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A exigência de competências é veiculada em publicações do mundo corporativo. Do site do governo brasileiro (www.portaldoempreendedor.gov.br) às publicações dos jornais de finanças e negócios (Diário Comércio Indústria & Serviços) podemos encontrar guias, cursos e questionários para saber, a partir da mensuração de certas habilidades, o quão competentes somos para determinado negócio. O discurso liberal-capitalista está no repertório dos mercados de trabalho e pode ser lido e traduzido nos manuais do SEBRAE e nos pôsteres de divulgação da missão (ou metas ou resultados) afixados nas empresas. Hoje, os trabalhadores sabem das condições de avaliação interna e de inúmeros processos avaliativos na seleção e contratação.

No contexto do liberal-capitalismo, o discurso neoliberal da gestão enfatiza a

autogestão nos mais diversos meios. Consecutivamente, também permeia as escolas nos

diferentes níveis de formação, conduzidos pelos princípios de avaliação. Isto significa dizer que os métodos de avaliação nas empresas se intensificaram durante o desenvolvimento do pensamento liberal-competitivo e no modelo de produção industrializado, conduzindo os discursos político, empresarial e educacional para enfatizar o direito à propriedade como condição necessária à liberdade e à democracia. A avaliação não só dá sentido às métricas de construção dos sentidos postos nos discursos como também reforça o processo legalista do modelo liberal.

No meio acadêmico6 a avaliação se encontra como sinônimo do desenvolvimento constante, ou grau de desenvolvimento (momentâneo), muitas vezes equacionado como a soma de várias habilidades individuais. No mundo corporativo, os manuais de desenvolvimento de competências e habilidades são quase guias normativos, aplicados para relacionar o comportamento à entrega de resultados (no perfil desenhado para a

6 O acadêmico definido neste trabalho é constituído pelos agentes do ensino superior, a constar: docentes e discentes das instituições de ensino superior (IES) atuantes nos processos de ensino- aprendizagem. São relacionados às atividades desenvolvidas no ensino superior e na pós-graduação. O Ministério da Educação e Cultura relaciona em seus documentos (vide portal mec.gov.br) áreas distintas: acadêmica e administrativa; essas são distinguidas pelas responsabilidades, cabendo-lhes os cuidados com as propostas e execução dos projetos políticos pedagógicos e administração de recursos necessários às atividades, respectivamente.

atividade na empresa). Dutra (2009) afirma ser um comportamento determinado e que se manifesta pela integração de “conhecimentos e habilidades na realização de tarefas” (DUTRA, 2009, p. 74); os resultados são orientados pela atualização (comparação entre processos), renovação (ampliação em determinada fase do processo, e valor (geração de valor para a empresa), e que são valorizados pela resposta proporcionada (idem: 73-76).

Neste sentido, admitindo a ampliação do escopo avaliativo sobre as tarefas na maioria dos processos, especialmente as atividades que demandam “qualificação especializada e tecnologia” para sua execução (CASTELLS, 1999, p. 260), e conforme a proposta de Terra (2005: 61-67) sobre as inovações nos processos de trabalho (em suas partes ou na integralidade), tornou-se perceptível a criação de valor (ou geração de valor) para auditorias gestoras, propostas de autoavaliação e avaliação pelos pares, entre outras. Por exemplo, numa situação em que um integrante de uma equipe, em que todos têm os mesmos recursos materiais e as mesmas orientações, é capaz de realizar uma tarefa em menor tempo, ou com algum diferencial, é comum que lhe seja atribuída uma habilidade a mais. Assim, quando um colaborador de uma empresa resolve uma situação – com alguma inovação – e resulta em benefício, há nítida percepção de agregação de valor. Em todos os ramos de atividade e em processos que envolvem a atuação direta de equipes sempre há ‘habilidades pessoais’ que diferenciam um profissional de outro e configuram sua competência no tema determinado.

O discurso do empreendedorismo traduz e sintetiza o conjunto oficioso de condições corporativas inseridas nos enunciados do mercado de trabalho na formação dos perfis. Ao serem exigidas pelas empresas, as competências causam o sentido de realidade profissional e de consumo, como num processo lógico, resultante da articulação das narrativas sobre a complexidade: nos cenários futuros há sempre a exigência de alta performance, autoqualificação continuada e iniciativa, entre outros. Tais condições são discursivizadas pelas lógicas sociais, a partir de diversos enunciadores (PRADO, 2013: 162) e atualizam os conteúdos dos discursos empresarial, científico e midiático.

Da mesma forma, as avaliações funcionam como instrumentos ativos do discurso da gestão (de aprender a aprender), modalizando as organizações sociais. Conforme pensa Althusser (in ŽIŽEK, 1996, p. 107), o sistema capitalista deve providenciar a mão de obra competente, “[...] apta a ser posta para trabalhar no complexo processo de produção”. Nesse aspecto, a lógica da avaliação por competências foi desenvolvida no interior dos

discursos do empreendedorismo e da gestão como elementos ativadores da palavra de ordem competitividade.

O funcionamento coeso do sistema de ‘aferição’ de competências é um modelo para definir o grau de liberdade pessoal, de expressão e, principalmente, a conduta de consumo da informação presentes no discurso liberal-capitalista. Das promessas progressistas de Adam Smith (1723 a 1790) à emancipação do sistema processual após o fordismo, os índices viabilizaram a manutenção ‘das regularidades’; e após a crise dos combustíveis passou a funcionar como um instrumento de cooptação da participação individual no desenvolvimento capitalista.

A sua forma de organização típica é a sociedade por ações (S.A.), cujas principais características são as seguintes: a propriedade do capital torna-se separada da gestão; aumento significativo do número de trabalhadores empregado no processo de produção e, também, uma grande ampliação das atividades de administração e de controle do capital (contabilidade) - e, por conseguinte, dos trabalhadores empregados para a realização dessas tarefas gerenciais. (MALDONADO, 2005, p.5).

Os sistemas de controle precisam da crença na avaliação para estabelecer os níveis de competição. O discurso liberal-capitalista usa as avaliações para proporcionar o disfarce necessário à oposição existente entre a liberdade individual e a propriedade privada. O aumento da produção, garantido pelas técnicas e equipamentos, foi criando necessidades de avaliações (uso do tempo e recursos materiais) que pudessem calibrar a sociedade aos novos pressupostos econômicos (idem, p.3-5). Além disso, a limitação do poder do estado na economia, iniciada ao final do século XIX, colaborou para garantir que propriedade privada continuasse com a minoria, mantendo o status quo, na mesma medida em que os direitos do cidadão do estado ser-lhe-iam garantidos quando cumpridos os deveres de consumidor. Essas ideias estão instituídas nas leis reguladoras e refletidas na realidade ‘banal’ com o propósito de garantir o privado7.

7 A questão da propriedade privada em Marx: abolir a propriedade privada para tornar o capital em propriedade coletiva. Ferracini, Luiz. Karl Marx ou a sociologia do marxismo. São Paulo: Lafonte, 2011.

As competências também são indicadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB8) como objeto final do ensino e, por isso, devem espelhar os instrumentos de avaliação/mensuração do aprendizado. A LDB define que a pessoa competente é a que busca mais que o conhecimento, pois precisará tomar decisões e agir conforme a complexidade da situação, caracterizando os saberes em uso. No texto da LDB para a educação básica e superior, a articulação de “[...] conhecimentos e habilidades para a resolução de problemas não só rotineiros, mas também inusitados em seu campo de atuação” (Seção IV – A, LDB) é condição explícita para os projetos de curso. Por isso, as instituições de ensino brasileiras, de forma geral, concentram esforços para desenvolver as habilidades e as competências necessárias às carreiras, dedicando-se a planejar cursos e organizar atividades que cumpram a função de preparo para o mercado de trabalho.

Podemos ler nos fundamentos do Conselho Nacional de Educação a proposta de reprodução da técnica exigida pelo mercado de trabalho, materializando nas práticas do governo a autonomia exigida pelos mercados. De fato, ocorre como se o discurso liberal- capitalista inventasse o jogo e as regras e dissesse ao Estado para preparar os jogadores. Exemplo disso encontra-se no texto do CNE, de onde emerge a principal força ideológica da atual hegemonia capitalista com os princípios econômicos do liberalismo, enunciando que todos podem melhorar de vida desde que se qualifiquem para o mercado. A proposta do Ministério da Educação é esta: como num ciclo, o mercado de trabalho busca profissionais qualificados e a educação valoriza as realidades presumidas pelo capital ao adotar os mesmos princípios. Discutiremos um pouco mais a incidência do discurso liberal-capitalista na educação brasileira ao final deste capítulo.

As empresas passaram a exigir trabalhadores cada vez mais qualificados. À destreza manual se agregam novas competências relacionadas com a inovação,

a criatividade, o trabalho em equipe e a autonomia na tomada de decisões,

mediadas por novas tecnologias da informação. A estrutura rígida de ocupações altera-se. Equipamentos e instalações complexas requerem trabalhadores com níveis de educação e qualificação cada vez mais elevados. As mudanças aceleradas no sistema produtivo passam a exigir uma permanente

atualização das qualificações e habilitações existentes e a identificação de novos perfis profissionais. (Parecer CNE/CEB Nº16/99, p. 4) (grifos nossos).

O ideal de liberdade de mercado difundido no discurso liberal delimitou o trabalho, acondicionou sua severidade nas competências disciplinares e o inseriu no senso comum das sociedades capitalistas como um complemento à qualidade de vida. Assim, a acumulação flexível – do ponto de vista econômico – é tratada no meio educacional como uma relação harmoniosa entre o capital e o trabalho, fazendo com que este último seja resultado do desenvolvimento das sociedades. Como afirmou Foucault (2008: 159-160), a reprodução e a avaliação servem à causa da vigilância do Estado pelo mercado. Conforme orientações do Ministério da Educação, os projetos de cursos precisam articular conteúdos e atividades práticas para a educação. O resultado dos programas deve orientar a formação para os mercados.

Esta preocupação do MEC é indicada em capítulo específico dos níveis e modalidades de educação e ensino no país, e foi considerada como um fator estratégico nacional para aumentar o desempenho em todas as áreas. O capítulo de competitividade e de desenvolvimento humano, constante no mesmo parecer do CNE, indica a nova ordem econômica mundial como benefício a conquistar e situa a visão institucional brasileira na preocupação pela formação de profissionais competitivos, capazes de acompanhar as transformações do mundo do trabalho com o uso das tecnologias. Além disso, a educação profissional resulta de um ‘estatuto moderno e atual’, conferido pelas instituições da indústria e comércio, tanto no desenvolvimento econômico e social quanto em sua relação com os níveis da educação escolar definidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira.

Corroborando as questões discutidas sobre o empenho formativo, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), os conselhos e federações profissionais, regionais e nacionais, da indústria e comércio se dedicam, da mesma forma, a multiplicar os valores relacionados ao desenvolvimento de competências.

O SEBRAE publica manuais orientando os empresários a como verificar competências, disseminando um conjunto de informações sobre avaliações de desempenho, considerado essencial para a competitividade. São instrumentos para a verificação dos valores admitidos pelo mundo corporativo em seus segmentos, como os

serviços, o comércio e a indústria, a fim de verificar perfis genéricos, ocupacionais, específicos e gerenciais. Algumas dessas informações são ponderadas e outras são muitas vezes utilizadas à risca pelos veículos de comunicação.

Com o foco no ‘empreendedor individual’, o ‘mundosebrae.com.br’ dá dicas de regularização, comercialização, ganho, descoberta de oportunidades, entre outros temas com o foco nas habilidades empreendedoras. Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) mantém uma diretoria exclusiva de educação e tecnologia, responsável pelas atividades do SESI, SENAI e IEL (Instituto Euvaldo Lodi, dedicado ao primeiro emprego). Estas frações da CNI se ocupam com a qualificação básica para os setores, com a inovação e o desenvolvimento de novos negócios.