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IV Discussão

Nos primeiros anos da epidemia, a aids afetou grupos de pessoas muito definidos, a partir do modo de transmissão da doença. Homossexuais masculinos, usuários de drogas injetáveis, hemofílicos, hemotransfundidos, profissionais do sexo e aqueles indivíduos com atividade sexual promíscua foram os primeiros infectados, tanto nos EUA,

onde foram descritos os primeiros casos, quanto no Brasil e no resto do mundo (4,68,69).

Esses indivíduos eram predominantemente jovens do sexo masculino e ficaram classificados como grupos de risco, com grande estigmatização por parte da sociedade como um todo.

Contudo, devido à facilidade de transmissão pela via sexual e um maior risco de infecção nas mulheres por razões anatômicas, houve um processo de “horizontalização” da aids. Em todo o mundo, a partir de meados da década de 1990, mais e mais inquéritos

epidemiológicos relataram a “feminização” e o “envelhecimento” da epidemia (69,70).

Tais características atuais estiveram refletidas no presente estudo, sendo que houve homogeneidade da casuística entre os cinco grupos, em relação ao sexo, idade e cor da pele. Houve no G5 (controle) um predomínio de mulheres (70%), mas essa situação não gerou diferença significativa com os outros grupos.

Ainda no presente estudo, a média de idade de 37,2 anos está de acordo com os dados nacionais, apesar de ser observado aumento persistente de casos em todas as faixas acima de 35 anos, no decorrer da década de 1990 e nos primeiros anos do novo século, em ambos os sexos, com destaque para as faixas de 35 a 39 anos e 40 a 49 anos, ainda mais evidente entre as mulheres. Porém, a maior concentração de casos nos anos de 1997 a 2007, no Brasil, encontra-se na faixa entre 25 e 49 anos (69).

No Brasil, a razão de casos entre homens e mulheres variou, em média, de 6,5 casos entre homens para cada caso entre mulheres no período de 1980 a 1990, para 2,0:1,0 em 1999, 1,8:1,0 em 2000 e 1,7:1,0 em 2001, o que ocorreu em todas as faixas

etárias, sendo que atualmente está em 1,5:1,0 (69). No presente estudo, a proporção geral

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internacionais e alertam cada vez mais para a necessidade especial de cuidados preventivos e de atenção à saúde das mulheres (69,70).

Em relação à cor da pele, os dados nacionais mais recentes apontam para uma

divisão quase igualitária entre brancos e pretos/pardos (69). Essa proporção não foi

observada na presente casuística, em que a maior parte dos indivíduos tinha pele branca. A explicação para essa divergência passa pelo fato de que a região geográfica na qual os indivíduos desse estudo residem tem forte colonização européia, diferindo da maior parte do território brasileiro. De qualquer forma, a seleção dos indivíduos do presente estudo não foi realizada de forma randomizada, e, portanto, não reflete necessariamente a real composição de cor da pele entre os pacientes atendidos.

No total dos pacientes com infecção pelo HIV, a maioria (56,5%) exibiu contagens

de linfócitos T CD4 superiores a 350 células/mm3, o que indica uma situação imunológica

razoavelmente preservada, se comparado com aqueles que se situaram na faixa entre

200-350 células/mm3 (25,6%), e principalmente quando pareados com valores inferiores

a 200 células/mm3 (17,9%). Não houve diferença na proporção entre os G1 e G3, mas no

G4 nenhum paciente exibiu CD4 inferior a 200 células/mm3, sendo que a grande maioria

nesse grupo se concentrou na faixa acima de 350 células/mm3 (81,2%).

Essa grande diferença foi observada, pois, por definição, o G4 era o grupo de indivíduos com CV-HIV indetectável, situação que classicamente se correlaciona com

aumento nas contagens de CD4 (3,5,68). Por outro lado, mesmo em indivíduos com CV-HIV

indetectável, parece não haver recuperação da capacidade de expressão de perfil Th-1, sendo que esses pacientes exibem em sua maioria perfil Th-0 maduro e baixos níveis de IL-2, sugerindo que a apoptose de linfócitos durante a evolução da doença seja a

responsável por esse fenômeno (53,54). Nos pacientes coinfectados, valores mais baixos de

CD4, principalmente menores que 200 células/mm3, estão relacionadas com progressão

mais rápida de acúmulo de fibrose, e surgimento de cirrose (22,30,31).

No G1, a maioria dos indivíduos exibia CV-HIV indetectável (68,2%), todos em uso de HAART. Entre os pacientes com CV-HIV detectável, apenas dois não haviam iniciado uso de antirretrovirais, os outros cinco estavam em falha terapêutica virológica, principalmente pelo uso irregular das medicações. Inúmeros estudos apontam que o

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controle virológico é um dos fatores que diminui a velocidade de progressão da fibrose hepática em pacientes coinfectados HIV/VHC, sendo que os guidelines mais recentes já recomendam início de terapia antirretroviral precoce nessa população, visando alcançar mais rapidamente a CV-HIV indetectável e reduzir o risco de surgimento de cirrose a longo prazo (71,72).

O genótipo 1 do VHC foi o predominante (77,3%) no total da casuística, seguido do genótipo 3 (18,2%) e do genótipo 2 (4,5%), distribuição essa muito semelhante aos dados

nacionais e principalmente aos do Estado de São Paulo (73,74). Esse achado é

fundamentalmente importante, pois o genótipo 1 é o que apresenta pior resposta ao tratamento; no máximo 50% desses pacientes conseguem sucesso terapêutico, taxa bem inferior se comparado com os genótipos 2 ou 3 em que até 80% dos indivíduos alcançam

respostas virológica sustentada (75). O percentual de genótipo 1 é ainda maior no G1

(91%), possível reflexo da principal via de transmissão do VHC na coinfecção com o HIV, o

uso de drogas injetáveis ilícitas, reconhecidamente relacionado a esse genótipo (73).

Portanto, no G1, grupo que concentra a população coinfectada HIV/VHC em que classicamente a progressão da HVC é mais rápida, a chance de sucesso terapêutico do VHC é menor, traduzindo o cenário clínico de dificuldades no tratamento desses indivíduos, que se complica ainda mais se considerarmos as interações farmacológicas e efeitos adversos entre a terapia antirretroviral e o tratamento do VHC. No G2 o genótipo 1 ainda predomina (63,7%), mas o percentual de genótipo 3 (27,3%) e genótipo 2 (9%) é maior, o que está de acordo com os dados nacionais publicados em pacientes monoinfectados pelo VHC (73,74).

Apesar de não haver diferença estatística significante, o G1 reúne

proporcionalmente maior número de indivíduos com fibrose moderada a avançada (95,5%), ou seja, fibrose na classificação METAVIR maior ou igual ao grau 2, quando comparado com o G2 (91%). Esse achado é esperado visto que a HVC pode ser considerada uma doença oportunista nas PHVA, pois há aceleração de sua história

natural, representada por fibrose hepática precoce e maior ocorrência de cirrose (19,21,22).

O alto índice de fibrose moderada e avançada nessa população também significa que todos os indivíduos com fibrose maior ou igual ao grau 2 teriam indicação de terapia

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específica do VHC, com as dificuldades intrínsecas acima relatadas. Além disso, o G1 também concentrou uma maior proporção de fibrose grau 3 (32%), quando comparado ao G2 (23%).

A comparação entre as citocinas nos grupos de estudo e o grupo controle foi realizada de duas formas. Seguindo metodologia de estudo desenvolvida em nosso meio

(54), a primeira calculou limites inferiores e superiores de normalidade baseados na média

e desvio padrão dos valores encontrados em G5, o que foi possível porque houve tendência de distribuição simétrica desses valores. Para aumentar a sensibilidade, o cálculo dos limites inferiores e superiores foi realizado subtraindo e somando,

respectivamente, dois desvios-padrão da média dos valores de G5 ( -/+ 2σ), gerando

uma chance de erro de apenas 5%, diferentemente do estudo original (54) que utilizou a

variação de um desvio padrão ( -/+ 1σ), com chance de erro de 32%. A segunda forma

de comparação foi o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, ajustado pelo teste de Dunn (p < 0,05), que se mostrou ainda mais rigoroso em revelar diferenças entre os grupos. Dessa forma, os quadros 1 e 2 comparam as citocinas dos grupos de estudo com o grupo controle com dois tratamentos estatísticos distintos, favorecendo uma análise mais crítica dos resultados obtidos.

Em linhas gerais, em todos os grupos de estudo observamos aumento das citocinas IL-4 e IL-10, relacionadas mais intimamente ao perfil Th-2. Já o INF-γ e a IL-2, principais citocinas ligadas ao perfil Th-1, não estão consistentemente aumentadas, e, quando existe tendência superior de expressão, como no caso do G4, sua produção sérica provavelmente esteja sendo inibida pelos altos níveis séricos circulantes de IL-4 e IL-10. O predomínio dos perfis Th-2 e Th-0 maduro nas infecções crônicas seja pelo HIV ou pelo VHC foi demonstrado em diversos trabalhos e estão possivelmente na gênese da perpetuação da infecção, do escape da resposta imune, da atividade inflamatória

constante, e, consequentemente, da instalação das lesões e progressão da doença (44, 45,

46, 47, 48, 53,54).

A classificação dos grupos de estudo nos perfis Th-1, Th-2 ou Th-0 maduro de acordo com as citocinas, quer seja por ELISA ou por RT-PCR de acordo com a metodologia

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proposta não se encaixou completamente, mas permitiu uma interpretação de tendências de resposta imune.

No G1, houve altos níveis circulantes de IL-10, potente citocina anti-inflamatória e inibitória da expressão do perfil Th-1, o que foi verificado no estudo, pois apesar de existir expressão aumentada de mRNA de IFN-γ, não havia altos níveis circulantes dessa citocina, sendo que a IL-2 foi comparável ao grupo controle tanto pelo ELISA, quanto pelo RT-PCR. Além disso, foi verificado também altos níveis de IL-4 circulantes, citocina relacionada com a indução para o perfil Th-2, e que retroalimenta sua própria produção, fato que, porém, não foi encontrado pois a expressão de mRNA-IL-4 foi comparável ao grupo controle. Mediante essa linha de interpretação, o G1 foi classificado como compatível com o perfil Th-2. No G1 estão concentrados os coinfectados pelo HIV/VHC, sendo que, nessa população parece haver o predomínio do perfil Th-2, mesmo entre aqueles com CV- HIV indetectável (61, 64).

Já no G2, tanto a IL-4 quanto a IL-10 tinham elevados níveis séricos, e sua expressão também estava aumentada. Mas como o IFN-γ estivesse também elevado em ambas as dosagens, o G2 foi interpretado como intermediário entre Th-0 e Th-2. Não houve níveis aumentados de IL-2 em nenhum dos testes nesse grupo. O G2 foi composto de pacientes monoinfectados pelo VHC, em que o perfil Th-2 é responsável pela cronificação da infecção e progressão das lesões hepáticas (44, 45, 46, 47, 48).

O G3 talvez seja o grupo de mais fácil caracterização pela metodologia proposta, pois IL-4 e IL-10 se mostraram elevadas por todas as aferições. Apenas o mRNA-IFN-γ se mostrou aumentado, mas seus níveis séricos não, levando ao mesmo comentário feito em relação ao G1, em que a IL-10 pudesse estar causando inibição de sua expressão. O G3 é o grupo de pacientes monoinfectados pelo HIV com CV-detectável, ou seja, nessa

população a replicação viral está fora de controle e os níveis de linfócitos T CD4 estão em

depleção, justificando o perfil Th-2 encontrado (53,54).

Finalmente no G4 foi verificada elevada expressão e produção de IL-4, bem como de IL-10, enquanto o IFN-γ e a IL-2 apesar de terem sua expressão elevada, não exibiam altos níveis séricos, talvez pelo efeito inibitório das citocinas do perfil Th-2, que foi o perfil escolhido para se classificar o grupo. O G4 foi composto por pacientes monoinfectados

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pelo HIV, com CV-HIV indetectável. Apesar com controle virológico, e níveis mais elevados

de linfócitos T CD4, não houve produção de citocinas do perfil Th-1, apesar da expressão

aumentada, o que também foi encontrado em estudo anterior realizado em nosso meio (54).

Na análise global dos perfis de resposta imune, o perfil Th-2 predominou entre os grupos compostos por pacientes com mono ou co-infecção pelo HIV, sendo que o grupo monoinfectado pelo VHC diferiu principalmente pela alta expressão e produção de IFN-γ, levando a uma interpretação de perfil intermediário entre Th-0 e Th-2, apesar da ausência de IL-2. O racional para a terapêutica da HVC se baseia justamente em fornecer drogas imunomoduladoras capazes de promover o despertar de uma resposta imune celular, inibindo as citocinas do perfil Th-2, e permitindo então a exibição do perfil Th-1. O tratamento é realizado com a administração de IFN-α (convencional ou peguilado) e ribavirina, essa última muitas vezes erroneamente classificada como antiviral, já que não tem ação alguma in vitro ou in vivo contra o VHC, e exibe ação imunomoduladora ainda

desconhecida (76). Já são bem conhecidos também, como um dos mais importantes

fatores preditivos positivos à resposta ao tratamento da HVC, os genes IFN-indutíveis, que, se estiverem ativos no pacientes, promovem o sucesso terapêutico em elevada proporção (77).

Quando avaliado individualmente o IFN-γ realmente se destaca por suas altas

concentrações séricas no G2, talvez refletindo uma tentativa de resposta à infecção pelo VHC, mas que esteja incompleta por falta da IL-2, que pode ser causado pela alta produção de IL-4 e principalmente de IL-10, já descrito como mecanismo de escape do VHC (25,78). Porém, o mesmo comportamento não se verificou no G1, apesar da dosagem de mRNA-IFN-γ ser a mais alta entre todos os grupos. A possível explicação dessa tendência de expressão não se traduzir em produção, é que também no G1 se observam os maiores valores de IL-10, que não ocorre com tanta intensidade em G2. Nos outros grupos, não houve aumento do IFN-γ. No presente estudo, a interação HIV/VHC parece favorecer uma alta expressão de mRNA-IFN-γ, que não é verificada nos outros grupos de monoinfecção pelo HIV, mas essa característica não se traduz em uma produção sérica de IFN-γ, como visto entre os monoinfectados pelo VHC.

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A avaliação individual da IL-2 mostra que apenas no G4 houve aumento significativo do mRNA-IL-2, sem que contudo, houvesse uma concentração sérica aumentada, talvez por inibição causada pela IL-10, que tinha níveis elevados nesse grupo e pode ser a explicação para a persistência de baixos níveis de IL-2 mesmo em pacientes

com CV-HIV indetectável por muitos anos (54). É interessante notar que, somente em

comparação com o G1, o G4 exibia níveis circulantes mais elevados de IL-2, o que sugere que a coinfecção HIV/VHC esteve relacionada à diminuída expressão desta citocina. Nos outros grupos não se observou aumento de IL-2. No presente estudo, a condição de CV- HIV indetectável parece favorecer a expressão de IL-2, apesar dos níveis séricos normais. A interação HIV/VHC esteve associada à diminuída produção de IL-2, se comparada aos indivíduos monoinfectados pelo HIV com CV-HIV indetectável.

Em relação à avaliação individual da IL-4, foi observado aumento consistente em todos os grupos, tanto em expressão de mRNA, quanto em níveis séricos, com exceção do G1, que apresentou aumento somente pelo ELISA quando utilizado os valores inferior e superior de normalidade. A IL-4 é a principal citocina relacionada à indução do perfil Th-2, o que pode explicar o fato de todos os grupos exibirem essa tendência, tanto em

indivíduos monoinfectados pelo HIV ou VHC, ou em coinfectados HIV/VHC (44, 45, 46, 47,

48,53,54). No presente estudo, a IL-4 esteve elevada em todos os grupos e pode ser o determinante principal para a tendência de predomínio do perfil Th-2 encontrada. A interação HIV/VHC esteve associada a menores níveis de IL-4, sendo que nessa população não houve aumento nas dosagens de mRNA.

A IL-10 observada individualmente revelou altos níveis séricos em todos os grupos, exceção talvez em G4. As dosagens de mRNA-IL-10 esteve principalmente elevada em G1 e G3, grupos que continham pacientes com CV-HIV detectável, o que pode ser um fator

de influência para a expressão dessa citocina (53,54). A IL-10 é uma potente inibitória das

citocinas do perfil Th-1, e sua elevação pode explicar a não produção de IFN-γ em G1, apesar de mRNA-IFN-γ elevado, e a não produção de IL-2 em G2, apesar do mRNA-IL-2 também elevado. No presente estudo, a IL-10 esteve aumentada em todos os grupos, e pode ter contribuído para a tendência do perfil Th-2 encontrada.

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Quando avaliado individualmente, o TNF-α se mostrou elevado principalmente em

G1 e G2, tanto por ELISA quanto por RT-PCR. Em G3 e G4 foi verificado aumento, se considerarmos a análise por desvio padrão. O TNF-α é importante citocina ligada à inflamação local e sistêmica, além de induzir apoptose, sendo relacionada à progressão

da inflamação hepática e progressão da fibrose (79). Alguns autores propõem, inclusive,

moléculas anti-TNF-α como tratamento adjuvante da HCV (79,80). No presente estudo o

TNF-α esteve mais diretamente relacionado à infecção crônica pelo VHC, possivelmente representando o papel inflamatório nessa situação.

A análise individual do TGF-β mostra elevação somente nos grupos que continham pacientes infectados pelo VHC monoinfectados, ou coinfectados pelo HIV, sendo que, nos grupos que eram formados por monoinfectados pelo HIV, tanto a dosagem sérica quanto o mRNA-TGF-β estiveram normais. O TGF-β tem reconhecidamente ação fibrogênica hepática, além de efeitos anti-inflamatórios e antagonista do perfil Th-1, além de ser

inibidor da proliferação celular e promover indução de apotose hepática (81). Por todos

esses aspectos, alguns autores sugerem que a dosagem de TGF-β pode ser uma importante arma no diagnóstico de progressão de doença hepática, como na situação de

infecção pelo VHC (81,82,83). No presente estudo, o TGF-β esteve elevado somente nos

grupos de pacientes com infecção pelo VHC, se configurando como importante marcador de fibrose hepática.

V – Considerações

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