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O contexto de influência internacional e nacional/local das décadas de 1990 e

3.2 Contextualizando as políticas de Educação profissional

3.2.1 O contexto de influência internacional e nacional/local das décadas de 1990 e

Para compreendermos os contextos de influência internacional e nacional/local do PROEJA, faz-se necessário retrocedermos à década de 1990 e situá-lo no âmbito das políticas de educação profissional. A partir daí, seguiremos as orientações de Mainardes (2007)12, com suas questões norteadoras para a aplicação da abordagem do “ciclo de políticas”.

O contexto de transformações geopolíticas e macroestruturais no qual emergem as políticas dos anos 2000 tem início na década de 1990 no Brasil. Trata-se de um cenário, denominado por Santos, B. (2002) de globalização (ou globalizações) e que terá fortes influências nas formulações das políticas nos anos 1990 e 2000. Esse fenômeno é caracterizado por uma intensa interação transnacional, através da globalização de sistemas de produção e de transferências financeiras; da revolução das tecnologias e da disseminação em escala mundial de informações e imagens através dos meios de comunicação social; da erosão do estado nacional; da redescoberta da sociedade civil; do protagonismo de empresas financeiras e multilaterais; do deslocamento de pessoas e de novas práticas culturais, entre outros.

a globalização é muito mais que [...] um reflexo da cultura ocidental, baseada cognitivamente em torno de um conjunto particular de valores que penetram em todas as regiões da vida moderna [...] é um conjunto de dispositivos político-económicos para a organização da economia global, conduzido pela necessidade de manter o sistema capitalista mais do que qualquer outro conjunto de valores. A adesão aos seus princípios é veiculada através da pressão econômica e da percepção do interesse nacional próprio

(DALE, 2004, p. 436).

O referido autor argumenta que a globalização é construída através de três conjuntos de atividades relacionadas entre si - econômicas, políticas e culturais - e que

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Estes podem ser caracterizados como hiper-liberalismo, governação sem governo e mercadorização e consumismo, respectivamente. Trata-se de um processo complexo e frequentemente contraditório que se centra em torno dos três principais agrupamentos de estados, “Europa, “América” e “Ásia”.

Segundo Ianni (1996, p.16):

A globalização do mundo abre outros horizontes sociais e mentais para os indivíduos, grupos, classes e coletividades; nações e nacionalidades; movimentos sociais e partidos políticos; correntes de opinião pública e estilos de pensamento. As condições e as possibilidades da cultura e da consciência já envolvem também a sociedade global. Tudo o que continua a ser local, provinciano, nacional e regional – compreendendo identidades e diversidades, desigualdades e antagonismos – adquire novos significados, a partir de horizontes abertos pela emergência da sociedade global.

No debate sobre os efeitos da globalização, alguns autores defendem que a mesma não chega a destruir contextos locais, mas os reconstrói através de uma interpenetração e interconexão de ideias, valores, cultura(GIDDENS, 1996, p. 367).

Nesse contexto global, o Estado passa a ser reestruturado e subordinado às forças do mercado, através das políticas ideológicas do neoliberalismo, que emergem afirmando ser essa a única via possível da sociabilidade humana. Segundo Anderson (1995), o neoliberalismo não atingiu o seu objetivo primordial, que é a revitalização econômica do capitalismo avançado; no entanto, há de se reconhecer que o mesmo alcançou êxito num grau que seus fundadores jamais sonharam: a hegemonia política e ideológica.

Essa hegemonia atua na base de um consenso neoliberal que não está somente no plano das idéias, mas que foi subscrito em meados da década de 80 pelas economias desenvolvidas como um roteiro a ser seguido, abrangendo o futuro da economia mundial, as políticas de desenvolvimento e o papel do Estado na economia (GOUVEIA, 2005).

De acordo com Santos (2002, p. 31), esse consenso neoliberal (O Consenso de Washington) dá sustentabilidade à globalização principalmente no que se refere ao seu caráter econômico, guiando as reformas econômicas nos anos 1990 nos países de Terceiro Mundo, conforme com o que “Washington” e as suas organizações (FMI, Banco Mundial) consideravam como medidas consensuais para superar a grande crise econômica e social que se alastrava. O referido autor destaca três aspectos como sendo as principais inovações institucionais: restrições drásticas à regulação estatal da ou na economia, novos direitos de propriedade internacional para investidores estrangeiros e subordinação dos estados nacionais às agências multilaterais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização

Mundial do Comércio). Para a superação da crise, o caminho seria a reforma dos aparelhos de Estado que deveriam se adequar à nova ordem mundial. A fórmula keynesiana do Estado de Bem-estar Social já não servia; fazia-se necessário um novo modelo de regulação social em que a diminuição da intervenção do Estado fosse a condição para a reversão da crise e para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Esse modelo de regulação social se reflete também na regulação das políticas educativas.

Na realidade, tais medidas, implantadas em contexto de reformas que muitas vezes extrapolam o setor educacional, surgem como supostas soluções técnicas e políticas para a resolução de problemas de ineficiência administrativa dos sistemas escolares ou da busca por racionalização dos recursos existentes para a ampliação do atendimento, vindo ainda acompanhadas da idéia de transparência (prestação de contas e demonstração de resultados) e de participação local. De uma maneira geral, têm acompanhado a tendência de retirar cada vez mais do Estado seu papel executor e transferir para a sociedade - esta muitas vezes traduzida de forma simplificada como o mercado - a responsabilidade pela gestão executora dos serviços, alterando a relação com o público atendido (OLIVEIRA, 2005, p. 763).

Um novo modelo de regulação, de controle, surge após a crise dos anos 1970, toma o centro, ao mesmo tempo que começa a perder força o modelo intervencionista, de interposição e ingerência do Estado. Segundo Azevedo e Gomes (2009), apesar de os termos regulação e intervenção apresentarem-se como sinônimos, na análise das políticas estão relacionados ao contexto no qual essas políticas emergem. Assim, mesmo que se possa considerar que os termos regulação e des-regulação são formas assumidas pela própria intervenção, a noção de regulação está fortemente associada ao contexto de políticas neoliberais, bem como a noção de intervenção está relacionada ao liberalismo.

Ball (2004) denomina esse novo modelo de acordo político do Pós-Estado da Providência.

Ou seja, trata-se da emergência de um novo conjunto de relações sociais de governança e “de novas distribuições funcionais e graduais/hierárquicas de responsabilidades” (Dale, 2002). Essa novidade surge das mudanças nos papéis do Estado, do capital, das instituições do setor público e dos cidadãos e nas suas relações entre si, ou do que Cerny (1990) chama de a “arquitetura mutável das políticas”. (BALL, 2004, p. 1106).

Para o referido autor, o gerencialismo - uma nova forma de gerenciamento - tem sido o mecanismo central da reforma política e da reengenharia cultural do setor público nos últimos anos, representando uma nova forma de poder. Esse gerencialismo busca incutir na alma do

trabalhador uma nova forma de ser baseada na performatividade – “uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação que empregam julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e mudança.” (BALL, 2005, p. 543).

Nesse contexto, o discurso da globalização tem sido utilizado para justificar as reformas no Brasil e no mundo, sobretudo as educacionais. Para Dale (2004), as análises da relação entre a globalização e a educação têm sido reduzidas à correlação entre globalização e reformas em diversos países, do que ele discorda. Assim, propõe uma teoria13 efetiva dos efeitos da globalização sobre a educação que possa

(a) especificar a natureza da globalização, (b) indicar claramente o que é que se quer dizer com “educação” e (c) especificar como é que a globalização afecta a educação, quer directamente, de forma identificável, e indirectamente, quer, e por consequencia, especificando outras mudanças que possa trazer no seu próprio interior ou no sector da educação (DALE, 2004, p. 425).

Também em nível de educação, estabeleceu-se a relação entre globalização, reformas educativas e agências de financiamento internacional. De acordo com Oliveira (2003), as agências multilaterais (agências de financiamento internacional) - com destaque para o Banco Mundial - vêm interferindo, recomendando, determinando as políticas educacionais. Segundo o autor, o Banco Mundial investe mais na área social, sobretudo na área educacional, visando ao processo de expansão do capital.

Dentre as áreas setoriais de cunho social, uma das que recebem maior atenção é a educacional. Estes investimentos no setor educativo têm como justificativa a necessidade de as nações promoverem o reordenamento do seu sistema educacional de forma a criar um quadro mais qualificado de trabalhadores, impulsionando, assim, o desenvolvimento econômico (OLIVEIRA, 2003, p. 48).

No caso dos países latino-americanos, Oliveira (2010) explica que foi estabelecido, no início da década de 1990, um grande consenso na educação, a partir de orientações do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Comissão Econômica para a America Latina e o Caribe (CEPAL). Em decorrência desse consenso, foi criado, em 1995, o IBERFOP (Programa Ibero-americano de Cooperação para o Desenho da Formação

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Para maior aprofundamento ver DALE, Roger. Globalização e educação: demonstrando a existência de uma “cultura educacional mundial comum” ou localizando uma “agenda globalmente estruturada para a educação”. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 87, p. 423-460, maio/ago. 2004.

Profissional), que objetivava favorecer o processo de cooperação entre esses países, com vistas a atender aos interesses do setor produtivo, através de um modelo comum de formação profissional – formação por competências - que assegurasse a empregabilidade.

Argumenta-se que o receituário comum seguido por esses países expressou a construção de um consenso que objetivou assegurar o processo de reprodução do capital em escala ampliada e favorecer a constituição de uma nova lógica cultural, na qual a meritocracia e o empreendedorismo afirmam- se como explicações para o sucesso dos indivíduos (OLIVEIRA, 2010, p. 25).

Sobre o IBERFOP, o referido autor argumenta, após pesquisa, que o seu surgimento somente se deu depois que a maioria dos países latino-americanos já havia realizado suas reformas educacionais. Ou seja, o consenso educacional com vistas à ampliação e reprodução do capital impulsionou os países a realizar mais rapidamente suas reformas educacionais sem, no entanto, esperar por discussões mais aprofundadas ou diretrizes que orientassem a educação profissional. Concordamos com o autor no que tange às influências dessas agências nas políticas sociais e educacionais no Brasil. Os estudos e as pesquisas evidenciam isso.

Outros autores também reconhecem a influência que exercem as agências internacionais e nacionais de financiamento e chamam a atenção para a importância de levarmos em consideração tal influência na análise e compreensão das políticas (BALL, 1992; MAINARDES, 2007). No entanto, vale destacar que “essas influências são sempre recontextualizadas e reinterpretadas nos contextos nacionais e locais.” (MAINARDES, 2007, p. 96).

Dessa maneira, considerar que somente as agências internacionais desempenham papel crucial “enquanto veículos de mensagem da cultura mundial, que, em um dado nível, tenderá a ser unificada”, é superestimar as forças econômicas que operam supra e transnacionalmente para romper, ou ultrapassar, as fronteiras nacionais, ao mesmo tempo que reconstroem as relações entre as nações – “agenda globalmente estruturada para a educação”14 (DALE, 2004). É também compreender as políticas de forma determinista e autoritária, não levando em consideração as relações de influência entre o global, o nacional e o local, nem os grupos e sujeitos que atuam nos diferentes espaços buscando legitimar suas propostas.

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Baseia-se em trabalhos recentes sobre economia política internacional (por exemplo, Cox,1996; Mittelman, 1996; Hettne, 1996) que encaram a mudança de natureza da economia capitalista mundial como a força directora da globalização e procuram estabelecer os seus efeitos, ainda que intensamente mediados pelo local, sobre os sistemas educativos. (DALE, 2004, p. 426)

Arruda (2011, p. 94), baseada em Ball (1992), aponta que a propagação de influências internacionais e nacionais pode ser compreendida de duas maneiras:

1) através de redes políticas e sociais que envolvem a circulação de ideias, o processo de empréstimo de políticas e das “soluções” apresentadas no mercado político e acadêmico pelos grupos e indivíduos, etc.;

2) por meio das recomendações propostas pelas agências internacionais e nacionais que exercem influência sobre o processo de criação das políticas.

É, portanto, nesse contexto de influências internacionais que se engendram as reformas educacionais brasileiras a partir da década de 1990, dentre elas, a Reforma da Educação Profissional através do Decreto nº 2.208/1997 que separou o ensino profissional e o ensino médio; e, sucessivamente, o Decreto nº 5.154/2004 que possibilitou a (re)articulação entre esses ensinos e os Decretos nº 5.478/2005 e nº 5.840/2006, referentes ao PROEJA.

No que concerne à compreensão do contexto de influência nacional/local em sua estreita relação com o contexto de influência internacional do PROEJA, como política do governo Luis Inácio Lula da Silva (doravante Lula), é necessário identificarmos de que forma se estabeleceram as políticas para a educação profissional no governo Fernando Henrique Cardoso (Doravante FHC), o qual se iniciou em janeiro de 1995 e terminou em janeiro de 2003.

Assim, identificamos vários aspectos: o porquê de a política ter surgido naquele momento; a relação entre as influências globais/internacionais e as influências locais/nacionais a que interesses veio atender; quais foram os discursos utilizados; quais os grupos envolvidos e quais as suas diferentes versões de política (MAINARDES, 2007).

A reforma da educação profissional da década de 1990 (REP/90), do governo FHC, veio atender às novas exigências do mercado de trabalho num cenário de reestruturação produtiva, de políticas neoliberais - recomendadas pelas agências multilaterais de financiamento (OLIVEIRA, 2003), de reestruturação do Estado e de capitalismo globalizado.

O governo FHC incorporou o discurso neoliberal de adequação à nova ordem mundial através de um novo modelo de regulação social, em que a diminuição da intervenção do Estado (Estado mínimo) fosse condição para a reversão da grande crise social que assolava o mundo, sobretudo nos países subdesenvolvidos.

As políticas públicas, inclusive as educacionais, passaram a seguir a mesma lógica e o mesmo discurso assentados na flexibilidade administrativa, na racionalização dos custos, na

descentralização de serviços e atendimentos, entre outros. Essas seriam também condições e formas de reverter a crise educacional brasileira.

No âmbito educacional, o governo FHC teve como característica básica a restauração15 da dualidade educacional quando separou o ensino médio da educação profissional através do Decreto Nº 2.208/1997, tendo este sido o marco do autoritarismo da reforma, desde a sua concepção até a implantação das mudanças.

Nesse cenário, Luís Inácio Lula da Silva se apresenta como candidato de oposição pelo Partido dos Trabalhadores (PT), rechaçando a política e as práticas do governo FHC. Eleito em 2002 e iniciando o mandato em janeiro de 2003, tinha o desafio de tornar realidade o que havia proposto em campanhas.

Segundo Sader (2004), num balanço do primeiro ano do governo Lula, o PT encontrava-se numa situação nova: um governo marcado por decepções16 e resistências dentro do próprio partido, com o agravante de ter alterado suas posições históricas e dado continuidade à política econômica de FHC. O presidente Lula, enquanto representante do Governo, adquiriu feridas com o movimento social, foi acusado de um deslocamento para o centro-direita e de ter uma administração conservadora.

Mesmo assim, o seu discurso era de rompimento com a política do governo anterior, não subordinando a política educacional às determinações do mercado globalizado. Defendia uma política pública educacional coerente com as diretrizes de um novo Projeto de Desenvolvimento Nacional (BRASIL, 2003). Ainda na avaliação de Sader (2004), 2004 seria o ano em que o governo Lula teria uma dura luta social e ideológica para resgatar a prioridade social.

É nesse contexto que é promulgado o Decreto Nº 5.154/2004, o qual pressupunha “uma cara nova” para a educação profissional quando vinha permitir novamente a integração entre o ensino médio e o profissional/técnico. E, como consequência, é instituído o PROEJA, ampliando essa integração quando inclui a modalidade EJA.

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Antes disso, a Lei 5692/1971 – que reformulou os ensinos de 1º e 2º graus - havia instaurado um sistema único de ensino em forma de profissionalização compulsória.

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3.2.2 O contexto de produção de textos PROEJA e suas inter-relações com o contexto de