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Discricionariedade e conceitos Indeterminados na doutrina brasileira: a Influência de Celso Antônio Bandeira de Mello

2.2. O debate em torno dos conceitos indeterminados e seu controle

2.2.2. Discricionariedade e conceitos Indeterminados na doutrina brasileira: a Influência de Celso Antônio Bandeira de Mello

A obra de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, em relação ao problema dos conceitos indeterminados e da localização da discricionariedade, influenciaram sobremaneira a doutrina brasileira, o que possibilitou o desenvolvimento de estudos sobre o incremento do controle jurisdicional dos conceitos carentes de densidade significativa e trouxe à baila discussões extremamente profícuas, como, e.g., o atual debate relativo à verificação judicial dos pressupostos de relevância e urgência das medidas

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provisórias^^. Em linhas gerais, a produção acadêmica surgida sobre o tema acrescenta muito pouco para além daquilo que já propugna mestre paulista há mais de vinte anos.

Um dos autores que segue em grande parte a orientação de CELSO ANTÔNIO é ONALDO FRANCO JAÍWOTTI. Para ele, a impossibilidade de intelecção do sentido do conceito caracteriza a existência de uma margem de atuação discricionária em favor da Administração, pelo que é possivel afirmar que "(...)a aplicação de conceitos indeterminados pela Administração configura o exercicio de ação discricionária"^'^. JANNOTTI ainda tece críticas à posição de GARCÍA DE ENTERRÍA, ao afirmar que este não consegue comprovar logicamente a possibilidade de obtenção de uma única solução justa para os conceitos indeterminados, pelo que suas conclusões, em verdade, evidenciam uma visão política do problema dos limites do controle jurisdicional^^. Quanto à localização da discricionariedade na norma jurídica afirma que:

A discricionariedade pode decorrer da utilização de conceitos indeterminados na hipótese, na finalidade e no mandamento da norma. Decorrerá da hipótese ou do mandamento, mesmo se utilizados conceitos unissignificativos, quando houver possibilidade de escolha entre pressupostos ou entre conteúdos nitidamente delimitados. Derivará também da hipótese quando a lei omitir a indicação do pressuposto^^

Neste ponto, a titulo de ilustração, observe-se o excelente estudo do juspublicista e professor da Universidade Federal do Paraná, Clèmerson Meriin Clève. Para o doutrinador, o Judiciário brasileiro deveria ~ utilizar-se da técnica dos conceitos indeterminados ou dos mecanismos de controle da discricionariedade, a fim de verificar a existência dos pressupostos

autorizadores da ediçã.o de Medidas Provisórias. Cf.Atividade Legislativa do

Po á e x Executivo no Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988, pp. 183-4. Ai n d a a titulo de exemplo, note-se que Hugo De Brito Machado indaga sobre a verificação dos pressupostos de- relevância e urgência nas Medidas Provisórias e m m a t éria tributária, abrindo a possibilidade de controle dos pressupostos nesta matéria, embora o autor não aprofunde a questão. Cf, Curso de Direito

Tributário, p . 55-6.

JANNOTTI, Onaldo Franco. Conceitos Indeterminados e origem lógico-normativa

da discricionariedade, p. 49. Ibid., p . 48.

Da mesma forma, WEIDA ZANCANER, professora da PUC/SP, mostra em suas lições a influência de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO. De acordo com a administrativista, deve-se aceitar a distinção entre conceitos teoréticos e conceitos práticos proposta por AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, sendo os primeiros referentes a uma realidade passivel de verificação objetiva, ao passo que últimos vislumbram aspectos de intensa subjetividade, infensos à exata, determinação'^®. Para a autora, embora a enunciação dos pressupostos de fato seja realizada por conceitos indeterminados, a liberdade de atuação discricionária nestes casos será menor do que na hipótese em que a norma dá ao administrador a liberdade de definir o suposto de fato para a sua atuação, e isto pelo fato do conceito indeterminado exigir a finalização de seu processo interpretativo para que se verifique a margem livre do órgão aplicador da n o r m a . P o r fim, admite a discricionariedade quanto à finalidade, quando enunciada mediante

conceitos vagos^®.

Na mesma linha encontra-se REGINA HELENA COSTA, ao sustentar a existência da discricionariedade na esfera em que a interpretação não consegue mais verificar o sentido objetivo da norma. Além disso, a autora adere ã distinção feita por QUEIRÓ entre conceitos teoréticos e conceitos práticos^^. Também DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI adota a tese de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, quando defende que nem sempre os conceitos não univocos conduzem à discricionariedade diante do ,caso concreto, questão

Ibid., p.S2.

ZANCANER, Weida. J?a Convalidação e da Invalidação dos At o s Administrativos,

p . 48.

Ibid. , p. 49. Ibid., p . 51.

COSTA, Regxna Helena. C onceitos. Jvrldicos Indeterminados e

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que somente poderá ser resolvida na verificação da ocorrência da hipótese50

A influência de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO^^ encontra ressonância no elaborado trabalho de LUCIANO FERREIRA LEITE. Para o magistrado paulista, a apreciação dos fatos é uma

atividade eminentemente vinculada, tornada discricionária no momento em que a norma contém conceitos indeterminados que exigem uma apreciação subjetiva do administrador. No entanto, nem todos os conceitos concedem margem de valoração ao órgão administrativo, que somente surgirá quando não for "teoricamente determinável"^^ a sua significação. Em sintese, para o autor o controle - judicial da Administração Pública desenvo{lve-se nos seguintes termos:

Há, portanto, controle de legalidade tanto no exame dos pressupostos legais como no exame dos pressupostos de fato e na qualificação destes pelos agentes. No primeiro caso- exame dos pressupostos abstratamente descritos na norma- o controle traduzirá atividade vinculada se os pressupostos advierem da realidade empirica; ou atividade

GROTTl, Dinorá Adelaide Musetti. Conceitos Jurídicos Indeterminados e

Discricionariedade Administrativa, p . 112.

Na mesma linha do professor da PUC/SP também encontra-se Marcelo Harqer,

defendendo a existência de discricionariedade no "halo" conceituai. Cf. A

D iscricionariedade e os Conceitos Indeterminados, p . 33. Tanúsém Odete Medauar defende a existência de discricionariedade nos casos onde mais de uma solução seja possivel. Assim, afirma a autora; "Havendo parâmetros de objetividade pa r a en.quadrar a situação fática na fórmula ampla, ensejando uma única

solução, não há que se falar em discricionariedade. Se a fórmula ampla,, aplicada, a uma situação fática, admitir margem-de escolha de soluções, todas igualmente válidas e fundamentadas na noção, o poder discricionário se exerce". A mesma regra utiliza-se, segundo a autora, para a concretização de conceitos que envolvam conhecimentos técnicos. Havendo divergências, . restará à Administração o exercicio do poder discricionário. Cf. MEDAUAR, Odete., Direito

Administrativo Moderno, p . 126 e 129. A orientação teórica expressada nesta parte do trabalho também conta com a adesão de Régis Fernandes De Oliveira, p a r a quem é a interpretaçãOj. operação que somente pode levar a uma única resposta correta, que definirá o espaço de discricionariedade. Al é m disso, o autor entende não existir discricionariedade técnica, pelo fato d gue nestes casos há possibilidade de uma resposta objetiva. Cf. Ato Administrativo, p.85- 92. Na mesma linha de Celso Antônio Bandeira de Mello também MORESCO, Celso Luiz. Conceitos Juridicos Indeterminados p . 109-110

LEITE, Luciano Ferreira. Discricionariedade Administrativa e Controle Judicial, p . 57.

decorrente de faculdades discricionárias se os pressupostos forem extraídos do mundo dos valores ou de conceitos imprecisos. No segundo caso- exame dos pressupostos de fato, o controle advirá de vinculação, na medida em que os fatos se fundam na realidade empirica. No terceiro caso, em que o agente escolhe os fatos que servirão de pressuposto para a emanação do ato, tratar- se-á.de controle segundo faculdades discricionárias^^

A tese de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, sobre a possibilidade de surgimento de discricionariedade na finalidade da norma, inspirou a obra de diversos estudiosos, como se verifica, principalmente, nos pesquisadores com passagem pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo. Esta orientação, embora tenha recebido a adesão de importantes nomes do Direito Administrativo, apresenta. resistências na jurisprudência brasileira, que adota o pensamento tradicional no sentido de vinculação necessária do fim estabelecido na norma. Contudo, a problematização em torno da finalidade do ato possibilitou o desenvolvimento de argumentações cuidadosas sobre a questão, como é o caso dos estudos de MZIRIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO.

Para a conhecida docente da Universidade de São Paulo, a finalidade do ato, embora vinculada, pode ser vislumbrada em dois sentidos. Em sentido amplo, corresponde necessariamente ao interesse público, enquanto que em sentido restrito "(...) corresponde ao resultado especifico que decorre, explicita ou implicitamente da lei, para cada ato administrativo"^'’. De acordo com a autora, no primeiro caso a finalidade é sempre discricionária, pelo fato de estar representada pelo conceito vago de interesse público, enquanto que no segundo sentido o fim será sempre vinculado, já que sempre

LEITE, Luciano Ferreira. Op.Cit., 59.

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prevê um fim para o ato administrativo a ser realizado em seu cumprimento'^^'^^.

Segundo IMARIA SYLVIA DI PIETRO, a constatação da existência de discricionariedade decorrente de conceitos indeterminados depende da interpretação destes, ou seja, somente a análise da lei permitirá que se identifique estar-se diante de vinculação ou de um espaço de liberdade conferido ao administrador^®. Para a professora paulista, não há a chamada discricionariedade técnica, pois o Judiciário pode apreciar decisão que tenha por fundamento conclusões emitidas por órgão técnico, o que não ocorrerá, entretanto, se a decisão administrativa, embora relacionada a critérios advindos da técnica, contiver um grau de liberdade do administrador, como nos casos de tombamento. Não obstante, existirão hipóteses nas quais a ciência não conseguirá dar uma resposta univoca, o que implicaria uma margem de valoração conferida ao administrador^’.

Ainda seguindo o pensamento da autora, para ela não se pode falar em discricionariedade no caso de conceitos de experiência, ao passo que nos conceitos de valor surge uma certa liberdade do administrador, que começa onde cessa a interpretação^®,transparecendo a proximidade de suas idéias com a de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ao caracterizar a discricionariedade com ausência de programação normativa.

Na linha de CELSO ANTÔNIO, concluindo a análise de sua influência ' na dogmática administrativa brasileira, encontra-se a obra de LÚCIA VALLE FIGUEIREDO. Entende a magistrada que a distinção , entre vinculação e discricionariedade não pode ser feita no plano da estática da norma, na sua hipótese abstrata, e sim somente em sua dinâmica. Para ela, a

” Ibid.,p . 178.

Idem. Discricionariedade Admlinstrativa na Constituição de 1988, p. 92. Ibid., p. 93.

discricionariedade consiste na competência-dever de o administrador, no caso concreto, após a interpretação, valorar, dentro de critério de razoabilidade e afastado de seus próprios "standards" ou ideologias- portanto, dentro de critério da razoabilidade geral- dos principios e valores do ordenamento, qual a melhor maneira de concretizar a utilidade pública postulada pela norma"^^. Sendo assim, todo conceito deve ser objeto de interpretação, a fim de se verificar os âmbitos em que pode surgir a liberdade administrativa: a plurissignificatividade não caracteriza um impeditivo para a atividade hermenêutica do

juiz .

A moderna doutrina administrativista brasileira intenta a superação da tradicional distinção entre legalidade e mérito, e entende a discricionariedade como um poder jurídico a ser exercido dentro de certos parâmetros, principalmente de caráter principiológico, em especial os principios da razoabilidade e proporcionalidade. A liberdade do administrador tende a ser compreendida como uma ponderação a ser realizada em vista dos princípios gerais de direito e dos direitos legítimos dos cidadãos, como faz JUAREZ FREITAS, quando desenvolve o conceito de discricionariedade vinculada, utilizando-se para tanto da compreensão sistemática da função administrativa dentro de uma ordem jurídica informada por princípios dotados de conteúdo axiológico normativamente vinculante.

Para o mestre gaúcho, a vinculação deve ser entendida não mais a partir da tendência exegética de compreender os sistemas jurídicos como um prontuário dotado de soluções para todos os problemas que venham a surgir, cabendo ao aplicador o papel de mero autômato, aplicador de normas prévias e exteriores à sua vontade. Verifica-se que o temor de que o agente público atuasse fora dos parâmetros da estrita legalidade, entendida como

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a rigida aplicação da lei, fez com se procurasse anular, ou então deixar fora do alcance do Direito, toda e qualquer liberdade do administrador'"“. Esta visão, entretanto, não se adapta a uma compreensão sistemática do direito, já que uma dimensão principiológica tende a afastar as hipóteses em que se admitiria um livre espaço de conformação politica ao administrador. Toda a atividade estatal encontra-se vinculada aos principios que regem as relações juridico-administrativas, não se admitindo qualquer ato desprovido de fundamentação racional e objetiva frente a lei e ao Direito. Afirma o autor*"^:

(...) imperativo esclarecer, vez por todas, que a discricionariedade está vinculada aos princípios conformadores do sistema jurídico, mui especialmente ao princípio da proporcionalidade. Neste diapasão, o controlador deve ser alertado para evitar dois fenômenos simétricos e igualmente nocivos: de um lado, uma noção de vinculatividade dissociada • da subordinação a outros nortes princípiológicos além do princípio da estrita legalidade e, de outro, uma noção de discricionariedade tendente a, arbitrariamente, dar as costas à vinculação ao Direito, desestruturando aquela unidade interior sem a qual o sistema periclita ou não subsiste

Sua linha de pensamento segue, portanto, dois pressupostos básicos: o de que a vinculação não se dá somente à letra da lei, já que o administrador deve observar a "totalidade dos principios regentes das relações juridico-administrativas"®“, e, em segundo lugar, a redefinição da discricionariedade, ao situar a liberdade da Administração dentro de parâmetros juridicos e refutando, ou pelo menos, reduzindo ao máximo o entendimento de que o administrador dispõe de espaços onde o Direito não alcança. A liberdade, nestes termos, somente pode decorrer da vontade do sistema ou de sua indeterminação.

™ FREITAS, Juarez., Estudos de Direito Administrativo, p. 128.

Id., O Controle dos Atos Administrativos e os Principios Fundamentais, p. 42. Id. ,. E s t u d o s ..., p . 129.

Para JUAREZ FREITAS, a diferença está em que "(•..)o administrador, nos atos discricionários vinculados, emite juízos decisórios de valor, no encalço do máximo de concretização dos valores projetados pelo sistema jurídico, antepondo uma preferência, sem contraposição com a finalidade principiológica do Direito. De sua vez, o administrador, nos atos vinculados propriamente ditos(embora impossível a vinculação inteira e maciça), só emite o mínimo de juízo estritamente necessário à subordinação principiológica e ao controle interno da sistematicidade do ato"®^.

No entendimento de JUAREZ FREITAS, o sistema jurídico, conceituado como uma " (• . •) J?ede axiológica e hierarquizada de princípios"®^ apresenta espaços abertos à valoração dos órgãos estatais com o objetivo ^ de que estes realizem, ou, em outras palavras, concretizem a finalidade prevista para o ato. Decorrência disso é o dever de motivação deste®"’, ante a necessidade de vincular a decisão tomada aos principios informadores do sistema®®, e a impossibilidade do Judiciário substituir as decisões valorativas tomadas pela Administração, sendo o controle judicial definido basicamente à verificação da finalidade®’. Portanto, a discricionariedade surge como ato vinculado ao ordenamento juridico em sua totalidade.

I b i d . ,O p . C i t . , p. 144.

Id. , O Controle dos Atos Administrativos., Op.Cit., p . 49

Ibid., p. 11. Esclarece Jxiarez Freitas; "as decisões administrativas serão motivadas, por certo não apenas a dos Tribunais, e, melhor do que isso,

fundamentadas, isto é, haverão de ter como suporte razões objetivas e

consistentes(numa leitura conjugada, especialmente, dos incisos IX e X do art.

93 da CF e de várias Constituições estaduais de . raodo expresso). A