isso, os autores afirmam que, para melhor classificar um grupo de falantes que inclua pessoas sadias e disártricas, medidas rítmicas devem ser consideradas, pois favorecem o diagnóstico diferencial.

É sabido que o parâmetro acústico mais importante para diferenciação de vogais é o valor dos dois primeiros formantes (F1 e F2). Para aumentar a sensibilidade da

centralização da vogal e minimizar a sensibilidade de variação inter-falante, Sapir et al. (2010) desenvolveram outra medida métrica, denominada formant centralization

ratio, obtido por F2u + F2a + F1i + F1u / F2i + F1a. Estes autores testaram sua

aplicabilidadae em 38 disártricos hipocinéticos (DPark) e 14 sujeitos controles. Verificaram que o método diferencia efetivamente a fala disártrica da fala sem alterações e serve como monitoramento de eficácia terapêutica.

Kent (2000) e Kent et al. (2003) explicam que um dos desafios em compreender as alterações motoras da fala, geralmente, consiste em distinguir prejuízos fonológicos dos prejuízos do controle motor em si. Como os dois podem ocorrer em um mesmo quadro, defendem a importância de determinar a natureza e a gravidade dos dois tipos de prejuízo.

O questionamento sobre qual é a primeira variável controlada pelo sistema nervoso é também discutido na pesquisa realizada por Kent (2000). O autor acredita que esta resposta é fundamental para suportar as teorias do controle motor da fala, além de ser importante na avaliação e no tratamento das alterações do controle motor da fala. Ele cita ainda algumas variáveis que estão sob controle e que estão sendo propostas: alvo acústico, valores aerodinâmicos, posição de estruturas individuais, configuração do trato vocal e padrão da contração muscular.

Kent et al. (2000) acreditam que estudos da fala disártrica podem fornecer informações que complementam dados da fala normal, desenvolvendo, assim, teorias do controle motor da fala que contam para seu desenvolvimento, regulação e alterações resultantes de doenças neurológicas.

Patel e Campellone (2009), ao estudarem doze crianças disártricas congênitas, verificaram que, embora usem os parâmetros prosódicos de F0, intensidade e duração, este último é utilizado de maneira mais prolongada.

Hartelius et al. (2000) estudaram as caracteristicas temporais da fala de 14 sujeitos com disartria atáxica decorrente de Esclerose Múltipla. Constataram aumento significativo na duração silábica e na acentuação, assim como maior variação em todos os resultados em relação ao grupo controle.

Yorkston et al. (1990) argumentam que melhorar a inteligibilidade da fala ao mesmo tempo em que se mantém a sua naturalidade é um dos objetivos primordiais na reabilitação das disartrias graves.

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