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4 ANÁLISE I: DIAGNÓSTICO, DECLÍNIO LINGUÍSTICO-COGNITIVO

4.3 DISCUSSÃO

A confusão trazida na consideração apenas de elementos biomédicos (como o diagnóstico) e a não consideração das rotinas interacionais habituais, que outrora os sujeitos diagnosticados viviam, gera um tipo de confronto entre a perspectiva biomédica e a perspectiva bio-sócio-cultural que confundem até mesmo os interlocutores mais experientes com o assunto, a ponto deles se atrapalharem e não saberem que atitude desenvolver para uma melhor ou mais eficaz interação com os portadores em questão.

O diagnóstico viabilizado através do Mini Exame de Estado Mental é de extrema importância, juntamente com as ressonâncias e tomografias, para um laudo eficiente da doença, mas, além de inserir os indivíduos em novas categorias como

“esquecido, aquele que não lembra, dependente” ele não se preocupa em trazer

explicações sobre o que acontece com a memória, com as alterações espaço- temporal dos pacientes, com a modificação das rotinas interacionais do dia a dia que, a partir do instante do diagnóstico, passam a ser alteradas para sempre.

Essa questão de classificar os doentes de Alzheimer na categoria “esquecido” gera, repetidamente, em todos os portadores, discursos do tipo: “olha não esqueceu

não tá vendo//” (linha 12, paciente 2, vídeo 3); “ele só lembra se alguém disser”

(linha 37, paciente 3, vídeo 2); “já tá esquecendo (...) ela agora tá esquecendo”. Isso gera um problema visualizado em todas as transcrições: o da exclusão. Por serem tidos (a partir da observância médica) como dementes, os sujeitos portadores de Alzheimer são excluídos, inicialmente, pelos familiares (que os deixam na instituição) e lá instalados não são alvo de visitas, não possuem a preocupação dos cuidadores da instituição, não são considerados pelos outros moradores, não possuem suas necessidades básicas levadas em consideração. Ou seja, a carga

demente que a doença de Alzheimer traz e que é oriunda dessa perspectiva

biomédica só faz com que os participantes de nossa pesquisa (com exceção do paciente 3) sejam excluídos cada vez mais do contexto sociointeracional que já tende a decair por si só ao longo das fases (e, consequentemente, do declínio sociocognitivo).

Nesse sentido, cabe-nos falar da perspectiva bio-sócio-cultural levada em consideração apenas pelos familiares do paciente 3, mas, que faz bastante diferença em termos de qualidade de vida do portador. Nesse caso, a família faz

questão de considerar o paciente como único, com uma estória de vida toda alterada após o diagnóstico de Alzheimer. Apesar de viver na mesma instituição dos demais é comum percebemos DSB envolvido em várias atividades sociais como jogar com os outros moradores e com seus cuidadores (nesse capítulo, revelamos um momento de DSB brincando de dominó, no vídeo 5), lê normalmente seu jornal (o paciente apesar de está em fase avançada (nível 3) ainda lê bastante bem), possuir dois cuidadores só seu, e é também o que mais possui a presença de familiares na instituição. No caso de D. a família teve bastante cuidado em manter suas práticas sociais habituais, a ponto de tentar adaptar o máximo suas novas mudanças de vida à vivenciada no passado.

A experiência proposta e desenvolvida pela família desse portador só revela o quanto é importante considerar essa perspectiva bio-sócio-cultural como crucial no estudo da doença de Alzheimer. Isso porque como seres culturais que somos, cada um de nós dotamos de capacidades sociais e de uma grande heterogeneidade que não pode ser excluída apenas por um diagnóstico por si mesmo.

A ocorrência de categorias emergentes durante o processo de interação nos demonstra uma atitude pensada em que os portadores de Alzheimer são incluídos e reconhecidos por seus interlocutores como resultantes de alusões sociais da categoria “doente de Alzheimer” com questões como esquecimento, dependência, declínio cognitivo.

Outro fator que merece análise é a realização da atividade neuropsicológica. É comum mais uma vez percebemos a existência de pares binários para descrever pacientes Alzheimer e não-Alzheimer, assim, é frequente possuirmos pares do tipo preocupante-não preocupante, certo-errado, doente- sadio, e, finalmente, Alzheimer- não - Alzheimer.

Isso é bastante recorrente no teste, como bem observamos. Ora, quem realiza as perguntas dos testes são as enfermeiras, quem os responde, os portadores e o grupo de controle. Já vimos também que todo o exame é relacionado com questões do tipo: “quanto é 100-7?”, ou, “qual o ano em que estamos?” e, assim, sucessivamente. Finalmente, se o indivíduo o responde eficazmente é tido como sadio, logo, não-alzheimer. Caso contrário, o sujeito é diagnosticado com a patologia Alzheimer e, consequentemente, tido como doente de Alzheimer.

De acordo com Focault (1954) as diversas categorias que emergem em uma prática linguistíco-discursiva a partir do processo interacional possibilita a negação

ou evocação de uma determinada categoria e permite, assim, uma série de análises de atividades históricas, sociais, psicológica e subjetiva passíveis em uma dada comunidade linguística.

Dessa forma, a teoria de Focault é bastante sentida na nossa realidade quando percebemos na pesquisa, ainda, uma evocação da doença de Alzheimer a partir de uma perspectiva histórica, social, psicológica e subjetiva que possui no diagnóstico biomédico seu escopo de materialização e que altera, a partir desse momento, todas as práticas sociais habituais do portador. Ou seja, percebemos que atualmente ainda vigora uma atitude excludente (oriunda da ideia biomédica) do doente de Alzheimer em face da noção inclusiva a qual pode ser pertinente quando levada em consideração a perspectiva bio-sócio-cultural do portador, como bem observamos no exemplo de DSB, paciente 3 dessa pesquisa. É importante que se pense nos obstáculos e possíveis inquietações que passarão a ser vivenciadas nas vidas dos portadores de Alzheimer e não apenas nos possíveis papéis que cada um deles irão desenvolver na estruturação da atividade comunicativa.

Dando continuidade, veremos no capítulo a seguir as ordenações sociais e cognitivas postas em uso no discurso do portador de Alzheimer. Com isso, verificaremos que recursos como a hesitação, repetição, reparo são elementos característicos e mais comuns do que possamos imaginar, presentes, frequentemente, em atividades interativas realizadas entre portador de Alzheimer e seus interlocutores.

5 ANÁLISE II: A ANÁLISE DAS ORDENAÇÕES SOCIOCOGNITIVAS POSTAS EM

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