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Discursos e mecanismos para manutenção e conversão de novos sujeitos

4 A INTRODUÇÃO DA MÍDIA EVANGÉLICA NO MARANHÃO: Origem e

4.5 Discursos e mecanismos para manutenção e conversão de novos sujeitos

Além das estratégias criadas para contornar o problema financeiro, a Rádio Esperança desenvolvia ações paralelas às programações, que abrangia shows com cantores evangélicos e gincanas. A invenção destas ações foi adaptada àquelas produzidas pelas rádios presentes na cidade, pois existiam audiência e participação do público. Na Esperança, avaliamos que se usou como formas de manter, entreter e atrair os jovens da cidade e das diferentes igrejas e, por consequência, apoiar causas sociais, ou entidades carentes, que resultaria em audiência para a emissora. Isto é perceptível na afirmação de Benjamin:

Aí nós fizemos disso uma coisa mais profissional. Começamos a trazer [cantores de música evangélica], não sem a posição de alguns pastores que eram intolerantes, não suportava o fato de que a mocidade podia ter um entretenimento e no entretenimento louvar a Deus. Porque era o que a gente fazia, a gente fazia a coisa acontecer nessa ambiência, tanto de louvor a Deus como também de entretenimento. Os jovens saíam dos porões de suas igrejas e iam para mundo louvar a Deus abertamente em qualquer lugar, qualquer palco, qualquer show. Escolhemos a dedo isso tudo. [...] Aí a gente fazia os shows e a gente tinha nesses shows algumas coisas que a gente começava a fazer shows beneficentes para atender algumas entidades carentes.59

Em relação à gincana, Marco D‟Eça, ex-apresentador da Esperança destaca:

[...] Ela tinha um teor absolutamente evangélico. Ela começava e terminava dentro dos princípios evangélicos, mas ela era uma forma também de distrair e de atrair

jovens tanto que os números de conversões dentro desses eventos promovidos pela rádio eram muito grandes, após as provas, nos dias de apresentação, dos eventos.

Porque, geralmente, tinha umas provas e no final tinha apresentação de shows de cantores evangélicos, cantores gospel e tal. E muitas pessoas se convertiam a partir

daquela experiência que eles viviam ali naquele meio durante alguns dias, geralmente três dias, no final de semana.60 (grifos nosso)

Noutras palavras, existia uma preocupação grande em alcançar o público jovem para à Igreja, na qual resultou em inúmeras conversões, de forma aberta, mais dinâmica, no que diz respeito às ações da Rádio. Isso aí muito tem a ver com o objetivo do presente trabalho: parece que as conversões não se davam precisamente através das programações internas da Rádio, mas de atuações externas e paralelas produzidas pela direção da Rádio, que eram divulgadas e transmitidas pela própria emissora.

Também, os shows e as gincanas realizadas geravam recolhimentos de alimentos que eram distribuídos para as diferentes entidades: evangélica, católica, espírita e maçônica. Essas ações e doações, embora tivessem explicitamente a ideia de ajudar aos necessitados, mesmo que com objeções de alguns fiéis, não podemos desconsiderar que eram uma forma de trazer ou aproximar pessoas à Rádio Esperança e, por consequência, à Igreja, visto que: “nós não somos uma emissora só de evangélicos. Somos uma emissora para a cidade” 61..

Dentre algumas ações da Rádio Esperança que teve “repercussão” entre fiéis da Igreja e trouxe ouvintes à Rádio, destaca-se, na direção do Benjamin, a realização de um show beneficente, com o cantor Ed Wilson, em prol de uma creche da Legião da Boa Vontade, uma entidade espírita, que ia fechar por falta de mantimentos. Segundo o próprio Benjamin,

E aí, eu me lembro de que, quando gravaram um comercial de chamada dessa, dessa beneficência, colocaram LBA [Legião Brasileira de Assistência], mas a LBA não existia mais, já tinha sido extinta na época de Collor, pós-Collor, Itamar Franco, eu acho... Aí eles vieram a mim, eu disse: é LBV [Legião da Boa Vontade]. Mas pastor, LBV é espírita. Eu disse: qual é o problema? Uma creche, criança não tem religião, criança tem estômago, criança precisa de cuidado, se você não vai cuidar nem eu; deixa os espíritas cuidarem, rapaz. Aí eles ficaram assim: pastor vai ser muita crítica. Eu digo: eu aguento. Eu aguento. E aí, botamos. Eu sei que no dia do show foi uma loucura nessa cidade de gente falando mal de mim. Aí a locutora veio quase chorando: pastor o que, que eu faço? Toda hora ligando gente esculhambando o senhor aqui. [...] Eu disse: faça o seguinte, bota no ar. [...] Deixa o povofalar, vai ter alguém que vai me esculhambar, mas vai ter alguém que vai me defender. Deixa o povo falar.62

Isso provocou um debate intenso de uns a favor e outros contra o Benjamin, com duração de duas horas, das 10h da manhã até meio dia. Foi debatido se era certo ou errado ajudar uma creche da Legião da Boa Vontade que atendia crianças carentes.

60 D‟EÇA, Marco Aurélio. Entrevista concedida à autora. São Luís, 20 set. 2017. 61 SOUZA, Benjamin Lima de. Entrevista concedida à autora. São Luís, 09 nov. 2017. 62 Ibidem.

[...] Quando foi antes de meio-dia, eu fui para o ar e falei: olha, eu estou aqui agora para dar minha resposta. Eu vou levar cinco quilos de alimentos: vou levar um quilo por todos os meus críticos que não vão levar nada, eu vou levar por vocês, tá? Vou levar um quilo por aqueles que estão me defendendo, porque acho que é certo, porque eu espero que vocês vão lá também levar o seu quilo, não só defenda, mas também vá lá. Vou levar outro quilo por essas 250 crianças; vou levar outro quilo por aquele que quando ia para Jerusalém não tinha de reclinar a cabeça, e o último quilo eu vou levar por mim, [...]. Jesus me mandou amar, Jesus me mandou amar até o meu inimigo, por que não posso amar um espírita que não me faz mal algum, por que não posso amar essas crianças? [...] Eu disse: não me preocupa não se você não gosta de mim, não me preocupa se você não me respeita, eu não estou preocupado com isso.·63

Essa situação não deixa de mostrar ousadia, tolerância e “mente aberta” do diretor Benjamin frente ao contexto da época, tendo em vista que a Igreja e seu corpo de fiéis ainda não eram tão flexíveis sobre essas questões. Inclusive, não é errado dizer que foi um diretor “além do seu tempo”. Porém, como resultado dessa ação específica, depois que a entidade recebeu os alimentos recolhidos durante show,

Sabe o que eles me disseram? Eles disseram: pastor, os espíritas do Maranhão se reuniram no congresso e todo mundo ficou sabendo da sua atitude. Ele disse assim: foi objeto de nossa discussão lá, de nosso encontro lá e nós decidimos que a partir de agora todos os espíritas ouvirão a FM Esperança. É a nossa Rádio, porque ali nós sabemos que tem Evangelho. Aí, eu te pergunto, eu me emociono quando eu me lembro disso, porque eu nunca pensei em ouvir de um espírita um negócio desse: a FM Esperança é a nossa rádio. Nós agora, todos os espíritas sabem o que você fez por nós. Nós vamos ouvir essa Rádio. Quando desses espíritas foram alcançados por Jesus, por causa da minha doideira. Alguém chamou de doideira. Eu sabia que não era. Era normal. Jesus faria o que eu fiz. Então, essas coisas marcantes de, de, de levar alimentos para quem não tinha nada, de ajudar creche, de ajudar jovens, sabe, de ajudar as igrejas a terem voz. Olha, as igrejas não tinham voz nessa cidade, era

muito caro ter um programa de rádio, até na FM Esperança nós demos a eles, nós demos a eles essa voz. Então, esse também foi um lado marcante, de abrir a rádio, abrir o microfone da Rádio para que as igrejas tivessem sua programação mesmo que fosse de meia hora, né.64 (grifo nosso)

Toda essa situação é para ilustrar a forma que a Rádio Esperança atuava por meio de suas ações paralelas que tinha um caráter social, mas, sobretudo, utilizava-se disso, talvez intencionalmente ou não, como um meio de aproximar pessoas de diferentes religiões da Rádio, pois não queria restringe-se tão-somente ao grupo religioso interno da Igreja. Isso não se deu somente através de suas ações sociais, mas quando abriu também espaços para igrejas batistas, presbiterianas, quadrangulares etc., que não pertenciam ao grupo da Igreja para realizar suas programações. Por outras palavras, o público dessas igrejas era atraído de alguma forma para a Rádio Esperança e a emissora não ficava sem ouvintes.

63 SOUZA, Benjamin Lima de. Entrevista concedida à autora. São Luís, 09 nov. 2017 64 Ibidem.