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CAPÍTULO II: NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL EM TEMPOS DE

2.2.2 O discurso da qualidade total

Uma grande maioria aceita a terminologia qualidade como se fosse resolver todos os empecilhos educacionais. Há uma espécie de fluxo contrário em torno da qualidade. É um termo usado costumeiramente por especialistas das administrações educacionais e pelos organismos internacionais. Segundo Enguita (1995: 98) as propostas atuais fazem referência a qualidade como ação que busca “conseguir o máximo resultado com o mínimo custo”. Esta é uma lógica empresarial do mercado que quer verificar os índices de qualidade com a finalidade da competição.

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A noção de qualidade não pode ser demonizada. O problema não é sua existência, mas sim, a posição que assume na sociedade capitalista. Em determinadas situações a qualidade na educação pode se justificar26. A qualidade da educação somente pode ser verificada se há um consumo da escolarização27, sendo que as formas mais usuais e comuns de se medir a qualidade são: retenção, promoção, egressos, comparações internacionais de rendimento escolar.

O movimento em favor de um ensino mais ativo, mais participativo, mais centrado nos interesse dos alunos, etc., pode explicitar-se, em parte, em virtude desse processo e deve-se entender, de qualquer forma, como um movimento centrado nos aspectos qualitativos do ensino ou caso se prefira, a favor da melhoria da qualidade da educação. (ENGUITA, 1995: 98).

A visão de Qualidade Total caracteriza a educação e a escola como mercados, onde os educandos/as e os pais/mães se tornariam os consumidores/as desse mercado do saber e o direito a educação se atrelaria a ótica de qualquer mercadoria a venda. A tendência é mostrar números e não a verdadeira qualidade/realidade do sistema educativo.

O discurso oficial afirma que o crescimento líquido e o desemprego em massa são responsabilidades da educação ou, se quiser, da má qualidade dela. Na concepção de Enguita (1995: 103) tenta-se com isso vender a idéia de que “o fenômeno do desemprego é culpa dos

indivíduos, os quais não souberam adquirir a educação adequada ou dos poderes públicos que não souberam oferece-la”.

Além disso, a idéia de qualidade se conceitua no cenário público com a derrota de uma possível igualdade educacional. A ideologia do mercado realizou nos anos 80 uma ofensiva contra as políticas igualitárias. A qualidade está intrinsecamente ligada a idéia de meritocracia

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É muito comum se ver nos manifestos sindicais da categoria a luta por uma Escola Pública, Gratuita e de Qualidade. A luta pela qualidade de ensino adquire uma face de compromisso com a educação pública e gratuita, onde todos/as tenham direito de acesso. Aqui, a terminologia qualidade pode ser entendida numa esfera de compromisso com a coisa pública.

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O Ministério da Educação, as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação estão acostumados a entender consumo da escolarização em duas etapas. A primeira, oferecendo o ensino público e gratuito a todos os setores da sociedade, ou seja, universaliza-se a educação. A segunda refere-se a uma proposta de educação qualitativa. Os discursos sempre mostram estas duas faces do consumo do ensino no Brasil, mas nem sempre o discurso condiz com a realidade. Pode-se analisar os programas governamentais do Governo Federal nos anos 90 sempre voltados para mostrar números, ou seja, se não existe evasão escolar há qualidade de ensino, se não existe repetência há qualidade etc. Analisam-se os dados estatísticos a fim de comprovar a suposta qualidade de ensino.

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que deve estar presente na escola. Veja-se nas palavras de Gohn (2001b: 99) o que vem acontecendo nos estados, entre eles, como já foi citado, o de Goiás.

Observa-se nas políticas educacionais que o significado da propalada ‘educação com qualidade’ se reduz ao pedagógico curricular: o rendimento escolar, ou seja, o nível de domínio do conteúdo curricular ensinado nas escolas. Por isso, os exames nacionais classificatórios como Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Provão para as universidades, e outros, ganham centralidade, pois eles serão os indicadores de tal qualidade.

Segundo Enguita (1995: 107) o discurso da educação é alimentado pela linguagem do mercado. “O que a expressão – qualidade – conota é que algo distingue um bem ou serviço dos

demais que o mercado oferece para satisfazer as mesmas ou análogas necessidades”.

Numa sociedade que prima à competitividade somente os melhores triunfarão. Por isso, as estratégias para superar a crise de qualidade foram a elaboração de mecanismos de controle de qualidade baseados em mecanismos empresariais (mérito e competição). E, também, articulou-se a produção do sistema educacional para o mercado de trabalho.

E ainda, Gohn (2001b: 117) apresenta que as reformas em todos os setores e, também, na educação...

(...) são processos políticos e também comunicacionais e culturais: para promoverem melhorias substantivas dependem de projetos emancipatórios e das culturas organizacionais existentes. Tratá-las como instrumentos administrativos, fundadas em racionalidades econômicas para reduzirem custos, é um grave equívoco e uma mistificação: não geram melhorias e muito menos cidadania. Seus impactos para uma educação de qualidade são nulos, elas se resumem a um cabedal de dados e cifras estatísticas.

Sendo o neoliberalismo uma junção entre o liberalismo econômico que apregoa a supressão da memória histórica das lutas populares de resistência e o conservadorismo cultural que, também, busca o mesmo objetivo, a educação se molda a partir destes referenciais de qualidade total, ficando anulado a possibilidade de uma educação pública de exercício da democracia e da cidadania.

A educação é alvo estratégico dessa ofensiva precisamente porque constitui uma dessas principais conquistas sociais e por que está envolvida na produção da memória histórica e dos sujeitos sociais. Integrá-las à lógica e ao domínio do capital significa deixar essa memória e essa produção de identidades pessoais e sociais precisamente no controle de quem tem interesse em manipula-la e administra-la para seus próprios e particulares objetivos. (SILVA, 1995: 28).

O papel da escola se transforma em mercado alvo para os produtos, em mercado alvo para os meios de comunicação de massa e em canal de transmissão da doutrina liberal. A associação neoliberal entre educação e mercado se confirma nas palavras de Silva (1995: 18):

(...) a estratégia liberal de retirar a educação institucionalizada da esfera pública e submete-la às regras do mercado significa não mais liberdade (a palavra fetiche da retórica neoliberal) e menos regulação, mas precisamente mais controle e governo da vida cotidiana na exata medida em que a transforma num objeto de consumo individual e não de dimensão pública e coletiva.

O neoliberalismo transforma, na esfera educacional, as questões inerentes à política e ao social em questões técnicas, ou seja, o discurso se volta para uma lógica dos contrários como eficácia/ineficácia na gerência e administração de recursos humanos. O reducionismo do discurso é atribuído a uma melhor gestão e administração, a uma reforma de métodos de ensino que condiga com o crescimento da qualidade de ensino que venham suprir os conteúdos curriculares inadequados.

Não se trata em privatizar somente a educação, mas em atrela-la ao mercado. O papel do Estado seria o de entregar o financiamento nas mãos dos pais dos alunos/as e estes escolheriam (idéia da livre escolha) a melhor escola para seus filhos/as. Daí, o discurso gira em torno da produtividade, qualidade total e da eficiência da escola, visto que terá que entrar no mercado de livre concorrência a fim de conseguir consumidores/as. A pergunta é: A quem servirá esta produtividade e a eficiência? Silva (1995: 21) aborda que “a verdadeira escolha consistiria em

poder rejeitar a própria idéia de qualidade total, o que eqüivaleria a rejeitar toda a noção neoliberal de educação”. É preciso alertar que os objetivos empresariais na educação são o lucro

e sua expansão. O ambiente da educação torna-se um foco expansionista da lucratividade e da abertura de mercados que tornar-se-ão cada vez mais competitivos.

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A mercantilização da educação se dá pela via da competitividade como pressuposto básico de lucratividade para as empresas. Ainda Silva (1995: 25) percebe que “as soluções

propostas pela visão empresarial tendem a amarrar a reestruturação do sistema educacional às estreitezas necessidades de treinamento da indústria e do comércio”. No neoliberalismo, os

únicos a sofrerem as drásticas conseqüências deste esquema reformista do cenário educacional são os da classe subalterna, os excluídos/as de ontem, de hoje e do amanhã. Já a classe dominante continuará protegendo seus interesses educacionais e culturais, mantendo a desigualdade como fator essencial de permanência do status quo.

Para Frigotto (1995: 34) “a crise do capitalismo se traduz na mudança dos homens de

negócio face à educação e a segunda pela idéia de fim da sociedade do trabalho”. Os homens de

negócio são espécies de apologetas da sociedade de conhecimento do mundo moderno. A idéia de fim cerca a realidade mundial – fim das utopias, fim das classes e do proletariado e fim da

história – se baseiam em teses conservadoras (Fukuyama, 1992), produzindo uma morbidez

social a partir de previsões escalotológicas, profecias, culto ao irracionalismo e posturas de cinismo generalizado.

A sociedade de conhecimento sem classes opera a partir do nível ideológico e apologético. O discurso e a prática transformam o proletariado em cognitariado28. A escola adquire um papel, extremamente, redentor e/ou salvador, destinado a solucionar os problemas sociais, econômicos, religiosos, políticos, morais, éticos e culturais que se criam na sociedade.

Toffler (1985) analisa o fim da divisão do trabalho e das classes sociais frente aos novos tecnicismos que surgem na sociedade contemporânea a partir da década de 70. E, a partir da década de 90, é que os grupos privados começam a se preocupar com as posturas trazidas a tona pelo neoliberalismo. A educação assume as novas reconversões tecnológicas (robotização e informatização). Essa educação se preocupa em qualificar os homens e mulheres para que tenham condições de assumir as novas tecnologias em curso. Os sistemas educativos são ajustados para esse único fim. Os empresários, homens de negócio, ligados aos mentores dessa transformação continuam a velha prática de “apadrinhamento”, tão comum no Brasil. A qualificação oferecida

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A respeito do cognitariado. Seu surgimento se constitui uma forma ideológica de caráter substitutivo em relação ao proletariado, segundo a teoria de Toffler (1980).

pelo empresariado brasileiro busca moldar e fabricar um tipo ideal de trabalhador/a. E, há muito tempo, isto preocupa as lideranças políticas e empresariais.

A investida para se implantar os critérios empresariais de eficiência, de qualidade total, de competitividade em áreas incompatíveis com os mesmos, como educação e saúde, desenvolve-se hoje dentro do setor público. (FRIGOTTO, 1995: 49).