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2. EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DOS TRABALHADORES

2.1. A discussão no âmbito acadêmico

Para situar a discussão sobre a educação na perspectiva dos trabalhadores, mais especificamente no âmbito acadêmico, destaco alguns aspectos da pesquisa que vem sendo realizada no campo trabalho e educação e identifico algumas polêmicas na seara dos estudos que têm como referência a contribuição marxiana.

De início, verifico que a trajetória da produção científica vem passando por modificações ao longo das últimas décadas, que acompanham as mudanças históricas decorrentes do movimento ocorrido na base material da sociedade e da luta de classes, ao qual nos referimos no primeiro capítulo.

A partir de levantamento realizado por Tumolo (2005), constata-se que as análises acadêmicas da produção do campo Trabalho e Educação, realizadas no período de ascenso da luta da classe trabalhadora no Brasil, no final dos anos 1970 e durante os anos 1980, “buscavam articular a educação com a estratégia revolucionária, quaisquer que fossem seus matizes e limites”. Já, a partir nos anos noventa, os estudos acerca da relação entre educação e revolução têm escasseado.

A temática de pesquisa que articula trabalho e educação originou-se no Brasil, “como campo orgânico de interesse e investigação, aproximadamente no final dos anos 1970 e começo dos 80, manifestando-se em vários espaços acadêmicos”, sobretudo na PUC-SP, na UFMG e na UNICAMP (TUMOLO, 2005, p. 12). O pólo referencial dessa época foi o

Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Educação, coordenado pelo Professor

Demerval Saviani.

Suas características eram:

1. discutir a educação, bem como a sua relação com o trabalho, na perspectiva dos interesses da classe trabalhadora;

2. referenciar-se no marxismo como a fundamentação teórico-política, com clara prevalência em Gramsci, cujo pressuposto era, provavelmente, a necessidade de superação do capitalismo, daí a crítica a este sistema social e, por decorrência, a necessidade de elaboração e implementação de uma estratégia revolucionária.

A partir desse norte, a questão que se colocava no âmbito acadêmico da educação era se havia possibilidade de que a educação estivesse vinculada aos interesses históricos dos trabalhadores, para contribuir com o processo de transformação revolucionária do capitalismo, bem como de que forma se daria e qual seria a contribuição que a forma escolar de educação poderia oferecer nesse processo (Idem, p. 13)

A produção teórica conduzida por Demerval Saviani caracterizou-se, num primeiro momento, por ser uma crítica contundente às concepções e práticas liberais de educação, ou melhor, às concepções não-críticas: pedagogia tradicional, pedagogia nova e pedagogia

tecnicista. Naquele momento Saviani priorizou a crítica à pedagogia nova, uma vez que

vários de seus interlocutores a consideravam como uma pedagogia crítica. Seus principais trabalhos nessa época são: Escola e Democracia (1986) e Pedagogia histórico-crítica:

primeiras aproximações (1991).

No primeiro momento, o trabalho desenvolvido por Saviani, ao discutir as questões educacionais a partir de uma perspectiva dialética, aproximava-se dos autores franceses Bourdieu e Passeron (Teoria do sistema de ensino como violência simbólica), Althusser (A escola como aparelho ideológico do Estado) e Baudelot e Establet (A teoria da escola dualista), conhecidos como defensores das Teorias crítico-reprodutivistas.

Entretanto, quando a questão colocada passou a ser a busca de alternativas para que a escola fosse transformada num espaço voltado à transformação social, tais autores mostravam-se limitados, uma vez que defendiam a idéia de que “a educação na sociedade de

classes só pode ter uma dimensão de reprodução das relações, não admitindo, portanto, a contradição” (TUMOLO, 2005, p.15).

A partir dessa constatação, Saviani e um grupo de pesquisadores, coordenados por ele, passaram a desenvolver os princípios da chamada pedagogia histórico-crítica, incorporando a produção teórico-política de Antônio Gramsci, ao buscar “estabelecer o vínculo entre a educação e a estratégia revolucionária”, a partir da “chamada fórmula da hegemonia civil” (Ibidem).

Outra pesquisadora de grande referência no campo trabalho e educação é Lucília Machado, cujo trabalho principal Politécnia, escola unitária e trabalho (1989) “não só recupera o papel fundamental da escola em sua especificidade, como vai além, dando um caráter global à discussão, contextualizando a escola e articulando-a com o projeto de construção da hegemonia do proletariado”. Tumolo (2005) avalia que, balizada pela concepção marxista, especialmente gramsciana, Machado (1989) fez

uma garimpagem histórica do conceito, das propostas e experiências de escola unitária, buscando sua gênese desde a época da revolução burguesa, passando pelos socialistas utópicos, anarquistas, até chegar à discussão feita por Marx, Engels e outros marxistas, dando especial relevo a Gramsci” (TUMOLO, 2005, p. 15).

Apesar dos limites46 e polêmicas, a produção teórica do primeiro período no campo trabalho e educação “foi fecunda e teve uma importância ímpar na história do pensamento de esquerda, sobremaneira marxista, na área de educação no Brasil”. Os trabalhos desenvolvidos balizavam-se pela articulação de dois aspectos: “a educação vinculada aos interesses históricos da classe trabalhadora, ou seja, à estratégia de transformação revolucionária, e a fundamentação no marxismo” (Idem, p. 16). É interessante perceber como o período de ascensão do movimento da classe trabalhadora expressou-se, também, no conjunto da produção dos pensadores desse campo. A informação que se tem é que muitos deles desenvolviam, de alguma forma, militância direta ou indireta junto a diversos movimentos sociais (Ibidem).

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Do conjunto da produção teórica desse período, Tumolo (2005) destaca três aspectos que expressam alguns limites, problemas e polêmicas: 1) a crítica feita por Saviani à escola nova, que ele chamou de “teoria da curvatura da vara” e que provocou um conjunto de polêmicas travadas em artigos publicados; 2) a análise daquilo que Saviani denominou de “teorias crítico-reprodutivistas”, que, possivelmente, mereceria uma re-visita e um tratamento mais detalhado e aprofundado; 3) as interpretações e incorporações da contribuição teórico- política de Gramsci, especialmente as questões relativas a seu projeto estratégico.

Trein & Ciavata realizaram em 2003 um levantamento da produção acadêmica no campo trabalho e educação47 desenvolvida a partir dos anos 90. Segundo as autoras, a discussão a respeito do vínculo entre a educação e a estratégia revolucionária foi saindo de cena e gradualmente outras questões passaram a ocupar o centro das discussões na área.

Verifica-se que o contexto de derrota da classe trabalhadora no cenário mundial da luta de classes (no final dos anos 80 e anos 9048) se expressa, também, no movimento dos trabalhadores e no mundo acadêmico. Não é por acaso que as pesquisas que tinham como norte a relação entre educação e revolução perderam espaço e tornaram-se minoritárias.

Entre as causas para a dificuldade de organização dos trabalhadores nos dias de hoje, tanto em dela falar, como em fazer a revolução no mundo contemporâneo, Tumolo (2005) aponta as seguintes: o projeto societal do capital saiu vitorioso e se impôs no mundo inteiro; produziu-se uma derrota e um profundo refluxo do movimento da classe trabalhadora; houve um abandono do projeto revolucionário e, por desdobramento, também do referencial teórico- político que dá sustentação a este projeto, o marxismo. Entretanto, afirma que, paradoxalmente, “nunca foi tão necessário falar sobre e fazer a revolução49”, uma vez que o capital, embora vitorioso, tem suas contradições acirradas diariamente; escancara a capacidade que tem de destruir o homem e a natureza no plano global; vive um momento de crise estrutural de produção. Enfim, nunca a contradição antagônica entre capital e humanidade ficou tão evidente e constatável empiricamente como no período contemporâneo, ameaçando, inclusive, a continuidade da existência humana (TUMOLO, 2005). A história nos escancara que estamos diante do velho-novo lema: “socialismo ou barbárie”, o que implica "revolução ou barbárie”.

Mas de nada adiantam tais constatações, se permanecermos apenas como espectadores da História. É imprescindível, como afirma Tumolo (2005), a realização de uma

crítica radical do capital e de sua atual conformação sócio-histórica; a crítica do Estado capitalista e de sua configuração contemporânea; a crítica das estratégias reformistas/social-democratas; a crítica das experiências socialistas; a análise das

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Ligada ao Grupo de Trabalho 09 da ANPEd.

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Nesse período, a grande maioria dos movimentos e organizações dos trabalhadores abandonava o que ainda havia de projeto revolucionário de superação da sociedade capitalista.

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Tumolo (2005) destaca que, uma vez que o conceito de revolução perpassa todo seu texto, não se pode confundir revolução com uma simples ação militar de “assalto ao poder” ou com o momento insurrecional. Revolução é, necessariamente, um processo histórico, resultado da luta de classes, que conduz à superação de um modo de produção, no caso, o capitalista, alterando substancialmente as relações sociais, principalmente as relações de propriedade dos meios de produção; processo que demanda a elaboração e implementação de uma estratégia revolucionária.

contribuições acerca de estratégias revolucionárias apresentadas ao longo da história do movimento da classe trabalhadora; a discussão e elaboração da estratégia. revolucionária na contemporaneidade e a análise do papel da educação na estratégia revolucionária (TUMOLO, 2005, p.19).

A retomada dessas questões no âmbito da educação é fundamental, ou seja, como a educação pode contribuir com o processo de transformação revolucionária do capitalismo? Qual a contribuição que as formas escolar e não-escolar de educação podem oferecer nesse processo? Quais os limites dessa contribuição? O resgate imediato da análise da educação na perspectiva dos interesses históricos da classe trabalhadora é uma tarefa que transcende o espaço acadêmico do campo trabalho e educação, pois se insere no âmbito da luta de classes e abarca todas as áreas do conhecimento. Nesse sentido, a escolha do tema e do referencial da presente pesquisa representa a minha concordância com essa perspectiva, embora não tenha a pretensão de abarcar todas as questões apontadas.

Outro trabalho importante que apresenta algumas das polêmicas que envolvem o referencial marxiano na contemporaneidade é o conjunto de artigos do livro Marxismo e

Educação, organizado por Lombardi e Saviani (2005). Os autores defendem a atualidade

desse referencial teórico para a compreensão da sociedade capitalista, uma vez que sua análise “auxilia na compreensão da própria educação, que, propondo a superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre pensar e fazer, entre teoria e prática, faz a defesa intransigente de uma formação integral, politécnica, centrada nos conteúdos e que está ‘para além do capital’” (LOMBARDI, 2005, p. vii e viii).

Sem adentrar nessa seara, destaco apenas algumas das polêmicas que o estudo do tema evoca, com o objetivo de evidenciar o leque de questões envolvidas: a discussão sobre a atualidade do materialismo histórico-dialético como referencial teórico; a possibilidade ou não de uma pedagogia comunista como parte de um projeto revolucionário de sociedade; a possibilidade de construção de uma pedagogia histórico-crítica como um projeto de educação socialista; a possibilidade do “trabalho como princípio educativo” no âmbito da sociedade capitalista, dentre outras polêmicas.

Acredito que, quando se parte para realizar uma reflexão sobre o tema, há que se ter em conta se as questões em foco dizem respeito ao contexto da sociedade capitalista ou se a um contexto pós-revolucionário (como foram algumas experiências, sobretudo de educadores soviéticos). Da mesma forma, há que considerar que a educação escolar e a extra-escolar cumprem distintos papéis, sendo a educação (formação) política parte da última,

representando um instrumento para a formação da consciência de classe com vistas à superação da ordem capitalista.

Não é objeto desta pesquisa o aprofundamento acerca de todas essas polêmicas, uma vez que o nosso tema central diz respeito ao resgate da história de uma entidade que se propõe a empreender a tarefa de educação política com uma perspectiva anticapitalista, o 13 de Maio NEP. Entretanto, mencioná-las aqui tem como objetivo lembrar o quão complexo e amplo é o debate acerca do papel transformador da educação, bem como quais são suas possibilidades e seus limites.

Por fim, é importante não deixar de mencionar que muitas das questões aqui citadas não se circunscrevem apenas ao campo trabalho e educação. Uma vez que se relacionam a determinadas concepções políticas e teórico-metológicas de compreensão da sociedade e do papel da ciência dentro dela, estendem-se a outras áreas do conhecimento, sobretudo às ciências humanas.