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mercados abertos, multinacionais: a competição acentuada.

A necessidade de gerar novos negócios é constante e o resultado do empreendedorismo convoca o ‘ser empreendedor’, apontado por Dornelas (2003: 35), como algo além da participação individual, numa ação cujos resultados favoráveis devem reverberar e, acima de tudo, serem destacados e multiplicados no ambiente interno. Essa multiplicação de sentidos necessariamente influenciará as equipes e será adotada pela gestão por apresentar elementos ‘cristalizadores’ daquilo que a empresa acredita. Dessa maneira, a gestão valoriza aquilo que lhe servirá favoravelmente no futuro, causando o ciclo permanente de ações empreendedoras. Nos resultados positivos a destacar, a gestão evoca as competências empreendedoras, colocando-as em relevo. No entender de Dornelas (idem: 42), um conjunto de conhecimentos sobre a atuação da empresa em seu mercado e a iniciativa individual, conjugados à criatividade, resultará em processos favoráveis à corporação.

Apresentaremos os assuntos formadores do quadro de referências repertoriais sobre o discurso do empreendedorismo da revista Você S/A, valorizando o conjunto de argumentos histórico-sociais de formação do empreendedor e da empresa. Passaremos a observar os processos discursivos na organização do trabalho contemporâneo com lastro no desenvolvimento dos mercados, integrante do discurso liberal-capitalista.

1.1 O discurso liberal-capitalista na composição enunciativa do empreendedorismo

Nossas abordagens recortarão os conjuntos de enunciados sobre o crescimento econômico das nações, a geração de emprego e renda e a idealização da inovação e da produtividade como modelos de sucesso. Segundo Granou (1975), o liberalismo é um posicionamento político originado após a fase primitiva do sistema capitalista de

produção, considerado nas fases históricas como mercantilismo (pré-capitalismo). A partir do século XV a burguesia iniciou o movimento que resultaria na reforma protestante. Segundo Chauí (2000), o liberalismo se consolidou em 1668 na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa, fomento dos comerciantes que se organizaram com a Igreja contra a aristocracia – para ampliar as possibilidades territoriais de comércio. Depois, houve a reforma do direito que aboliu o divino no discurso das igualdades naturais dos homens, como princípio liberal e condição de desenvolvimento do país.

Periodizando a evolução dos processos de acumulação, segundo Frank (1979, p. 32), o período mercantilista iniciou no século XVI e finalizou no século XVIII, caracterizando a acumulação primitiva; o período capitalista-industrial ocorreu do final do século XVIII ao final do século XIX e o capitalista-imperialista iniciou no século XX. Interessou-nos estabelecer conexões sobre os modos de extração da mais-valia, assim como as formas das relações sociais e do trabalho, visto serem práticas inseridas pelas políticas liberais e neoliberais. Dessas políticas, pudemos observar os enunciados que disseminaram novas práticas do discurso hegemônico do liberal-capitalismo. Acompanharemos estas práticas nos discursos sobre a organização empresarial e o desenvolvimento social do trabalho.

O liberalismo germinou nesta condição, após a Revolução Francesa e no discurso da liberdade desenvolvimentista (em defesa da propriedade privada, com limitações do poder estatal e individualismo incentivado como liberdade), pela capacidade produtiva e de consumo como geradoras da felicidade. Com a evolução do sistema capitalista, dada pela substituição da prática artesanal pela sistematização da manufatura, pela organização dos centros de produção e consumo, a burguesia apropriou-se da produção e comercialização em escalas sempre crescentes. Em síntese, a construção de discursos de emancipação social e a sensação de progresso proporcionada pelo empenho tecnológico nas cidades, geradas, respectivamente, pela libertação do modelo feudal, pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial, favoreceram o discurso liberal-capitalista. A hegemonia deste discurso condicionou a venda da força de trabalho, uma vez que o modelo desenvolvido criou, segundo Marx (2012), a mais-valia na relação de trabalho com o capitalista.

Os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser caracterizados em grandes linhas como as épocas progressivas da formação social econômica. As relações de produção burguesas são a última forma

antagônica do processo de produção – não antagônicas no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que nasce das condições sociais da vida dos indivíduos –, mas, no interior da sociedade burguesa, as forças produtivas que se desenvolvem criam ao mesmo tempo as condições materiais para a resolução desse antagonismo. Com essa formação social, portanto, a pré-história da sociedade humana se conclui. (DUMÉNIL, 2011, p. 213).

Com isso, o posicionamento político da classe burguesa definiu-se pelo pensamento liberal, em que a palavra de ordem ‘desenvolvimento’ gerenciou os discursos sobre a empresa – fundando o conceito de empreendimento. Neste sentido, os discursos desenvolvimentistas do capitalismo instauraram a constante necessidade de envolvimento pessoal, partindo-se da necessidade humana pelo trabalho para a geração de riqueza. Esta convocação enfatizava o desenvolvimento socioeconômico local e nacional, vinculado às capacidades técnicas. As atividades técnicas nos temas empresariais foram conduzidas pelos enunciados da sobrevivência e da produção em liberdade, causando um estímulo natural-individual e, por isso, subjetivo.

A produção com o auxílio da ciência e das máquinas indexou ao modelo produtivo a crescente necessidade de expansão dos mercados de consumo. A partir de 1770, segundo Frank (1979), o período mercantilista foi substituído pelo período do capitalismo industrial (1770-1870), pois se pode “[...] observar a supremacia da manufatura na organização dos espaços produtivos” (1979, p. 41). A produção em larga escala foi destacada por Marx como a verdade versus a utilidade dos produtos. Ele estudou a produção acima das necessidades fundamentais, o que chamou de “[...] intensa atividade científica no campo da economia política.” (MARX, 2012, p. 23). Marx afirmou que a partir de 1830 as práticas mais ameaçadoras e contundentes de exploração se iniciaram, exatamente pela adoção das medidas de parcialidade no uso da ciência. À disposição da acumulação, as ciências iniciariam a pesquisa industrial, servindo ao capital. Para ele, o ano 1825 marcou o início da vida moderna da indústria, pois as disputas entre o capital industrial e a propriedade aristocrática, tanto na Inglaterra e França, quanto na Alemanha, disfarçavam o acerto burocrático-legal empenhado pelo posicionamento político Liberal.

A demonstração de Marx sobre a internacionalização do ciclo do capital, a partir do período industrial, explicou a formação do capital-mercadoria (MARX, 2012, p. 91), bem como suas relações no desenvolvimento do comércio internacional. Pode-se dizer que a internacionalização do capital se originou no século XV com a ativação do comércio marítimo mundial, mas foi a partir da metade século XX que houve o impulso para a

chamada globalização (BATISTA JR, 1996). É neste contexto que a articulação discursiva do empreendedorismo pode ser observada num conjunto de parâmetros para a acumulação capitalista. Nesse sentido de avanço, o desenvolvimento e difusão da informática e das redes de comunicação (CASTELLS, 1999: 75; HARVEY, 2000: 167 a 169), por exemplo, possibilitaram na últimas décadas a adoção de novos parâmetros e estratégias de produção e distribuição de bens e serviços em diversas localidades do planeta, alterando os discursos sobre as atividades modernas das corporações, indexando parte do discurso liberal a uma série de propósitos neoliberais.

Com a introdução da informática no contexto do trabalho, as unidades de produção puderam ser reformuladas em células e relativizadas no discurso empresarial: o ‘organismo corporativo’ passou a conduzir as propostas de qualificação profissional como necessidade do trabalhador. Nesse processo, tanto a tecnologia de produção quanto o capital adquiriram uma mobilidade crescente e acelerada pela possibilidade de fragmentação da cadeia produtiva.