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A ideia de autenticidade na organização dos mercados multinacionais é discutida por Giddens (1991, p. 127-137) na “vasta extensão de sistemas abstratos” desenvolvidos na modernidade. Os sistemas abstratos são necessários às relações pessoais de confiança. Em nosso entendimento, a configuração do perfil do gestor nos ambientes corporativos é uma alternativa para a formação de alianças nos espaços de trabalho, substituindo – ou atualizando – a amizade. Trata-se de uma atualização no relacionamento no momento em que os enunciados sobre coleguismo e chefia impedem algumas evoluções na atualização geral. Isto não ocorre em todos os setores, especialmente nos ambientes em que as atividades são mais operacionais. Entretanto, não afirmamos que há necessidade de amizade no ambiente de trabalho, ao contrário, a atuação do gestor só se constitui com a existência da equipe.

O discurso da gestão não se preocupa com a amizade, pois a equipe não requer amizade. Os integrantes da equipe devem cumprir protocolos corporativos, seguir orientações do gestor e favorecer um ambiente em que o bem-estar emocional do grupo seja favorável à realização das atividades do trabalho no cumprimento de metas. O comprometimento das pessoas que formam as equipes de trabalho depende de diversos fatores, um deles já analisado nas discussões de Karl Marx (1818-1883) sobre as equipes de trabalho. A partir da década de oitenta do século XX, um deles – e talvez o mais importante – passou a integrar a motivação do assalariado: o reconhecimento, o sucesso como potencializador da empregabilidade e do ‘poder’ de poder escolher. Os enunciados dos veículos de comunicação sobre o perfil do empreendedor visado pelos mercados, querido pelas empresas e, portanto, desejado pela relação de competências que exibe exemplifica as dimensões alcançadas pelo discurso do empreendedorismo.

A respeito da equipe, Marx (2012: 378-379) desenvolveu o conceito de força de trabalho média, incluindo aquilo que, posteriormente, convencionou-se chamar de colaboração corporativa. Na economia dos meios de produção a “forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos,” (idem, p.378) gera lucratividade maior para a empresa ao mesmo tempo em que barateia preços e reduz o valor da força de trabalho.

Marx denominou a cooperação como a “criação de uma força produtiva nova, a saber, a força coletiva.” (idem, p.379). Diferenciando-a da colaboração tribal para contextualizar o capitalista e a venda da força de trabalho na produção organizada, Marx afirmou que o trabalho em grupo é maior que o trabalho das forças mecânicas e infere condições motivadoras ao destacar a “força social” (idem), pois o contato social para um determinado momento produtivo eleva os estímulos, aumentando a capacidade produtiva de cada um dos indivíduos envolvidos na tarefa.

O efeito do trabalho combinado não poderia ser produzido pelo trabalho individual, e só o seria num espaço de tempo muito mais longo ou numa escala muito reduzida. (MARX, 2002, p. 379).

A realização programada e combinada de atividades ocorre em menor tempo quando o trabalho cooperado é organizado por metas relacionadas às tarefas das unidades produtivas e respectivas estratégias setoriais, planejadas para o benefício de todos na condução das diferentes atividades para um objetivo comum. Na atual fase do capitalismo, o trabalho mais intelectualizado, que depende menos da força mecânica (GIDDENS, 1991; GORZ, 2003 e 2005; CASTELLS, 1999), pressupõe a gestão dos diversos intelectos investidos na realização das “[...] diferentes operações entre os diferentes trabalhadores” (MARX, 2002, p. 380), ampliando a capacidade de realização em menor tempo. Não discutiremos aqui a jornada de trabalho, presente nos estudos de Marx à época, pois no liberal-capitalismo ela importava menos para a concentração dos meios de produção. Além disso, a substituição provocada pelo discurso da gestão organiza os diversos conhecimentos para que as unidades se sintam como ‘o todo’. Esse é o núcleo do discurso da gestão das competências.

Observamos ainda a essencialidade apontada por Marx:

Com a cooperação de muitos assalariados, o domínio do capital torna-se uma exigência para a execução do próprio processo de trabalho, uma condição necessária da produção. O comando do capitalista no campo da produção torna-se então tão necessário quanto o comando de um general no campo de batalha. (MARX, 2002, p. 383).

O sentido de comando apontado por Marx é a necessidade de organização do coletivo. Dada a constituição implícita ao coletivo – vários trabalhadores que formam instâncias ou grupos de execução de tarefas e precisam agir conforme o plano estipulado –, a condução do grupo requer um condutor. A força social do trabalho precisa da organicidade para gerar sincronismo, que por sua vez deve levar à motivação. Entretanto,

conforme aponta Marx, a direção será dada pelo capital, ou seja, há necessidade de se liderar o coletivo pela submissão ao poder (que o capital dissemina). O discurso da gestão criou o gestor, representante não coercitivo desta submissão programada. E o discurso hegemônico atua neste sentido, de um extremo ao outro, em que tanto a falta do emprego quanto a facilidade de aquisição de bens materiais condicionam os sujeitos ao sistema, à supremacia do capital.

Outra construção discursiva do capitalismo é o sistema corporativo: como um templo do condicionamento do trabalho e, por isso, da submissão programada, os espaços físicos são definidos numa lógica orgânica na qual o trabalho precisa ocorrer independente da natureza do negócio ou do objeto produzido. O discurso capitalista constituiu os sujeitos trabalhadores, organizando e naturalizando uma série de temas na criação dos assalariados, enquanto o discurso liberal-capitalista se utilizou da palavra de ordem empregabilidade, por exemplo, para condicionar tanto a submissão ao sistema quanto às subordinações e conexões necessárias para a produção. Nessa discussão sobre a gestão, retornaremos a Marx para uma leitura sobre o discurso da complexidade:

Com o desenvolvimento, o capitalista se desfaz da função de supervisão direta e contínua dos trabalhadores isolados e dos grupos de trabalhadores, entregando-a a um tipo especial de assalariados. [...] a massa de trabalhadores que trabalha em conjunto sob o comando do mesmo capital precisa de oficiais superiores (dirigentes, gerentes) e suboficiais (contramestres, inspetores, capatazes, feitores), que, durante o processo de trabalho, comandam em nome do capital. (MARX, 2002, p. 385).

Assim, a autenticidade da gestão na administração moderna é dada pela autogestão como garantia de compreensão dos temas que nucleiam a complexidade, pois a palavra ‘inovação’ é ponto nodal (LACLAU, 2004) dos diversos temas enunciados sobre a empregabilidade. As palavras de ordem ‘formação continuada’ e ‘adversidades’ inferem atividades que favorecem a autorrevelação e o cumprimento do projeto institucional/corporativo (Giddens, 1991, p. 134), pois os laços de confiança desenvolvidos no ambiente de trabalho são formados pela produtividade empresarial. A esse respeito, Maximiano afirma sobre as competências gestoras na concretização dos objetivos corporativos:

A ‘obediência’ da equipe, porém, é um processo mais complexo, que depende de outras bases, como motivação e competência e não apenas do poder do gerente. (MAXIMIANO, 1997, p. 149).

O discurso da gestão reforça o consumo da informação, por exemplo, como uma das motivações para manter-se a empregabilidade em momentos de adversidade e na complexidade dos mercados, investidos da globalização e da compreensão sobre a competitividade. Assim, a discussão sobre as transformações pós-industriais no setor dos serviços (de produção, sociais, de distribuição e pessoais), desenvolvidas por Castells3 (1999, p. 225-249), amplia nossa observação sobre o discurso da gestão empreendedora. Ao desenvolver sua análise sobre as alterações no mercado de trabalho, Castells analisa os serviços nas sociedades ‘avançadas’ e afirma sobre as maiores economias mundiais:

Em resumo, a evolução do mercado de trabalho durante o chamado período ‘pós-industrial’ (1970-90) mostra, ao mesmo tempo, um padrão geral de deslocamento do emprego industrial e dois caminhos diferentes em relação à atividade industrial: o primeiro significa uma rápida diminuição do emprego na indústria aliada a uma grande expansão do emprego em serviços relacionados à produção (em percentual) e em serviços sociais (em volume), enquanto outras atividades de serviço ainda são mantidas como fontes de emprego [...] O que ocorre é uma diversidade cada vez maior de atividades e o surgimento de um conjunto de conexões entre as diferentes atividades que torna obsoletas as categorias de emprego. (CASTELLS, 1999, p. 237) (grifos nossos)

Ao relacionar as políticas que alteraram o trabalho na contemporaneidade, Castells afirma que essas foram norteadas pela criação de diferentes atividades – para fazer valer o que dissemos sobre a necessidade da técnica (informática, por exemplo), os “novos cargos na estrutura ocupacional” (idem, p. 238). E, da mesma forma, houve a extinção de outras. Por exemplo, a atividade de datilógrafo foi substituída pela de digitador e esta não é mais solicitada devido à modernização dos sistemas de interação na informática com o movimento e o som. Neste contexto, o discurso do empreendedorismo desenvolveu os mecanismos de atualização do repertório no trabalho, naturalizando necessidades individuais pelos investimentos em aprendizado constante.

Esta adequação nas funções / atividades incidiu nas práticas de trabalho nas empresas com a adoção de discursos mais leves pelo advento dos recursos humanos. Enquanto palavra de ordem do discurso da complexidade, o momento inaugural dos recursos humanos se deu na passagem das décadas de setenta e oitenta do século XX, face

3 A respeito da evolução histórica da estrutura ocupacional e do emprego nos países capitalistas avançados, entre 1920 e 2005.

ao uso das tecnologias e às palavras de ordem relacionadas às habilidades tecnológicas para as novas exigências. A literatura da administração de empresas da época relacionou os mercados internacionalizados como o argumento para o preparo, pois, segundo Harvey (1989), a partir dos anos 1970, as atualizações deram “[...] consistência apropriada entre comportamentos individuais e o esquema de produção.” (1989, p. 117).

A gestão de negócios internacionais, por exemplo, adicionou exigências de conhecimento do idioma, da legislação comercial e da cultura local. Consideradas na ‘onda’ da complexidade, a expansão da informática nas empresas indexou também às capacidades individuais de comunicação uma velocidade maior na execução nos negócios. Tais exigências tornaram-se cada vez mais presentes no discurso do empreendedorismo e no discurso da gestão, pois os enunciados da complexidade passaram a utilizar o ‘paradigma’ (idem, p. 121) como palavra de ordem para adequar a inevitável abertura dos mercados entre as nações (globalização). É neste período, 1980/1990, que diversos países se organizaram em torno dos chamados emergentes, como a China, a Índia e o Brasil.

Retomando a esfera da produção-transformação-geração de valor, pode-se vislumbrar que o trabalho pós-fordista deixou de ser um tipo de valor potencial centrado exclusivamente nos objetos produzidos para o consumo (PRADO, 2006: 3) e se transformou em valor cognitivo. Nesse aspecto, o desempenho profissional nas ações de comunicação, bem como as habilidades para interagir com situações adversas e alterá-las são concebidas como uma melhoria significativa na cadeia de valor cognitivo, especialmente as veiculadas como gestão de equipes. Saber trabalhar em grupo, e em meio a diferentes dinâmicas, significa ter conhecimento sobre os processos de competição em que as organizações estão inseridas.

O capital é um processo, e não uma coisa. É um processo de reprodução da vida social por meio da produção de mercadorias em que todas as pessoas do mundo capitalista avançado estão profundamente implicadas. Suas regras internalizadas de operação são concebidas de maneira a garantir que ele seja um modo dinâmico e revolucionário de organização social que transforma incansável e incessantemente a sociedade em que está inserido. (HARVEY, 1989, p. 307).

A passagem de valor da manipulação de materiais utilizando técnicas mecânicas para valor no uso de tecnologias informatizadas, em razão da maior produção e ampliação do próprio sistema capitalista, condicionou estrategicamente o mercado de trabalho. O

discurso da gestão de pessoas nas equipes passou a impor a complexidade como tema nas relações dentro das empresas, bem como a incidir a empresa na residência das pessoas. A complexidade do trabalho moderno ‘exigiu’ contratos de trabalho mais flexíveis, valorizando outras habilidades, não apenas as inerentes ao desempenho tecnológico e gerencial da informação (idem), distinguindo inteligências ‘emocionais e múltiplas’. Este tipo de convocação estabilizou a valoração das capacidades técnicas sobre os conhecimentos específicos, como na área da informática, por exemplo.

Segundo Harvey (1989), os mercados produtores passaram a adotar estratégias de produção muito mais flexíveis, orientadas para as demandas recém-criadas. Com o propósito de satisfazer as especificidades empresariais, o discurso liberal-capitalista indexou a complexidade à flexibilidade na jornada de trabalho. Uma vez que já havia instituído a ‘jornada por projetos’, cujo foco estaria nos resultados e não no tempo de realização, os conceitos de produção foram convocados pelas palavras de ordem ‘habilidades’ e ‘competências’.

Já os discursos da gestão de equipes (recursos humanos) enfatizam a necessidade de se estabelecer habilidades necessárias para realizar determinadas atividades, partindo de um conjunto repertorial em que o predomínio dos enunciados é o da complexidade no mercado de trabalho, relativizando a importância dos software. Entre as habilidades mais valorizadas no final do século XX estavam a (1) capacidade de análise de dados e (2) a movimentação de recursos para coordenar esforços corporativos na viabilização de negócios.

As habilidades linguístico-relacionais (VIRNO apud PRADO, 2006, p. 13) também se constituíram em argumentos essenciais do discurso do empreendedorismo, pois dão sentido às relações interpessoais, internas e externas entre as empresas e os mercados, capazes de alimentar continuamente o processo de geração de valor- informação. Os discursos da gestão e da complexidade intervêm, respectivamente, na formação de enunciados atualizadores do metaconsumo da informação. Nesta abordagem, segundo Verón (1980: 59), incidem pressupostos que poderíamos chamar de metaconsumo, pois o sistema produtivo é continuamente atualizado pela ideologia capitalista, criando inteligibilidade social capaz de gerar o repertório das competências ditadas pelo capital.