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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 Movimentos anormais

2.3.1 Enfermidades

Descrita, em 1817, por James Parkinson, a Doença de Parkinson Idiopática

(DPark) é a mais comum das doenças com disfunção dos núcleos da base que leva

pessoas a procurarem auxílio médico. Sua prevalência varia entre 50 e 150 casos por 100.000 pessoas. Porém, quando se considera isoladamente a faixa da população acima de 60 anos, essa taxa aumenta em cerca de dez vezes (BARBOSA, HADDAD e GONÇALVES, 2003). No Brasil, a DPark atinge 3,3% dos indivíduos acima de 65 anos (BARBOSA et al., 2006). Caracteriza-se por degeneração dos neurônios da parte compacta da substância negra, resultando na diminuição de dopamina nas fibras nigro-estriatais. Do ponto de vista funcional, Pinto (2009) afirma que na DPark há déficit de ativação do córtex orofacial direito e do cerebelo, assim como hiperativação da área motora suplementar, do córtex dorsolateral pré-frontal, do córtex prémotor superior direito e da ínsula esquerda, demonstrando a participação de dois circuitos neuronais paralelos no controle da produção da fala, um relacionado aos núcleos da base e outro ao cerebelo. No caso da DPark, o primeiro influencia o segundo. O déficit dopaminérgico característico da doença leva à diminuição do efeito excitatório da dopamina sobre a via direta inibitória entre o striatum e o GPi, gerando um reforço da atividade deste último. Além disso, o efeito inibidor da dopamina sobre a via indireta também diminui, levando ao aumento da atividade dos neurônios glutamatérgicos do NS, fazendo com que este estimule excessivamente a SNr e do GPi, o que leva à inibição do tálamo motor e, consequentemente, à redução da excitação do córtex motor (DEFEBVRE, 2005; BARTELS e LEENDERS, 2009). Essa diminuição de dopamina nas fibras nigros-estriatais e nos núcleos da base é responsável pelo quadro clínico típico: acinesia ou bradicinesia (lentidão na iniciação e execução de movimentos), rigidez, tremor de repouso e instabilidade postural (DEFEBVRE, 2005 e 2007; FERRAZ, 2006; ROSIN et al., 2007). Apesar de, em geral, começarem unilateralmente, com a progressão da doença esses sintomas acometem os dois lados do corpo. Notam-se dificuldades em trocar rapidamente de um movimento para outro e em manter a informação programada anterior à iniciação do movimento. O diagnóstico é essencialmente clínico e não há, até o momento, marcadores biológicos capazes de identificar a doença com considerável sensibilidade e

especificidade (HAREL et al., 2004). No tratamento da DPark, a Levodopa (L-dopa) é a medicação mais eficaz disponível, pois é transformada em dopamina pela ação da enzima dopa-descarboxilase. Porém, sua meia-vida é de 90 minutos, em média. Isso faz com que haja, ao longo do dia, períodos sob o efeito da medicação (ON) e períodos sem o efeito dela (OFF) (CARDOSO, 2006). Entretanto, no longo prazo podem surgir limitações como perda de sua eficácia, flutuações (GOBERMAN, COELHO e ROBB, 2002), complicações motoras e alterações mentais. A discinesia (hipercinesia) está entre as complicações motoras resultantes do uso da levodopa. Neste caso, alguns pacientes com DPark tratados com levodopa, ao passarem do período OFF para o período ON, desenvolvem discinesias, sendo sua principal manifestação, neste caso, a coreia. Ou seja, esses pacientes passam de bradicinéticos (quando no período OFF) para hipercinéticos (quando no período ON). As discinesias que ocorrem no início e/ou final da dose (bifásicas) possuem como principal manifestação a distonia (HOFF, VAN HILTEN e ROOS, 1999; GOBERMAN e COELHO, 2002b; PINTO et al., 2004; DEFEBVRE, 2007).

A doença de Huntington (DH) foi descrita, em 1872, por George Huntington. É uma doença genética do tipo autossômica dominante, caracterizada pela alteração na configuração da proteína huntingtina, havendo expansão de trinucleotídeos (CAG) no braço curto do cromossomo 4 (4p16.3), o que causa degeneração dos núcleos da base. O número de repetições CAG varia entre 10 e 29 cópias em indivíduos não afetados, mas o gene da DH contém de 36 a 121 cópias dessas repetições (JANKOVIC, 2001b; THOBOIS e PEISSON, 2007; TASSET, SANCHEZ e TUNEZ, 2009). A presença de 27 a 35 repetições é considerada normal, embora o indivíduo corra o risco de passar um destes cromossomos a seus filhos. Há uma correlação inversa entre o número de repetições de trinucleotideos e a idade de início dos sintomas, quanto mais repetições, mais cedo aparecem os sintomas. Estima-se que afete de 30 a 70 pessoas em cada grupo de um milhão (HADDAD e CUMMINGS, 1998). A neurodegenereção afeta principalmente o striatum, reduzindo a atividade da via eferente estriatal indireta. A principal manifestação de distúrbios de movimentos é a presença de coreia. Outras alterações motoras também ocorrem. Dentre elas, citam-se: disartria, instabilidade postural, alterações de marcha, alterações de tônus muscular, disfagia e bradicinesia. Na DH ainda ocorrem déficits cognitivos e psiquiátricos (CARDOSO et al., 2006; DUFFY et al. 2007; THOBOIS e

PEISSON, 2007; CARDOSO, 2009). Os prejuízos cognitivos são explicados pelo acometimento do núcleo caudado, gerando disfunção do circuito dorsolateral pré- frontal. Há evidências recentes de envolvimento cortical também, somando-se às justificativas dos quadros demenciais. Já os comprometimentos psiquiátricos estão relacionados ao prejuízo das áreas corticais pré-frontais e paralimbicas. Alguns dados pré-clínicos (sujeitos portadores do gene da doença ainda assintomáticos) já revelam comprometimento de funções cognitivas nesta fase, tais como diferenças no desempenho na prova de fluência verbal fonêmica em relação a sujeitos controles (LARSSON et al., 2008), devido à alteração no funcionamento executivo. Com a progressão da doença, pode ocorrer parkinsonismo, com rigidez muscular e distonia (CARDOSO, 2009).

A coreia de Sydenham (CS) é a manifestação neurológica da febre reumática, que, por sua vez, é uma doença sistêmica inflamatória autoimune decorrente da exposição a antígenos do estreptococo beta hemolítico (bactéria envolvida em infecções orofaríngeas). Os anticorpos, induzidos pelo estreptococo, atacam os núcleos da base, mais precisamente a via eferente estriatal indireta, produzindo movimentos involuntários (FERRAZ, 2006). É a principal causa de coreia no Brasil, ocorrendo em cerca de 30% dos pacientes com febre reumática e tem maior prevalência em crianças (CARDOSO et al., 1997; TEIXEIRA JR, MAIA e CARDOSO, 2005a; TUMAS et al., 2007). Segundo Mourão e Ferraz (2003), o intervalo entre a infecção e o aparecimento da coreia pode ser de até quatro semanas e costuma ter evolução benigna, com resolução espontânea após oito ou nove meses na maioria das vezes. Para Cardoso et al. (1999), 50% dos sujeitos com CS podem ter uma evolução com recorrência ou cronificação - forma persistente. São considerados persistentes os casos em que os movimentos involuntários mantêm-se por mais de dois anos apesar do tratamento anticoreico. Tônus muscular diminuído é um sinal também frequente, assim como outras manifestações motoras, comportamentais, atencionais, disexecutivas4 e neuropsiquiátricas5 (CARDOSO et al., 1997; TEIXEIRA JR, MAIA e CARDOSO, 2005; MAIA et al., 2005; TUMAS et al., 2007; CARDOSO, 2009; BEATO et al., 2010). Os sintomas cognitivos e neuropsiquiátricos estão relacionados a prováveis comprometimentos dos circuitos órbito-frontal e dorso-

4 Exemplos de alterações disexecutivas incluem dificuldade no planejamento e organização de ações

e impulsividade

lateral. A variabilidade dos sintomas sugere que haja disfunção seletiva dos circuitos fronto-estriatais (TEIXEIRA JR, MAIA e CARDOSO, 2005). A terapia sintomática pode ser de grande valia no controle dos movimentos. Recomenda-se, além disso, a administração profilática de penicilina até os 21 anos de idade, para prevenção de outras manifestações da febre reumática.

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