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3 CONHECIMENTO, INOVAÇÃO, DIFUSÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL

3.1 O DISCURSO DO CONHECIMENTO

Na chamada “sociedade do conhecimento”, Sabbag (2007) faz uma análise da aceleração do tempo e de sua relação com as mudanças radicais envolvendo os aspectos políticos, econômicos e sociais. Segundo este autor, o maior impacto dessas mudanças está na posição e no poder exercido pelo conhecimento, sendo a formação de “massa crítica” o maior deflagrador desse processo. Sendo assim, para que haja mudanças na sociedade é preciso ter massa crítica, ou seja, um contingente de pessoas com conhecimento e atitude, suficiente para provocar a mudança. Da mesma forma Takeuchi e Nonaka (2008), inspirados no estudo de diversos autores ocidentais, relatam esse poder do conhecimento como o recurso de mais alta qualidade e a chave para mudanças, inclusive, de poder.

No que diz respeito à informação e ao conhecimento, Sabbag (2007) não faz muita distinção entre os dois e afirma que um não sobrevive sem o outro. O autor relata que já em 1909 o filósofo John Dewey afirmava que “informações são conhecimentos simplesmente adquiridos ou armazenados; o saber é o conhecimento atuando no sentido de obter-se a capacidade de tornarmos nossa vida mais fácil”. Conclui dizendo que “conhecimento é informação processada que habilita a ação, modifica opiniões, crenças, atitudes e comportamento” (SABBAG, 2007, p. 50).

Existem muitas classificações relacionadas ao conhecimento, uma das mais discutidas é a que o classifica como tácito e explícito. O conhecimento tácito, segundo Takeuchi e Nonaka (2008, p. 19), é aquele que “está profundamente enraizado nas ações e na experiência corporal do indivíduo, assim como nos ideais, valores ou emoções que ele incorpora”, enquanto o

conhecimento explícito, segundo os mesmos autores (p. 19), é aquele que “pode ser expresso em palavras, números ou sons e compartilhado na forma de dados, fórmulas científicas [...], especificação de produtos ou manuais”.

O homem desde sua origem, pela sua capacidade de pensar, é um sujeito apto a aprender. Conhecimento e aprendizagem fazem parte da nossa cultura. Estamos sempre aprendendo, descobrindo, transmitindo. Mas será que estamos criando conhecimento? Takeuchi e Nonaka (2008, p.60) falam em quatro modos de criação e conversão do conhecimento: “socialização, externalização, combinação e internalização”, que constituem “o motor do processo de criação do conhecimento como um todo”.

A socialização é o processo de conversão do conhecimento tácito em tácito, diz respeito ao compartilhamento de experiências socializando habilidades. A externalização é o processo de conversão de conhecimento tácito para explicito envolvendo a criação de modelos e conceitos. A combinação envolve a troca de conhecimentos através de documentos explicitáveis, ou seja, é o movimento do conhecimento de explícito para explicito. Enquanto a internalização é o processo de movimentação do conhecimento explícito para tácito e está relacionado ao aprender fazendo (TAKEUCHI; NONAKA, 2008). Afirmam ainda Takeuchi e Nonaka (2008, p.67) que “quando as experiências através da socialização, externalização e combinação são internalizadas nas bases de conhecimento tácito do indivíduo [...], tornam-se um patrimônio valioso”.

Sabbag (2007, p. 70) discorda de Takeuchi e Nonaka (2008) no que diz respeito à conversão do conhecimento tácito em conhecimento explícito, pois considera que os dois autores simplificam demais o processo de conversão do conhecimento e que “se fosse fácil externalizar conhecimento tácito, ainda mais socialmente, ele não seria tácito”.

Mas, não seriam esses conhecimentos apenas descobertas e traduções daquilo que já existe? Morin (2008, p. 17) questiona se o conhecimento “é um reflexo das coisas, construção do espírito, desvelamento, tradução, representação, captamos o real ou apenas a sua sombra?”. Afirma ainda que o conhecimento “é necessariamente tradução, construção e solução de problema, a começar pelo problema cognitivo da adequação da construção tradutora à realidade que se trata de conhecer” (MORIN, 2008, p. 58).

Nesse sentido, se o conhecimento é ferramenta para solução de problemas, Germano (2011, p. 29) coloca “como urgente e fundamental intensificar a busca pelo diálogo entre o conhecimento científico e os saberes de senso comum”, no entanto acrescenta que não é uma tarefa fácil, considerando a face autoritária, determinista e fragmentada da ciência. Dessa forma, acredita o autor que as intervenções voltadas para a popularização da ciência e tecnologia só vão encontrar sentido em um novo contexto de compreensão do senso comum e da própria ciência.

Podemos dizer que temos duas porções ínfimas no oceano das possibilidades do conhecimento: a que está ligada a experiência individual e a que se torna compartilhada através da representação. Ainda assim, Morin (2008, p.233) questiona essa representação/tradução: “se conhecemos, não diretamente as coisas, mas as suas traduções em imagens (representações) ou símbolos (idéias), nossas representações e idéias seriam sombras projetadas na parede da caverna onde estamos encerrados?”. Essa é uma pergunta que Morin (2008) faz, mas ao mesmo tempo revela que isso é tudo que nós temos, sendo assim, não poderia essa sombra se constituir conhecimento?

Dessa forma, baseado nas visões de Germano (2011) e Morin (2008) com relação ao conhecimento, outras dimensões estão envolvidas e o processo cognitivo não é apenas de natureza racional. Em relação a esta tese, quando falamos em conhecimento no PEAMSS, estamos falando de todo processo de geração, difusão, tradução, gestão e aplicação do mesmo na vida pessoal e na comunidade em questão, encerrando um universo biológico, neurológico, psicológico, social, político, emocional, histórico, subjetivo e afetivo. Esse universo amplia assim o conceito de sociedade do conhecimento para o conceito de uma sociedade que reconheça, de acordo com Stopilha (2011, p. 183), “experiências, práticas, simbologias, rituais, tradições e mitologias como aprendizado; uma sociedade mais justa, cujo conhecimento seja um valor orientado para o desenvolvimento humano”.

Todo esse processo em uma comunidade dá ao conhecimento um caráter coletivo, que, de acordo com Sabbag (2007) é possível, uma vez que existem crenças compartilhadas, disseminadas e estáveis, formando a cultura de alguns povos que perduram mesmo sendo fruto de auto-engano e, se são justificadas, homogeneizando a ação coletiva, é porque existe conhecimento coletivo.

É a partir dos compromissos sociais despertados em cada indivíduo que o PEAMSS pretende alcançar seus objetivos, atingindo, conforme Sabbag (2007), o coletivo em um contexto social cujo empoderamento consequente desse conhecimento seja suficiente e competente o bastante para fazer esse coletivo tomar as rédeas na decisão de ações voltadas para o meio ambiente. É claro que, quando falamos em construção de um saber coletivo e conhecimento em nível de PEAMSS estamos tratando o conhecimento de forma simplificada, sem a polêmica do seu conceito nas ciências cognitivas, mas apenas no nível de dados, informações e sua aplicação prática, o que redunda em conhecimento, segundo nosso entendimento e baseado em Sabbag (2007).

Segundo Morin (2005) não há evidências de que a educação científica produza valores éticos, razão pela qual, muitos propugnam e lutam por uma ética do conhecimento. Ao mesmo tempo em que o conhecimento constrói, ele também destrói, sendo necessária uma ética e uma política do conhecimento que venha reduzir as desigualdades sociais, consolidar a cidadania e promover a mudança social.

Mas que conhecimento é esse? Será que houve realmente aquisição de conhecimento no PEAMSS ou tudo não passou de um jogo de interesses do poder público para implementar uma política e da comunidade para adquirir os benefícios dessa política? De acordo com Morin (2008) essas questões talvez não possam ser respondidas por que a verdadeira aquisição do conhecimento pelo indivíduo na comunidade não pode ser mensurada, faz parte da sua própria consciência e, se pode, não passa de uma representação baseada na experiência do próprio indivíduo. No entanto, conforme Toro e Werneck (2004), as ações comunitárias e as transformações individuais e coletivas poderão ser avaliadas, verificando que mudanças ocorreram nas dimensões pessoais, coletivas e ambientais.

Quando se fala em utilização do conhecimento, Moreira (2005, p.81) afirma que isto “está no foco central da gestão do conhecimento e se o mesmo não for utilizado, tornam-se inúteis os processos de criação, identificação, aquisição, desenvolvimento e transferência de conhecimentos”. Essa não utilização do conhecimento significa, de acordo com Leff (2010, p. 40), o “desconhecimento do conhecimento”, com implicações diretas na crise ambiental que vivemos, pois, conforme o autor, os problemas ambientais atuais não decorrem da ignorância. O homem sabe que o crescimento econômico sem limites é incompatível com os recursos

limitados da natureza, mas prefere desconhecer esse conhecimento em nome do lucro imediato.

Dessa forma a sociedade dita do conhecimento, onde a globalização parece pertencer apenas ao capitalismo, apresenta contradições e desafios provocados pelo próprio conhecimento e que só o conhecimento poderia solucionar alterando essas contradições que segundo Stopilha (2011, p. 181):

[...] se estabelecem na forma de produzir, na inserção de pessoas e comunidades no mercado de trabalho, no aprofundamento das desigualdades sociais, no desemprego tecnológico gerado a partir da desqualificação para o trabalho, nas rupturas culturais, na dinâmica das comunidades tradicionais à procura de conexão com a sociedade do conhecimento, e na preocupação excessiva com o lucro através da utilização e privatização do conhecimento.

Portanto, essas contradições pertencem à própria ciência, que no projeto positivista pensava ser libertadora do atraso e do subdesenvolvimento, mas acabou gerando, segundo Leff (2010, p. 41), “um desconhecimento do mundo, um conhecimento que não sabe de si mesmo, que governa um mundo alienado do qual desconhecemos seu conhecimento especializado e as regras do poder que governa”. Nesse sentido e baseado na visão de Funtowicz e Marchi (2010), a ciência serve para legitimar as decisões do Estado em nome da racionalidade que se ancora no conhecimento científico como o único verdadeiro, considerando outras formas de conhecimento como de segunda categoria. Sendo assim, baseado ainda na visão de Funtowicz e Marchi (2010), se faz necessária uma reapropriação do conhecimento considerando sua complexidade, evidenciada através das diversas formas como o mesmo se apresenta, o que inclui novos significados e redefinição do papel da ciência.

Tudo isso gera um discurso do conhecimento com diversas visões em que nenhuma delas conseguiu, até o momento, trazer respostas consensuais sobre sua verdadeira natureza. O que esperamos com relação ao PEAMSS é que o conhecimento difundido possa homogeneizar a ação coletiva e proporcionar as transformações necessárias.

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