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2 DOS DISCURSOS QUE NOS PAUTAM

2.3 O DISCURSO DO JORNALISMO SINDICAL

Foi quando os ventos da democracia ensaiaram seus primeiros sopros, no fim da década de 1970, que os temas sindicais passaram a ocupar, vertiginosamente, a cena midiática. Nesse quadro político, os únicos que ousaram driblar o clima de terror imposto na imprensa naqueles mais de vinte anos de Ditadura Militar, dando vasão a acontecimentos e assuntos que potências jornalísticas – como os veículos da Rede Globo - preferiam (convenientemente) não ver, porque temiam a censura e o forte poder repressivo do Estado, foram os jornais alternativos ou nanicos. O Pasquim, provavelmente o mais famoso deles, fundado em junho de 1969, vendeu mais de dez mil exemplares na sua primeira edição, sendo que seis meses depois, esse número saltou para 100 mil (CHINEM, 2004).

A incipiência das organizações sindicais e a sua cooptação por parte do Regime também atravancou a presença das problemáticas sindicais nos grandes veículos do país. A ascensão, com efeito, ocorreu quando a classe trabalhadora passou a se estruturar em federações e confederações, por categoria e por grandes regiões, nos anos de 1980 (FERREIRA, 1988). “Com desenvoltura econômica ampliada, os sindicatos organizam de maneira mais eficiente seus departamentos de imprensa e, com isso, abrem o mercado para jornalistas profissionais” (SCHUSTER, 2011, p. 59).

A efervescência do período não permitia mais um trabalho colaborativo, militante. Foi na onda das greves – episódios que representaram o estopim de uma retomada política do movimento sindical – que os “fazedores de notícia”, tanto aqueles que estavam no meio sindical, quanto aqueles que tinham postos nos jornais, revistas, rádios e canais televisivos da época, puseram-se em marcha pela busca da informação sindical (ou relativa a ela).

Observamos que, de lá para cá, as metamorfoses sociais, econômicas, sindicais e, inclusive, comunicacionais, foram significativas. A informação foi parar na rede mundial de

computadores, a internet (fim dos anos 90). Quanto ao sindicalismo, ele granjeou latitudes inesperadas: do seu ventre vieram a Central Única dos Trabalhadores (1983), a maior do Brasil; o Partido dos Trabalhadores (1980), um dos mais expressivos em termos de filiados do espectro político nacional; Luiz Inácio Lula da Silva, ex-sindicalista que, por duas vezes, foi eleito presidente da República (2002 e 2006); e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (1984), que poucos anos depois de fundado seria considerado o maior movimento camponês do mundo (GIANNOTTI, 2007).

Na esteira de todas essas transformações, os temas sindicais passaram a perfurar a agenda midiática regidos por princípios um tanto diferentes dos do passado. Muito por consequência da evolução tecnológica, tomadas de posição do movimento sindical começaram a ser fruto de uma ação mais ativa – seja ela consciente ou inconsciente – dos atores sociais engajados no ato comunicativo. A convergência ampliou o leque de valores notícias na captação dos assuntos sindicais.

Mas, afinal, o que entendemos por jornalismo sindical? Trata-se de um tipo de jornalismo especializado, que dialoga com um público específico, normalmente, cindido em classes, que, de acordo com Giannotti (1998), têm estilo de vida, valores, história, cultura, futuro e linguagem particulares. Num veículo patronal, por exemplo, as informações receberão um tratamento que, a priori, em quase nada fará com elas se pareçam (em termos editoriais) com o dado por um dispositivo midiático de trabalhadores.

O fosso que separa estas duas categorias (patronato e trabalhadores) se concretiza mesmo é no discurso. O jornalismo sindical – e neste estudo nos centralizaremos no jornalismo sindical direcionado aos trabalhadores – tem uma comunicação (e discurso) própria, “[...] que espelha conjunturas e por elas é condicionada” (ARAÚJO, 1998, p. 65).

Historicamente, esse discurso só ganhou “nome” de jornalismo quando no Brasil iniciou a abertura política (1985). Foi neste momento que as organizações sindicais romperam com as amarras impostas pela Ditatura Militar e deram seus primeiros passos em direção de uma maior profissionalização jornalística.

As técnicas, agora trazidas por peritos no assunto, amadureceram um patrimônio de processos editorais que iniciaram logo que o sindicalismo despertou no país, por volta de 1850, data que marca a primeira fase do movimento sindical urbano (PEDROSO, 1988). Ferreira (1988, p. 54), inclusive, disponibiliza uma seriação acerca da institucionalização da imprensa operária57 brasileira. A etapa inicial foi impulsionada pelos anarcosindicalistas -

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Ferreira (1988, p. 06) afirma haver distinção entre imprensa operária e imprensa sindical. A primeira não pode ser reduzida à segunda. “O que resulta de significativo na existência da imprensa operária é o fato de que ela

corrente ideológica que estava na proa do movimento operário à época - e pela ausência de partidos políticos. Na segunda, nasce o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, com ele, uma intensa politização dos sindicatos. É quando a imprensa operária prioriza a atuação partidária. A terceira, iniciada pós-1968 e consolidada a partir de 198058 é “[...] uma imprensa que se apresenta como porta-voz do sindicato, mantendo uma razoável distância dos partidos políticos operários”.

A produção jornalística sindical foi “[...] capaz de ter e fazer história” (ARAÚJO, 1998, p. 65). Dados apurados por Santiago e Giannotti (1997) indicam que em 1994, só em São Paulo, sindicatos cutistas editavam dois milhões de boletins/jornais por semana ou 400 mil/dia. Tiragem de causar inveja até mesmo à Folha de São Paulo, que em 1993 fazia circular, em média, 420 mil exemplares/dia59.

Para trás ficaram as folhas mimeografadas, os jornais murais, feitos artesanalmente pelos dirigentes sindicais, mas não o discurso do jornalismo sindical, que seguiu alçando voos cada vez maiores. A pesquisa de Araújo (2009, p. 17) revela, amparada em números divulgados pelo Censo 2001, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) “[...] que cada sindicato brasileiro utiliza, em média, cinco modalidades de comunicação para informar seus associados e a opinião pública [...]”.

Nas “entrelinhas” desse discurso, todavia, ainda há resquícios de temporadas passadas. No modus operandi do jornalismo sindical é comum a mistura do trabalho de natureza jornalística com aquele relacionado a outros campos da comunicação, tal qual a assessoria de imprensa (ARAÚJO, 1998). Essa sobreposição – que é própria das condições de produção do segmento sindical – reverte-se, muitas vezes, num discurso que privilegia um único ponto de vista. As vozes dissonantes são deixadas de lado e, com isso, o panfletarismo volta à tona, questionando se a produção sindical é, de fato, jornalística ou não.

estará sempre ligada a alguma organização da classe trabalhadora – seja partido, sindicato ou qualquer outra espécie de agremiação – circulando de maneira diferente da imprensa burguesa, ou grande imprensa. O veículo de comunicação da classe trabalhadora – quer seja representante de sindicato ou de partido – não tem proprietário, e sua mensagem não é uma mercadoria a ser consumida; seu conteúdo é resultado do conjunto de informações, preocupações, propostas, etc. produzido pela coletividade e para ela mesma”. Nós procuramos não entrar no mérito de tais nomenclaturas, embora deixamos claro que nos dedicaremos – em função de nosso objeto empírico, que é a Revista do Brasil – à análise do discurso de um veículo voltado aos interesses da classe trabalhadora.

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Para Ferreira (1988), a imprensa operária até então – ano da publicação da obra Imprensa operária no Brasil – estaria imbuída das características da terceira fase.

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A Folha de São Paulo segue sendo o jornal de maior tiragem do Brasil, hoje com 297.927 exemplares, nos dias úteis, de acordo com o Grupo Folha, 2015, http://www1.folha.uol.com.br/institucional/circulacao.shtml.

A fundação do PT, em fevereiro de 1980, é o que hoje mais faz recobrar a matriz discursiva de 192260. “No sindicalismo em geral (e no caso brasileiro em particular) o discurso tem uma característica de instrumento de divulgação dos objetivos políticos e da visão de mundo defendida por pessoas ou agrupamentos ideológicos que detém o poder” (VIEIRA, 2000, p. 03).

No afã de expandir sua audiência, o jornalismo sindical invadiu jornais, revistas, programas de rádio e televisão, sites, boletins eletrônicos, redes sociais na internet. Segundo Santiago e Giannotti (1997), os destinatários da comunicação sindical são aqueles 94,6% da população que não lê jornal. Ou porque faz parte daquela camada que não tem acesso a quase nada (direito à saúde, educação, moradia...) ou, mesmo com algum poder financeiro, não tem como hábito a leitura. É provável que a cartografia social do nosso país tenha se modificado bastante nestes quase vinte anos61, só que é circunscrito ao imaginário desse indivíduo que o discurso jornalístico sindical acostumou-se a se estruturar. Contestando a suspeita de Santiago e Giannotti (1997), percebemos, nós, que essa prática pouco deve às capacidades ou incapacidades das distintas categorias de trabalhadores, mas sim, ao seu insistente teor doutrinário.

A fala jornalística sindical é restrita, não é feita para milhões ao mesmo tempo. Como ressaltamos há pouco, a conversa tem por praxe ser ao “ao pé do ouvido”, ora com o engenheiro, ora com o trabalhador da construção civil. Mais que uma questão de escolha, essa é uma condição discursiva que obriga o jornalismo sindical a responder às disparidades que existem no interior de uma mesma categoria (intelectuais, sociais, econômicas) e que a lógica produtiva capitalista classifica como “funções”.

A exceção a essa “fala mais intimista” decorre do tipo de jornalismo que uma central sindical ou uma confederação de trabalhadores (do comércio, da metalurgia, da saúde, dos servidores públicos federais...) serve-se para informar ou dezenas de tipos de trabalhadores ou trabalhadores de uma mesma categoria esparramados por diversos cantos do país. Aí torna-se inevitável que a tábula midiática tenha uma propositura editorial mais abrangente, tal qual é a do Jornal dos Trabalhadores62. Ainda assim, há códigos discursivos que unem tanto o Jornal

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A origem do Partido Comunista do Brasil – como primeiro foi batizado – é 25 de março de 1922. O PCB é a sigla política com maior tempo de atividade no país.

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Nosso registro faz menção à data de publicação do livro de Santiago e Giannotti,1997.

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O Jornal dos Trabalhadores (JT) é um programa diário de rádio, iniciado em maio de 2004, com uma hora de duração e produzido pela CUT São Paulo e veiculado pela rádio católica Nove de Julho, da Arquidiocese de São Paulo. Em 2006, o JT foi alvo de um projeto de extensão e passou a rodar também na região Metropolitana de Campinas, pelas ondas da Rádio Brasil AM, de Campinas. A partir de maio de 2007, uma parceria entre a CUT Campinas e a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) fez com que o programa, com inserções de notícias regionais e uma edição especial local aos sábados, passasse a ser transmitido por várias

dos Trabalhadores, o Folha Bancária63, quanto a Revista do Brasil, para nos aproximarmos de nosso objeto64.

Honradas as particularidades de cada meio, a informação sindical, que lida com um matiz de situações que vão da economia, desde reivindicações salariais até mudanças cambiais; passam pela política, como a desvinculação de uma Central para filiação em outra ou a aprovação de uma nova lei trabalhista no Congresso Nacional; podendo estacionar numa agenda cultural, como a sugestão de um espetáculo de teatro infantil gratuito que conscientiza sobre o uso da água, precisar trajar-se de uma linguagem clara, concisa e objetiva. Não é estribilho jornalístico o que estamos postulando.

O texto tem de ser palpável, concreto. “Do mesmo modo que é concreta a ferramenta, uma janela, um motor. Não dá para escrever grandes elucubrações, cheias de nuanças e ironias, de subentendidos. Não dá para simplesmente sugerir tal ou qual idéia”. (GIANNOTTI, 1998, p.21). Sem especificar o expediente jornalístico, Vieira (2000) acusa que no “papel” não é o que se tem visto. O tom é hermético e o linguajar plagia teses revolucionárias.

O levantamento do autor provou haver uma elisão da dimensão subjetiva dos receptores no discurso jornalístico sindical. Como consequência imediata, tem-se uma dificuldade ainda maior, por parte do homem, do trabalhador, de entendimento da realidade em que está inserido. Vieira (2000, p. 04) acredita que registros simbólicos seriam mais profícuos na solução desse problema.

Se o discurso sindical possui uma identificação com o processo de construção do imaginário dos trabalhadores, torna-se necessário trabalhar esta questão, como uma possibilidade de melhorar o processo de comunicação, buscando as potencialidades dialógicas que possam produzir sentidos e mediar os significados presentes na complexidade e nos conflitos que caracterizam a atual sociedade. (VIEIRA, 2000, p. 04).

A vontade de querer fazer saber, peculiar ao discurso jornalístico, é tão ou maior no discurso do jornalismo sindical, que pretende formar e aglutinar. De nada adianta fazer a

rádios comunitárias. A iniciativa foi difundida para outros Estados e, atualmente, centenas de rádios comunitários reproduzem o JT diariamente. Com informações do site da Abraço SP, disponível em: http://abracosp.blogspot.com.br/p/jornal-dos-trabalhadores.html.

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A Folha Bancária, além de ser o principal expediente informativo do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, é um dos mais antigos veículos da imprensa sindical. É bissemanal, possui quatro páginas e a tiragem é de 100 mil exemplares. As informações estão disponíveis no site do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, disponpivel em: http://www.spbancarios.com.br/Pagina.aspx?id=260.

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A Revista do Brasil será alvo de um estudo mais aprofundado no Capítulo 4. Reportamo-nos a ela, aqui, a título de estabelecer um comparativo, como fizemos no subcapítulo anterior, quando cotejamos o discurso do jornal com o da revista.

simples portabilidade desse discurso, do jornal para a revista, da revista para o Twitter ou Facebook, se as redações sindicais não se curarem da “chaga” do determinismo político/ideológico, que, no mínimo, atrapalha a produção de um discurso que possa mudar a vida do trabalhador.

A informação sindical é, portanto, subordinada ao político tanto quanto no do jornalismo de revista, para traçarmos um paralelo direto com Veja, e de uma forma muito semelhante, já que não há renuncia à objetividade.

No ar descomprometido do falar sindical, bramam vozes – tais quais as dos editores, das rígidas linhas editorias – de dirigentes sindicais, cujo desejo não confesso é o de firmar uma versão unívoca dos fatos. E, se do lado de lá do balcão – da grande mídia - os encaminhamentos jornalísticos se dão nos padrões industriais, em que a hierarquia clássica é a de “um manda e os outros obedecem”, do lado de cá, seja na saleta do solitário assessor de imprensa ou onde a estrutura é quase a de uma publicação como Veja65, o esquema não é diferente. “O autoritarismo exercido pelas direções na administração das entidades sindicais não se dá apenas no setor de comunicação. É comum verificarmos dirigentes de sindicatos ´combativos` [...] agindo como o mais retrógrado patrão, quando negocia questões salariais ou trabalhistas com os “seus” funcionários”. (VIEIRA, 2000, p. 05).

A relação vertical realizada dentro dos sindicatos não é o único fator que faz eco no discurso jornalístico sindical. Araújo (2009) aduz a falta de concepção que dirigentes têm em torno da informação. Como “árbitros”, eles sentenciam o que sai e como sai determinado assunto. Fazem seguir, à risca, o que no jargão jornalístico se define como pensata (FRANÇA, 2013, p. 94): “Define-se previamente a matéria, cabendo aos repórteres buscar declarações que ajudam a tornar aquelas suposições ‘reais’”.

À vista de toda essa topografia discursiva, podemos avalizar que pouco deste alegado poder monolítico e manipulatório do jornalismo comercial (como o da revista Veja) não se vê também no jornalismo sindical. O discurso dominante converte-se em dominador.

Isto porque a produção das entidades busca apenas emitir um "sinal contrário", não levando em conta o imaginário dos seus receptores, tratando-os como objetos e não como sujeitos de um processo de transformação social. Postura aliás muito próxima daquela desenvolvida nas grandes corporações midiáticas. (VIEIRA, 2000, p. 06).

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Santiago e Giannotti (1997, p. 30, grifo dos autores), em tom irônico, diziam na década de 1990, que a CUT é uma coitada. “Só tem a segunda redação do País! Maior do que a redação cutista, só a das Organizações de Roberto Marinho”. Os autores afirmam que, em âmbito nacional, a CUT dispõe de mais de 600 jornalistas.

A singularidade do fenômeno jornalístico sindical consistiria na consolidação de uma “contra-informação”66

. E a dica de Araújo (2009) para que o discurso jornalístico sindical fuja da padronização (da imprensa comercial), do panfletarismo, dos posicionamentos ufanistas e atinja esse patamar passa por investimento em credibilidade. A mídia sindical, se quiser “fazer crer que o que é dito é verdadeiro” (CHARAUDEAU, 2012, p. 90), terá que repensar algumas regras do jogo da verdade que convida a jogar.

De imediato, a interpretação que o discurso jornalístico sindical faz de si mesmo ainda reclama um cotejamento das informações franqueadas pela tão repreendida mídia “tradicional” para ser digno de fé. Progressos foram feitos, mas não o suficiente para que esse discurso rompa completamente com a pecha de muleta político-partidária.

Quanto à Revista do Brasil, não podemos afirmar se sua identidade singular (por se apresentar num formato jornalístico, por editorialmente e financeiramente ser de responsabilidade de um coletivo de sindicatos cutistas...)profecia evolução nesse quadro. Por ora, ratificamos apenas que o jornalismo sindical é um discurso e um modo de conhecimento e convencimento; é seccionado em classes e categorias; nem sempre tem uma periodicidade tão rígida; nem sempre possui uma identidade visual; mantém vestígios do “sindicalês”; a relação é feita com um leitor coletivo; as temáticas são voltadas ao trabalho, à política e à economia; sujeita-se a interesses institucionais, às vezes político/partidários; favorece à formação de opinião, com vistas à ação.

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A contra-informação atuaria como um componente essencial da luta de classe, aumentando o entendimento dos trabalhadores para a necessidade de uma "nova informação" (VIEIRA, 2000).