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Texto escolar e discurso reportado

3 DISCURSO REPORTADO

3.1 Discurso reportado em dicionários e gramáticas

Para caracterização do DR em dicionários, têm-se Houaiss (2001) e Camara (2002). Nas gramáticas, recuperamos as definições encontradas em Bechara (2005), Cunha; Cintra (2007) e Laurent; Delaunay (2012). Todavia, apenas nesta última, houve identificação do termo DR. Em Houaiss, há utilização do termo discurso relatado. Nos demais, dada a ausência dos termos DR e discurso relatado, procuramos as definições de DD, discurso indireto (DI) e discurso narrativizado (DN). Conforme Laurent; Delaunay (2012, p. 298),

[...] falamos de discurso reportado quando o discurso enunciado por um locutor é

reportado por um outro locutor [...]. Distinguimos cinco tipos de discursos

reportados: o discurso direto, o discurso indireto, o discurso indireto livre, o

discurso direto livre e o discurso narrativizado” (Grifos dos autores) 32.

Das formas de DR que constam nessa gramática francesa (2012), concentramo-nos sobre o DD, DI e DN por constarem em nossos dados. O “discurso direto cita as falas

32 « On parle de discours rapporté lorsque le discours tenu par un locuteur est rapporté par un autre locuteur.

[...]. On distingue cinq types de discours rapportés: le discours direct, le discours indirect, le discours indirect

pronunciadas por um locutor sem modificá-las. Ele é a forma mais fiel da representação do discurso do outro” (2012, p. 299, grifos dos autores)33. Em termos gráficos, é acompanhado por aspas ou, no caso do diálogo, precedido por travessão. Quanto às marcas enunciativas, há os pronomes pessoais, tempos verbais, indicações de tempo e lugar do discurso de origem, e não as palavras daquele que o reporta. No geral, o DD é acompanhado por verbo de fala (dicendi) ou de pensamento (sentiendi) que pode aparecer no início, após ou no meio do DD, como exemplifica Laurent; Delaunay (2012, p. 299, sublinhados dos autores e itálicos nossos):

O camareiro respondeu: “Senhora está em seu boudoir34”.  “Senhora está em seu boudoir”, respondeu o camareiro. “Senhora, respondeu o camareiro, está em seu boudoir”35.

Conforme Laurent; Delaunay “nestes dois últimos casos, utilizamos uma proposição incisa, ou seja, uma proposição formada por um verbo e por um sujeito inverso, e que serve para atribuir as falas (ou os pensamentos) a um outro locutor” (2012, p. 300, grifos dos autores)36. Em nossos corpora, identificamos ocorrências semelhantes:

A mãe falou quem quebrou meu vaso (IN_H4);

Ele disse eu não sei se você pode morar comigo (MS_H6);

Você vai ter que andar 2 horas ou vai ficar de castigo a mãe má falou (IN_H5); Um dia o dragão pediu para o sol para emprestar um pouco do seu fogo o dragão

disse para o vulcão (MS_H8); Tudo bem falou Pedro (IN_H7).

Ao contrário do que ocorre nos casos de incisa citados em Laurent; Delaunay (2012), nos textos das alunas identificamos apenas uma ocorrência de inversão entre sujeito e verbo (IN_H7). Apesar desta não inversão nos demais enunciados (IN_H5 e MS_H8), todos estão

33 « Le discours direct cite les paroles prononcées par un locuteur sans les modifier. Il est la forme la plus fidèle

de la représentation du discours d’autre ».

34 Segundo o dicionário francês Larousse, « Boudoir, petit salon élégant, qui était à l'usage exclusif des femmes

(remonte à l'époque Régence) ». Em Português, “Boudoir, pequeno salão elegante, que era de uso exclusivo das mulheres (remete à época da Regência)”.

35 Le valet de chambre répondit : « Madame est dans son boudoir ».

« Madame est dans son boudoir », répondit le valet de chambre. « Madame, répondit le valet de chambre, est dans son boudoir ».

36 « Dans ces deux derniers cas, on utilise une proposition incise, c’est-à-dire une proposition formée d’un verbe

sendo considerados como DD acompanhados por incisa. Além deste aspecto, nas histórias de ambas as díades, não há presença de aspas para delimitar o DD. É importante destacar que há, igualmente, DD sem a presença de verbo introdutor e/ou incisa.

De modo similar a Laurent; Delaunay (2012), Houaiss (2001) define o DD como reprodução das palavras de alguém por parte do narrador, conservando sua forma de expressão (pronomes, tempos verbais) e atualizando um fato. Este discurso ainda se caracteriza pela presença de verbos dicendi que podem vir no começo, no meio ou no fim do enunciado reproduzido, além de ser acompanhado por recursos gráficos (dois-pontos, aspas, travessão).

No DI há incorporação das palavras de uma terceira pessoa ao discurso do narrador, acompanhada pela transformação destas palavras em uma oração subordinada substantiva, ligada através de conetivo “que” ou “se”, ou na forma de uma reduzida de infinitivo, após um verbo dicendi. O DI se caracteriza pela troca de marcas de pessoa, tempos verbais, advérbios de lugar. Em seu dicionário de linguística e gramática, Câmara (2002, p. 99) diz:

Em sentido restrito, o discurso é a “reprodução que se faz de um enunciado atribuído a outra pessoa” (Nascentes, 1946, 37). Pode ser: 1) discurso direto, também dito ESTILO DIRETO, quando o narrador repete esse enunciado nos termos exatos em que foi feito; 2) discurso indireto, também dito ESTILO INDIRETO, quando o narrador transmite o conteúdo do enunciado com suas palavras.

Os aspectos formais do DD e DI também estão presentes nas gramáticas de Cunha; Cintra (2007) e na de Bechara (2005). Este último, ao fazer referência às “normas textuais para nos referirmos no enunciado às palavras ou pensamentos de responsabilidade do nosso interlocutor” (2005, p. 481), define o DD como reprodução (ou suposição de uma reprodução) fiel e textual tanto de nossas palavras, quanto das palavras de nosso interlocutor com o auxílio de verbos dicendi ou sentiendi, separadas - no diálogo -, geralmente por travessões. No DI,

[...] os verbos dicendi se inserem na oração principal de uma oração complexa tendo por subordinada as porções do enunciado que reproduzem as [nossas] palavras próprias ou do nosso interlocutor. Introduz-se pelo transpositor que, pela dubitativa se e pelos pronomes e advérbios de natureza pronominal quem, qual, onde, como, por que, quando, etc (BECHARA, 2005, p. 482, grifo do autor).

Para Cunha; Cintra (2007, p. 649), o DD, o DI e o discurso indireto livre (DIL) compõem o ternário de que disporia o narrador para “dar-nos a conhecer os pensamentos e as palavras de personagens reais ou fictícios”. Nesta gramática, o DD é descrito como um enunciado em que há presença de verbos dicendi e, na falta desses verbos, “cabe ao contexto e a recursos gráficos

[...] a função de indicar a fala do personagem” (2007, p. 651). No DI, esta fala é introduzida por verbos dicendi que aparecem em uma oração subordinada substantiva.

No plano expressivo, para os autores, o DD atualiza o episódio, trazendo uma vivacidade que pode ser enriquecida “por elementos lingüísticos, tais como, exclamações, interrogações, interjeições, vocativos e imperativos, que costumam impregnar de emotividade a expressão oral” (2007, p. 651); já o DI “pressupõe um tipo de relato de caráter predominantemente informativo e intelectivo” (2007, p. 652), onde o “diálogo é incorporado à narração mediante uma forte subordinação semântico-sintática estabelecida por nexos e correspondências verbais entre a frase reproduzida e a frase introdutória” (2007, p. 652-653).

Em Laurent; Delaunay (2012), o DI é concebido como um discurso que “modifica as falas de um locutor para integrá-las na frase sob a forma de uma proposição subordinada ou de uma construção infinitiva. A palavra reportada é modificada para ser integrada na frase” (p. 300, grifos dos autores)37. De acordo com estes autores,

As características do discurso indireto são as seguintes:

- ele não é assinalado por nenhuma marca tipográfica específica; - ele sempre depende de um verbo de comunicação ou de pensamento;

- a palavra reportada perde, além de sua autonomia gramatical, sua autonomia enunciativa: os pronomes pessoais de primeira e de segunda pessoas, as indicações de tempo e de lugar do tipo ontem ou aqui e os tempos verbais são, em geral, transpostos para se adaptar a frase.

O inspetor perguntou, então, ao seu empregado: “Você escutou o barulho ontem à noite?”.

O inspetor perguntou, então, ao seu empregado se ele havia escutado o barulho no início da noite (2012, p. 301, grifos dos autores)38.

A presença do termo DN foi identificada apenas em Laurent; Delaunay (2012), que diz:

[...] o discurso narrativizado não retoma as palavras enunciadas por um locutor, mas as resume com a ajuda de um verbo ou de um nome. Não é um “verdadeiro” discurso reportado. [Exemplos] Nós zombamos dele. Seu discurso admirou todo mundo” (2012, p. 304, grifos dos autores)39.

37 « Le discours indirect modifie les paroles d’un locuteur pour les intégrer dans une pharse sous la forme d’une

proposition subordonnée ou d’une construction infinitive. Le propos rapporté est modifié pour être intégré dans la phrase ».

38 Les caractéristiques du discours indirect sont les suivantes :

- il n’est signalé par aucune marque typographique spécifique ; - il dépend toujours d’un verbe de communication ou de pensée ;

- le propos rapporté perd, autre son autonomie grammaticale, son autonomie énonciative : les pronoms personnels de première et de deuxième personne, les indications de temps et de lieu du type hier ou ici et les temps verbaux sont, en genéral, transposés pour s’adapter à la phrase.

L’inspecteur demande alors à l’employée : « avez-vous entendu du bruit hier soir ? » L’inspecteur demanda alors à l’employée si elle avait entendu du bruit la veille au soir .

39 « Le discours narrativisé ne reprend pas les propos tenus par un locuteur mais les résume à l’aide d’un verbe ou

Dicionários e gramáticas retratam o que se consideram os “aspectos canônicos” do DR. No DD, teríamos a “reprodução das palavras de alguém por parte do narrador, conservando sua forma de expressão” (HOUAISS, 2001). No DI, há “a incorporação das palavras de uma terceira pessoa ao discurso do narrador, acompanhada pela transformação destas palavras” (HOUAISS, 2001). Nele, o “diálogo é incorporado à narração mediante uma forte subordinação semântico- sintática estabelecida por nexos e correspondências verbais entre a frase reproduzida e a frase introdutória” (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 652-653).

Em linhas gerais, o DD seria “a forma mais fiel da representação do discurso do outrem” (LAURENT; DELAUNAY, 2012), no DI “o narrador transmite o conteúdo do enunciado com suas palavras” (CAMARA, 2002) e o DN, consoante Laurent; Delaunay (2012), “não retoma as palavras enunciadas por um locutor, mas as resume com ajuda de um verbo ou de um nome”.