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Discurso de Vargas publicado pelo jornal Correio da Manhã, em 03 de maio de 19 Citado por

32 SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA/ PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO,

40. Discurso de Vargas publicado pelo jornal Correio da Manhã, em 03 de maio de 19 Citado por

KOCHER, Bernardo, op. cit., p. 26.

cerimônias do getulismo”, com destaque para um deles que é particularmente

significativo desta intenção. Observe-se que, na foto a seguir, tirada durante o desfile de Primeiro de Maio de 1942, no Estádio de São Januário, Rio de Janeiro, os trabalhadores aparecem carregando o “condutor” da nacionalidade, o maior dos operários do país; os demais, constituem-se em platéia; os primeiros, com seus uniformes, sugerem a valorização da ordem, da disciplina, do ritmo correto ao caminhar; os segundos, nada mais fazem que assistir à celebração e o seu modo de participação deve ser a obediência, a veneração e a passividade. Nas imagens seguintes, ainda relativas ao Estado Novo, pela prática esportiva ou pela dança, as homenagens não são mais para os mártires do trabalho e tampouco a festa é popular, pois o Dia do Trabalho é agora uma glorificação da pátria e de seu “líder”. O esporte, a disciplina, a ordem, a eficiência sintetizam o retrato “moderno” do país que, como Vargas dizia, corrigia os abusos do passado e colocava a “pátria” marchando para o futuro.

Figura 16: Aspectos do desfile de 1º de Maio de 1942, no Estádio S. Januário, Rio de Janeiro.

Figura 17: Desfile de time de futebol no Estádio São Januário, no 1º de Maio de 1941, Rio de Janeiro.

Figura 18: Comemorações relativas ao 1º de Maio de 1944, no Estádio do Pacaembú, São Paulo. Nos dizeres do cartaz, indícios da relação entre o Estado e as classes trabalhadoras naquele período: “os soldados do trabalho saberão ganhar a batalha da produção”.

No penúltimo bloco de painéis – “os anos de chumbo: Primeiro de Maio sob a

ditadura militar” – a exposição traz imagens relativas as diferentes e contraditórias

manifestações que ocorriam entre os anos de 1964 e 1984. Mais uma vez, nestas fotografias e textos, pode se observar que a administração procurava, através não só da

exposição mas também dos demais eventos organizados naquela ocasião (festas, mostras teatrais e de cinema, entre outros), fortalecer sua própria imagem e identidade. Na recuperação da origem da data, a administração recuperava seus traços de continuidade com o passado e tradição; na análise crítica do Primeiro do Maio sob os governos ditatoriais, esta identidade é construída a partir das noções de ruptura e oposição. Assim, a luta contra a ditadura reaparece como forma possível, ainda, para a conquista de novos simpatizantes, especialmente setores mais conservadores dos grupos médios urbanos que, embora contrários à ditadura, temiam a emergência do Partido dos Trabalhadores. Deste modo, também estes eventos organizados pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo apresentam um caráter ritualista. Além disto, possuem uma clara proposta educativa e pretendem ensinar uma versão da história do Primeiro de Maio e dos próprios trabalhadores que possa levá-los à construção de uma outra identidade a partir de seu processo de constituição enquanto força política; ao mesmo tempo, a administração da cidade de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores busca consolidar-se como liderança deste processo. Impossível não refletir aqui, portanto, sobre o caráter educativo dessa exposição bem como sobre uma certa visão de educação. No mesmo período em que a Secretaria Municipal de Cultura tinha seus cargos executivos ocupados em sua maior parte por intelectuais de larga experiência no campo da docência, a Secretaria de Educação era dirigida por Paulo Freire. A escolha desses professores todos, inclusive considerando a excelência de suas carreiras, demonstra uma intenção. Marilena Chauí trabalha há tempos com o conceito de ideologia e mesmo seu conceito de memória está associado a este; segundo ela, o resgate da primeira “tem o papel de nos liberar do passado como fantasma, como fardo,

como assombração e como repetição. Foi a lição do 18 Brumário”42. Assim, de certo modo, a tarefa da Secretaria seria a de desvendar os conteúdos “ideológicos” do passado e revelar a “verdade” que eles escondem. Por sua vez, à frente da Secretaria Municipal da Educação, Paulo Freire procurou implantar um modelo de gestão mais democrático com a criação dos “Conselhos de Escola” e realização de uma reforma administrativa que garantisse mais autonomia às unidades escolares43. Mas além 42. CHAUÍ, Marilena. Política Cultural, Cultura Política e Patrimônio Histórico. In. SECRETARIA

MUNICIPAL DE CULTURA/DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. O direito à memória. São Paulo: DPH/SMC/PMSP, 1992, p. 39.

disso, Paulo Freire entendia a ação do partido como sendo essencialmente educativa, entendia que a função do profissional da educação era a de atuar, nele próprio e no outro, a passagem de uma “consciência ingênua” para uma “consciência crítica” 44. Deste modo, também coloca como tarefa a superação de uma certa “ideologia” ou de uma visão ingênua do mundo. Em “Cem Vezes Primeiro de Maio”, o Departamento do Patrimônio Histórico pretendeu homenagear os trabalhadores, apresentá-los como sujeito histórico, criticar uma versão da história do processo de sua formação enquanto classe e buscar sua própria identidade; pretendeu também oferecer a eles um outro tipo de conhecimento histórico, na tentativa de educá-los para reconhecer o que sobre si ainda não sabiam e para que vissem no PT a liderança que poderia conduzí-los a uma nova condição. Estão presentes, portanto, ainda que indiretamente, as idéias de “história verdadeira” em oposição à “história ideológica”.

Figura 19: Comemoração do 1.º de Maio sob a ditadura militar, em Porto Alegre, 1978. Em primeiro plano, à direita, o então presidente Ernesto Geisel.

Figura 20: Comemoração do 1.º de Maio em 1979, sob o governo de Paulo Maluf, no Estádio do Pacaembú, em São Paulo.

44. FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 23. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999, pp. 40-41. A

Quanto aos painéis que compunham o bloco “os anos de chumbo: 1.º de Maio sob a

ditadura militar”, há outros elementos a serem analisados.

Ressaltou-se anteriormente neste trabalho que a praça pública, a rua, é um componente importante da cultura popular, como nos exemplos do “massacre de gatos” estudado por Darnton, do riso rabelaisiano de Bakthin e das manifestações analisadas por Peter Burke. Um outro elemento constante nestas abordagens é o humor. No estudo de Rabelais, por exemplo, Bakthin mostra que o riso tem o poder de desmistificar e subverter a ordem, analisado como uma espécie de “desobediência civil” que, ao mesmo tempo, recria a esperança, nega a autoridade e, principalmente, permite afastar o medo, fonte fundamental de qualquer processo de dominação, como tão bem Herzen sintetizou:

“ (...) O riso contém alguma coisa de revolucionário (...)

Ninguém ri na igreja, no palácio real, na guerra, diante do chefe do escritório, do comissário de polícia, do intendente alemão. Os servos domésticos não têm o direito de sorrir na presença de seu senhor. Só os iguais riem entre si. Se as pessoas inferiores forem autorizadas a rir diante de seus superiores ou se não puderem refrear o riso, pode-se dizer adeus a todos os respeitos devidos à hierarquia. Fazer as pessoas rirem do deus Ápis, é transformar o animal sagrado em um vulgar touro”

(grifos meus)45 .

Em “Cem vezes Primeiro de Maio”, o riso e a ironia – esta última uma forma delicada de humor para a qual Bakthin usa a expressão “riso reduzido”, talvez ainda mais eficiente por conta de sua necessária sutileza e inteligência - são amplamente utilizados: em seu início, aparecem nas referências a Lindolfo Collor e no soneto do poeta anarquista; nas imagens relativas ao Primeiro de Maio durante a ditadura militar, eles estão no aspecto desolado do Estádio do Pacaembú vazio, no símbolo “João Ferrador” criado pelos metalúrgicos do ABC em 1972, na charge de Laerte mostrando a saudável indiferença dos trabalhadores e nos desenhos de Henfil. Neste último caso, trata-se também de uma tentativa de justiça em relação àqueles que, simbolizados na

45. HERZEN, A. Sobre a arte. Moscou: Iskousstvo, 1954, p. 223, citado por BAKTHIN, Mikhail. op.cit.,

pessoa deste cartunista, foram banidos do país pela ditadura militar. Para isto serviam estas contraposições entre o evento sem público de Paulo Maluf e as charges aqui apresentadas.

Figura 21: O personagem “João Ferrador”, símbolo dos trabalhadores metalúrgicos do ABC, criado em 1972.

Figuras 22, 23 e 24: Charges de Laerte e Henfil publicadas em diferentes jornais e revistas sobre o 1º de Maio.

Finalmente, nos últimos painéis, este processo de reconstrução do passado encontra os “heróis” do tempo presente. Entre eles, estão não apenas as lideranças do Partido dos Trabalhadores mas também centenas de operários anônimos, em cenas coletivas ou retratos individuais que, a partir de 1978, retornam ao cenário político do país. Num grande painel, Lula aparece discursando para os trabalhadores metalúrgicos no Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo; nos demais, são os trabalhadores que renascem enquanto sujeitos de sua própria história, exatamente num bloco que se intitula “Anos 80: a esperança equilibrista”. O sentimento de esperança era salientado, como se pode recordar, no início da exposição enquanto um dos significados das comemorações primeiras da data; agora, ao final, ele ressurge exatamente do mesmo modo, nos olhares dos operários e nas faixas que eles carregam, fechando um processo de construção da identidade tanto de classe quanto do novo governo que, exatamente por ser novo, precisa instaurar sua memória. O texto utilizado no painel de encerramento da exposição é, neste sentido, esclarecedor:

“Festa ou protesto? A pergunta esteve presente desde o

início da história do Primeiro de Maio. Ao longo deste século, esta data falou a cada ano de uma esperança que, sempre se equilibrando na corda bamba, permaneceu de pé . (...) Com certeza, não fazemos hoje nada semelhante às comemorações promovidas por governos e entidades patronais que, desde a década de 30, tentam apagar as marcas destes anos de luta. Nem oferecemos um simples momento de diversão e lazer, esquecendo as dificuldades do dia-a-dia. Estamos aqui para festejar nossa própria capacidade de reagir e seguir em frente. Celebrando a tradição dos trabalhadores, queremos reavivar a velha esperança que renasce a cada Primeiro de Maio. Cem anos depois, esta data conserva seu significado original”.46

Figura 25: Lula discursando aos trabalhadores no Estádio de Vila Euclides, São Bernardo do Campo, março de 1979.

46. Painel de encerramento da exposição. DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO

Figuras 26, 27, 28, 29, 30 e 31: Retratos de trabalhadores no 1º de Maio de 1980.

Ao final da publicação que reproduz a exposição utilizada como fonte das imagens inseridas neste capítulo, há registros iconográficos do evento nas ruas e, no lugar de uma ficha técnica, um sucinto manual sobre como preparar exposições. A inserção deste manual carrega, além de especificações técnicas, uma tentativa de identificação entre aqueles que visitavam a exposição e aqueles a prepararam: eram todos trabalhadores e as fotos e textos pertencem a uma história em comum.47 Mostra também que a própria memória é trabalho, resultado dos relacionamentos dos homens entre si e não apenas um aspecto do complexo cérebro humano; ela é sempre social. “Cem vezes Primeiro de

Maio” é um exemplo de coerência de política pública na área de cultura no que diz

respeito à democratização do acesso dos cidadãos aos bens culturais simbólicos e à