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Outra exposição do DPH/SMC/PMSP também abordou a questão dos trabalhadores e, principalmente

32 SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA/ PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO,

48. Outra exposição do DPH/SMC/PMSP também abordou a questão dos trabalhadores e, principalmente

dos ambulantes, recuperando a presença dos mesmos no cotidiano da cidade de São Paulo desde o século XIX até os dias atuais e procurando integrar esta parcela da população, marginalizada inclusive pelos próprios trabalhadores do mercado formal. Tratava-se de “Trabalho Informal”,cujos originais encontram-se do DPH.

perceber que ela celebra a história deste partido e que os registros do passado foram não só selecionados como também classificados e ordenados a partir de um interesse que é do tempo presente e do narrador, procurando por estes fios continuidade e legitimidade. Se retomadas as idéias de Hannah Arendt, o que se tem nesta exposição, em grande parte, é a identidade daqueles que a elaboraram, historiadores militantes: “muito embora

as histórias sejam resultado inevitável da ação, não é o ator, e sim o narrador que percebe e ‘ faz’ a história50. Neste processo, transformaram-se documentos históricos

em monumentos, para usar as expressões consagradas por Le Goff. Na medida em que estes registros são produtos do tempo e da narrativa que os selecionou, ou melhor, dos sujeitos que neste tempo estabelecem relações de força e poder, constituem-se em monumentos:

“A intervenção do historiador que escolhe o documento, extraindo-o do conjunto dos dados do passado, preferindo-o a outros, atribuindo-lhe um valor de testemunho que, pelo menos em parte, depende da sua própria posição na sociedade, da sua época e da sua organização mental, insere-se numa situação inicial que é ainda menos ‘neutra’ do que a sua intervenção. O documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado ou uma montagem, consciente ou inconsciente, da história da época, da sociedade que o produziram (...) O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si própria. No limite, não existe um documento-verdade. Todo documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo”51 .

Ao tentar desmistificar os monumentos que guardam a memória oficial dos trabalhadores “Cem Vezes Primeiro de Maio” produziu outros. É verdade que tratou-se de uma iniciativa pioneira e, ainda que só por isso, louvável. Mas é verdade também que esta iniciativa – e a aposta de que o trabalhador pararia para “si ver” – constrói uma outra memória a partir de procedimentos e objetivos semelhantes. Finalmente, se ela dá voz a sujeitos históricos que foram silenciados, estes ainda participam do evento mais como platéia, consumidores, do que produtores de símbolos culturais. Não se trata

50. Ibid., p. 205.

aqui, evidentemente, de desvalorizar o trabalho, a narrativa e os objetivos desta exposição. Trata-se, apenas, de investigá-la a partir de sua própria temporalidade e dos sujeitos que a elaboraram, tal como Le Goff propõe. Neste sentido, é possível identificar em “Cem Vezes Primeiro de Maio” o mesmo problema levantado por Marilena Chauí e outros secretários municipais de cultura do PT: a definição de um programa político baseado no princípio de uma cidadania cultural implica em compreender a cultura como um dado – algo que temos todos – e ao mesmo tempo como um valor – ligado à fruição e produção – e para este último, é necessário reconhecer a exclusão da maior parte da população52. “Cem Vezes Primeiro de Maio” incorporou esta noção de valor

ao oferecer uma memória diferente aos trabalhadores em particular e a toda a população da cidade de São Paulo. Os trabalhadores aparecem, nesta memória, como sujeitos mas, na relação com a exposição, são ainda espectadores apesar do chamado à parceria. Apontar essas contradições não significa, neste trabalho, identificar um erro; ele não quer ser um julgamento. Significa, antes, um esforço por reconhecer os desafios que qualquer política público-administrativa de cultura que se pretenda democrática e participativa tem que enfrentar, bem como inseri-los na dinâmica dos processos sociais. Como fazer emergir outras narrativas?

52. CHAUÍ, Marilena et.al. Ainda não fomos radicais. Teoria e Debate. São Paulo: Partido dos

Capítulo III

“A memória, compreendemos melhor, elabora-se a partir da

ausência, e com o pé fincado no presente, volta-se para a frente. Nesse terreno, as mais aparentemente insignificantes lembranças são artigos de valor, sendo necessário guardá-las com cuidado, sabendo do risco que se corre com a perda desse que é o nosso mais valioso e invisível patrimônio.”

Este terceiro capítulo procura analisar a exposição de rua “Paulicéias Perdidas”, realizada pelo Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura em 1991 e que reuniu, em grandes painéis fixados ao chão em “pés de concreto”, fotos antigas e textos que recordavam a região entre a Praça da Sé e o Largo do Arouche. Estes painéis foram apresentados, simultaneamente, em conjunto na Praça da Sé e espalhados ao longo daquele circuito, dispostos em ângulos tais que permitiam ao observador ter as imagens do passado e do presente como que sobrepostas. Diferente do trabalho sobre o Primeiro de Maio, “Paulicéias” tinha uma linguagem bem mais simples e seus textos, quase sempre, traziam um certo tom poético, colhidos na literatura, nas crônicas da cidade, em jornais e em vários livros publicados por memorialistas. Ela não apresentava uma narrativa construída e encadeada seqüencialmente. Cada painel fazia sentido por si só e os textos, embora igualmente selecionados por uma equipe de historiadores, eram geralmente reproduções das reflexões de outros. Posteriormente, tal como ocorreu com “Cem vezes Primeiro de

Maio”, ela foi transformada em publicação, em um dos volumes da série Registros que,

mesmo com periodicidade bastante irregular, já fazia parte do acervo daquela instituição. Em seu painel de abertura, salientava-se a discussão sobre uma cidade cuja intensidade das transformações implica na destruição sistemática dos registros do passado, neste caso de seus suportes materiais e arquitetônicos:

“ ... engolidas pela idéia de que o progresso se faz pela destruição do passado, estas paulicéias perdidas são parte do nosso presente: memórias que, mesmo ocultadas, pertencem a todos nós. As imagens e textos desta exposição não pretendem cultivar um olhar nostálgico sobre uma São Paulo que se perdeu. Querem apenas lembrar que a paisagem de uma cidade é resultado de muitas histórias, do conflito entre diferentes visões – individuais e coletivas – dos homens que nela viveram. O que alguns entenderam como progresso significou para muitos uma perda sem retorno. Nestes relances do passado de São Paulo, podemos ver que a história é sempre feita de escolhas. Aqui, elas significam uma destruição sistemática que reduziu o passado a uns poucos testemunhos quase invisíveis de pedra e cimento, velhas fotografias e alguns livros que ninguém mais lê. Restou sobretudo a imagem hostil e impessoal de uma cidade destituída também de sua própria memória...”1.