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Muito se tem discutido sobre a inclusão social, principalmente a partir dos anos 2000, no Brasil e no mundo. Este é, portanto, um tema que está em pauta nos encontros sociais internacionais e nacionais que definem e orientam as políticas sociais e, entre elas, as políticas educacionais.

Atualmente, a temática inclusão tem sido alvo de muitos debates e embates e tem sido meta das políticas sociais nos países ditos democráticos.

Pretendemos iniciar a discussão sobre inclusão social problematizando da seguinte forma: quem se pretende incluir? Quem esteve ‘dentro’ e foi colocado ‘fora’? Quem sempre esteve ‘fora’?

Nesse sentido, compreender o conceito de inclusão requer que identifiquemos quem não está incluso, isto é, quem está fora e por que está fora. Assim, requer que tratemos também do conceito de exclusão.

De acordo com Luciano Oliveira (2010), o termo excluídos foi utilizado pela primeira vez no Brasil para designar os moradores e meninos de rua, “flanelinhas”, desempregados das favelas, catadores de lixo, delinquentes, etc. O autor relaciona dois traços que marcam essa forma contemporânea de exclusão. O primeiro, ele o relaciona à não absorção desse contingente de pessoas nos novos processos produtivos de trabalho, tornando-se “desnecessários economicamente”, principalmente pelos avanços tecnológicos que tem levado os trabalhadores, em muitos casos, a serem substituídos pelas “máquinas” – o desemprego estrutural. O segundo traço, segundo ele, exprime o sentido da própria ideia de exclusão, colocando-os na “órbita da humanidade” numa condição sub-humana de sobrevivência e, por conta disso, sendo “[...] percebidos como indivíduos socialmente ameaçantes e, por isso mesmo, passíveis de serem eliminados.” (OLIVEIRA, 2010, p. 02).

No entanto, o referido autor levanta um questionamento: os excluídos existem? Ou seja, essas pessoas são/estão realmente excluídas? Em que sentido? Não estariam essas pessoas de certa forma incluídas num mesmo processo?

[...] como será possível falar em excluídos, “apartados”, pessoas que estão “fora” etc., se elas estão, por vias transversas, “integradas” ao sistema econômico? Dito de outra forma: qual o sentido de falar em duas ordens de realidade, dos “incluídos” e dos “excluídos”, se ambas são produzidas por

um mesmo processo econômico, que de um lado produz riqueza e, do outro,

miséria? E, mais que isso, se a miséria assim produzida se torna, ao que tudo indica, funcional para a acumulação de riquezas no pólo oposto? (OLIVEIRA, 2010, p. 02).

Conceber a separação entre incluídos e excluídos é adotar uma perspectiva dualista. Em contraposição, a visão antidualista, de inspiração marxista, vê ambas as situações num mesmo processo. (OLIVEIRA, 2010; MARTINS, 2002).

[...] aceitar a centralidade do "conceito" de exclusão social seria o mesmo que recusar toda a tradição do pensamento sociológico. A concepção de "exclusão" é antidialética. Ela nega o princípio da contradição, nega a história e nega a historicidade das ações humanas (MARTINS, 2002).

Então, se compreendermos a inclusão e a exclusão como fazendo parte de um mesmo processo, podemos afirmar que os que seriam excluídos, na verdade, são incluídos de forma precária. Nessa perspectiva, Martins (2002) argumenta não haver propriamente a exclusão, mas “formas anômalas e injustas de inclusão”, sendo um conceito que ideologicamente é útil à classe média, pois oculta a real origem do problema.

A minha crítica da concepção de exclusão e da ideologia que dela decorre é para proclamar que nelas se oculta o verdadeiro problema a ser debatido e a ser resolvido: as formas perversas de inclusão social que decorrem de um modelo de reprodução ampliada do capital, que, no limite, produz escravidão, desenraizamentos, pobreza e também ilusões de inserção social. (MARTINS, 2002, p. 01).

Na mesma linha de raciocínio, Ribeiro (2006) afirma que o conceito de exclusão, apesar de ser transparente, por não deixar dúvidas a respeito da mensagem que transmite, é um conceito frágil, impreciso, pois

[...] não explica as razões que colocam algumas pessoas do lado de fora e outras do lado de dentro; não identifica o(s) espaço(s) e o(s) tempo(s) nos quais acontece, não nomeia os sujeitos que decidem quem será incluído ou excluído, muito menos as suas justificativas (RIBEIRO, 2006, p. 158).

E complementa que, além disso, ele é impotente e superficial, não indo à origem da questão.

Além de sua imprecisão, ele é impotente para a formulação de estratégias de ruptura com aquelas relações, as quais determinam que uma minoria decida sobre a exclusão social da terra, do trabalho e das condições de subsistência da maioria dos povos. [...] Ele oculta a postura autoritária da classe que opta por acomodar os conflitos, armar-se contra a violência, porque não pretende atravessar a superfície do fenômeno para ir ao fundo, ou à sua essência. Nesse fundo é possível ver a barbárie que avança tanto sobre as populações pobres quanto sobre as condições de sobrevivência no planeta Terra, tendo em vista a necessidade de preservação dos recursos naturais não-renováveis e que são essenciais à manutenção da vida (RIBEIRO, 2006, p.159-160).

Martins (1997, p. 14-16) chama a atenção para a necessidade de compreendermos a exclusão como expressão da contradição do desenvolvimento do sistema capitalista na sociedade e, nesse sentido, de não concebê-la como um estado “fixo” e “incorrigível”, sem possibilidades de superação. Nessa mesma lógica, Ribeiro (2006, p. 159) complementa que

[...] Se considerarmos que os processos de exclusão social são inerentes à lógica do modo de produção capitalista, veremos que as políticas de inclusão e/ou inserção social são estratégias para integrar os objetos - os excluídos - ao sistema social que os exclui e, ao mesmo tempo, de manter sob controle as tensões sociais que decorrem do desemprego e da exploração do trabalho, móveis da exclusão social.

O debate exposto sobre inclusão e exclusão, nos sugere que não há exclusão, mas uma outra forma de inclusão. Ou seja, o que há, na sociedade capitalista na qual vivemos, é a impossibilidade da real inclusão na sociedade dos indivíduos que se encontram à margem da sociedade e em situação sub-humana. De acordo com Martins (2008, p. 11), “[...] a sociedade que exclui é a mesma sociedade que inclui e integra, que cria formas também desumanas de participação na medida em que delas faz condição de privilégios e não de direitos.”

Então, se essa é a condição, a inclusão precarizada, subalternizada, anômala, como analisar as políticas sociais e educacionais que se propõem inclusivas? Martins (2008, p. 14) afirma que, nesse contexto, restam as políticas compensatórias.

A alternativa tem sido as políticas compensatórias, sem dúvida necessárias nessa circunstância, por meio das quais se procura atenuar os efeitos danosos do modelo econômico. Elas apenas confirmam e legitimam a exclusão por meio de benefícios que não constituem legítima apropriação social dos resultados da economia. São apenas débito a fundo perdido, preço a pagar pela sustentação de uma economia cuja dinâmica bane e descarta parcelas da população. [...]

Ribeiro (2006, p. 156) formula a hipótese de que existe uma disputa entre projetos sociais e educacionais contraditórios, de que resultam

estratégias de combate à exclusão e promotoras de inclusão, encarnadas em concepções e práticas de educação social, como resposta às demandas de políticas sociais públicas provenientes das populações de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade.

É a partir desses significados que trazemos como alternativa, para subsidiar nossas análises, o conceito de justiça social.

O conceito de justiça social tem sido abordado de várias formas na sociologia política, ou, como argumentam Cribb e Gewirtz (2011a), é visto como tendo uma variedade de facetas por concepções plurais de justiça. E como não poderia deixar de ser, o conceito carrega tensões entre as diferentes facetas.

Dentre os modos plurais de justiça os autores destacam a preocupação com: a distribuição de bens; o tipo de bens (materiais); o tipo de reivindicação; o escopo dos modelos de justiça; com o escopo de princípios de distribuição; e o escopo da responsabilidade (do Estado ou de toda a sociedade). Nesse contexto, Cribb e Gewirtz (2011a) elaboraram um referencial analítico33 que identifica três preocupações de in/justiça: distributiva, cultural e associacional.

A justiça distributiva (conceito tradicional), também chamada pelos autores de justiça econômica, está relacionada às reivindicações pela redistribuição dos bens produzidos na sociedade e se preocupa com a ausência de exploração, marginalização econômica e privação de condições de vida adequadas. A justiça cultural está relacionada às reivindicações de reconhecimento e é definida em termos da ausência de dominação cultural, não reconhecimento e desrespeito. E a justiça associacional é definida pela crítica à ausência de padrões de associação entre indivíduos e entre grupos.

Os referidos autores defendem que precisaremos encontrar meios de nos engajar nas tensões e nas diferentes facetas, ou seja, caminhar no sentido da justiça associacional que pode ser um fim em si ou um meio para fins de justiça econômica e cultural. “[...] Isto é, para que a justiça econômica e cultural seja atingida, torna-se necessário que grupos anteriormente subordinados participem de decisões sobre como os princípios de distribuição e reconhecimento devem ser definidos e implementados.” (CRIBB; GEWIRTZ, 2011a, p. 07).

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Stephen Ball articula o conceito de justiça social com outros conceitos, como, por exemplo, desigualdades sociais, poder, classes sociais, performatividade, discurso, entre outros. Ao mesmo tempo, o referido autor afirma que, enquanto os valores de mercado privado estiverem sendo celebrados em quase todos os Estados do ocidente, legitimando e impulsionando ações e compromissos de espírito empresarial, competição e excelência, estarão ao mesmo tempo inibindo e deslegitimando os valores de justiça social, equidade, tolerância. (BALL, 2004, 2005).

Ball (2009), em entrevista concedida a Mainardes e Marcondes (2009, p. 307), sustenta que o termo justiça social é considerado “[...] um conceito inclusivo, que não é específico à raça, à classe, à deficiência ou à sexualidade; abarca uma concepção ampla de questões de equidade, oportunidade e justiça”. Para ele, a justiça social está fortemente relacionada às questões de poder. É com essa compreensão que ele afirma:

[...] O conceito básico que sustenta tudo é o conceito de poder. Assim, eu vejo a justiça social através da opressão de poder, vejo as políticas de distribuição e reconhecimento em termos de lutas de poder. Ambos lutam pelo controle de bens e pelo controle dos discursos. As políticas são investidas de, ou formadas a partir de ambos os aspectos de disputas, em termos de vantagens sociais e de legitimidade social; o que pode ser considerada uma "boa" política e quais interesses são servidos pela definição do que seja considerado "bom". (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p. 308)

A importância atribuída por Ball (1994) à justiça social se expressa também na sua teoria do ciclo de políticas, quando, no quarto contexto – o contexto dos resultados ou efeitos – preocupa-se com questões de justiça, igualdade e liberdade individual, com as consequências materiais das políticas, em termos de equidade e inclusão. Os efeitos de primeira ordem da política provocam mudanças nas práticas curriculares e na estrutura da escola e os efeitos de segunda ordem referem-se aos impactos dessas mudanças nos padrões de acesso ao projeto escolar, na redução das desigualdades e na promoção da inclusão social. Isto é, para Mainardes e Marcondes (2009, p. 304), as pesquisas orientadas34 por Ball “buscam interrogar, avaliar e analisar políticas em termos de suas contribuições – positivas e negativas - para a realização da justiça social.”

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Stephen J. Ball é um dos diretores associados do Centre for Critical Education Policy Studies (“Centro de Estudos Críticos de Políticas Educacionais”) do Instituto de Educação da Universidade de Londres. Este Centro congrega pesquisadores interessados em investigar os processos pelos quais as políticas educacionais são formadas, implementadas e experimentadas. (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p. 304)

Daí Ball (2009) afirmar que as pesquisas que se preocupam com a justiça social e o poder são pesquisas críticas

Para mim, toda pesquisa é pesquisa crítica. Mas suponho que uma definição poderia ser a pesquisa que tem o poder e a justiça social como conceitos- chave. Assim, uma perspectiva crítica é uma necessidade inevitável, se estamos tentando entender como o poder funciona, porque você somente pode abordar o poder desenvolvendo um sentido de seus efeitos e de suas inadequações. E, quando abordamos o poder, sempre queremos perguntar como as pessoas se constituem, se produzem de forma diferente. O que é excluído pelo trabalho com relação ao poder? Isso frequentemente nos leva a questões sobre justiça social. (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p. 307)

Podemos relacionar o termo justiça social também às preocupações de Basil Bernstein quando o mesmo manifesta preocupação com aspectos do discurso pedagógico relacionado ao papel das escolas na perspectiva da igualdade social, ou não. Nesse sentido, Mainardes e Marcondes identificam essa ideia no discurso de Ball quando este afirma com relação à Bernstein que

Sua preocupação era com os aspectos intrínsecos do discurso pedagógico, não "o que é transmitido", mas com o dispositivo pedagógico, a voz, que estrutura e organiza o conteúdo e a distribuição do que está sendo transmitido. Ele estava tentando desenvolver um modelo que relacionasse estes sistemas de mensagem às transmissões da educação escolar e às diferentes regras de reconhecimento e realização, e que poderia, assim, explicar as instituições educacionais como geradoras de desigualdade (MAINARDES; MARCONDES, 2009, p. 310-311).

De fato, se Bernstein (1996) se preocupa com as questões de desigualdade e de poder, preocupa-se com as questões de justiça e inclusão sociais. Para ele, a inclusão está relacionada ao currículo que, por sua vez, está relacionado à sua “teoria dos códigos”. Quer dizer, é através dos “códigos” que a escola coloca os alunos em situação de vantagem ou desvantagem social. Assim, de acordo com Leite (2001, p. 58-59), Bernstein critica a escola porque

Ao usar preferencialmente um “código elaborado”, condiciona fortemente o que se aprende e como se aprende, favorecendo as crianças cujo ambiente familiar e cuja cultura familiar estão na continuidade desse código e limitando aquelas que não o dominam por pertencerem a classes com “códigos lingüísticos restritos.”

É nessa perspectiva, que articulamos a discussão da inclusão/ justiça social ao papel da escola e ao debate contemporâneo sobre a diversidade cultural, conforme veremos na próxima seção.