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64 7. DISCUSSÃO

A principal função da fosforilação oxidativa é a produção de ATP, e danos a um ou mais dos complexos enzimáticos podem prejudicar a produção de energia celular. Assim, defeitos no metabolismo energético da mitocôndria têm sido considerados os principais responsáveis pela patologia de inúmeras doenças mitocondriais (Bentlage et al., 1995; DiMauro et al., 1985; Leonard & Schapira, 2000). Acredita-se que os mecanismos envolvidos na patogênese destas doenças estejam relacionados à produção excessiva de radicais livres (Choksi et al., 2004; Kirkinezos & Moraes, 2001; McKenzie et al., 2004). Dentro das células, as mitocôndrias podem ser ao mesmo tempo fontes e alvos de radicais livres. O óxido nítrico (NO) é um radical livre que participa de vários processos fisiológicos importantes, atuando em vários sistemas de sinalização celular (Boveris et al., 2000; López-Figueroa et al., 2000). Apesar de ser relativamente não reativo para um radical livre, o NO pode ser convertido em um grande número de espécies mais reativas, como o peroxinitrito (ONOO-), um potente oxidante produzido após reação do NO com o ânion superóxido (O2-) formado na cadeia respiratória

(Beckman et al., 1990; Hogg et al., 1992). A cadeia de transporte de elétrons é muito sensível aos danos mediados pelo NO e pelo ONOO-. Shen et al. demonstraram que o NO pode inibir a respiração mitocondrial e modular o consumo de oxigênio em tecidos do músculo esquelético (Shen et al., 1995). Em estudo de mitocôndria isolada de cérebro de rato, Brookes et al. (1999) demonstraram que o NO inibe a respiração mitocondrial através da inibição da síntese de ATP. Ainda, experimentos in vitro mostraram que altas concentrações

de ONOO- inativam os quatro complexos respiratórios e a ATPase em mitocôndrias extraídas de coração de mamífero (Radi et al., 1994), com um perfil de inativação similar ao observado durante exposição de células intactas ao NO (Stadler et al., 1991).

Linhagens de células cíbridas são consideradas modelos de sistemas para a investigação molecular e bioquímica de uma mutação no genoma mitocondrial, devido ao fato de possuírem o mesmo background nuclear e de diferirem apenas por uma única mutação de ponto (King & Attardi, 1989). A utilização de amostras cíbridas neste estudo, possibilitou a observação dos efeitos na síntese de NO causados por mutações presentes no DNAmt destas células.

As linhagens celulares cíbridas que utilizamos neste estudo, apresentam deficiência na fosforilação oxidativa causada por diferentes mutações no DNAmt. A linhagem que possui uma deleção do DNAmt de aproximadamente 7.5 kb (∆16:10:40), apresenta total falta de função da fosforilação oxidativa (Moraes et al. 1999). Deleções do DNAmt são freqüentemente associadas à oftalmoplegia externa progressiva crônica (OEPC) e em pacientes com a síndrome de Kearns- Sayre (SKS), sendo que a OEPC é a manifestação clínica mais comum da presença de um defeito na fosforilação oxidativa. A biópsia de músculo esquelético de pacientes com deleção do DNAmt mostra fibras SDH-positivas com presença de ragged-red fibers (RRF), com deficiência da COX (Leonard & Schapira, 2000; Schapira, 2002). A característica histoquímica mais marcante é a deficiência de COX em fibras com proliferação mitocondrial (Nonaka, 1992). A mutação 3243 A>G, presente no gene mitocondrial que codifica o tRNALeu(UUR), está associada à síndrome de MELAS (miopatia mitocondrial, encefalopatia,

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acidose láctica e episódios do tipo derrame). A biópsia muscular de pacientes com esta mutação mostra deficiência principalmente dos complexos I e IV com presença de RRF, sendo a deficiência do complexo I a mais freqüente (Goto et al., 1992). Nesta síndrome nem todas as fibras com proliferação mitocondrial apresentam deficiência da COX, o que sugere um menor envolvimento da COX neste defeito (Nonaka, 1992). A mutação 8344 A>G, presente no gene mitocondrial que codifica o tRNALis, está associada à síndrome de MERRF (epilepsia mioclônica e RRF) (Schapira, 2002). Células MERRF apresentam velocidade de crescimento diminuída, baixo consumo de oxigênio, e redução da atividade da COX e da síntese de ATP (Chomyn et al., 1991; Villani & Attardi, 1997). A análise histoquímica da biópsia muscular de pacientes com esta mutação mostra fibras SDH-positivas, muitas com proliferação mitocondrial sendo que a maioria delas apresenta deficiência da COX (Nonaka, 1992; Shoffner et al., 1990; Shoffner et al., 1991; Silvestri et al., 1993). Estudos bioquímicos em mitocôndrias musculares mostraram defeitos nos complexos I, III e IV, além de deficiência combinada dos complexos I e IV (Lombes et al., 1989; Vives-Bauza et al., 2006; Wallace et al., 1988), embora outras enzimas da cadeia respiratória também possam ser afetadas (Morgan-Hughes et al., 1982). Em experimentos realizados com fibroblastos contendo as mutações 3243 A>G e 8344 A>G, a atividade do complexo I encontrou-se diminuída, com pouca atividade detectável nos fibroblastos com a mutação 8344 A>G. A atividade do complexo IV também estava substancialmente reduzida nestas células, mas não nos fibroblastos que continham a mutação 3243 A>G. A atividade do complexo III não se apresentou significativamente afetada em nenhum dos dois tipos mutantes, enquanto a

atividade do complexo II encontrou-se aumentada nos fibroblastos com a mutação 3243 A>G (James et al., 1996).

A quantificação de nitritos (NO2-) é frequentemente utilizada como uma

avaliação indireta da síntese de NO (Archer, 1993; Privat et al., 1997; Verdon et

al., 1995; Viinkka, 1996), entretanto, apresenta alguns problemas em relação à

sua especificidade, pois apesar dos nitritos serem o principal produto final da oxidação do NO (Ignarro et al., 1993), são apenas um dos produtos finais da síntese de NO, e por isso, sua quantificação não é suficiente para medir a produção total de NO. Além disso, o limite de detecção de nitritos em fluídos biológicos é muito baixo (1-5 M) (Gilliam et al., 1993; Green et al., 1982). Por estes motivos, as mesmas amostras foram avaliadas utilizando um indicador específico da síntese de NO, o DAF-FM diacetato. A especificidade do DAF-FM diacetato e as suas vantagens com relação aos outros marcadores de NO, foram demonstradas por Kojima et al. (1999) em estudo realizado com células endoteliais bovinas. Além disso, vários trabalhos demonstraram que a fluorescência do DAF-FM em diferentes tipos de células era de fato, atribuída à produção de NO, confirmando a especificidade do marcador (Cohen & Yamasaki, 2003; Lacza et al., 2003; Li et al., 2003).

No presente estudo, a avaliação da síntese de NO com o DAF-FM não mostrou uma concordância completa dos resultados com aqueles obtidos pela quantificação de nitritos. Com relação às células cíbridas somente a linhagem com a mutação 8344 A>G mostrou um aumento na síntese de NO pelo DAF-FM. As outras linhagens demonstraram resultados opostos, com redução da marcação com o DAF-FM, enquanto a avaliação dos fibroblastos mostrou resultados

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semelhantes, com diminuição tanto da quantidade de nitritos quanto de NO através da análise com o DAF-FM. Nossos resultados da análise de fibroblastos mostram que a quantidade de NO está diminuída tanto nas linhagens de pacientes com doença mitocondrial confirmada, quanto nas linhagens de pacientes que apresentam suspeita de doença mitocondrial. Isto poderia indicar a possibilidade de realmente existir algum problema com os pacientes que apresentam esta suspeita. No entanto, os dois pacientes com doença mitocondrial confirmada, P1 e P6, apresentam diminuição dos complexos IV e I da cadeia respiratória, respectivamente.

A conversão do NO em nitritos, pode ser um dos principais meios de remoção do NO de dentro das células, a fim de reduzir seus efeitos sinalizadores ou sua toxicidade (Borutaite & Brown, 1996). Os nitritos, além de serem formados a partir da oxidação espontânea do NO, também podem ser decorrentes de reações do ONOO- ou de seu ácido conjugado, o ONOOH, com uma grande variedade de moléculas (Pryor & Squadrito, 1995). Assim, a despeito dos mecanismos envolvidos, níveis elevados de nitritos podem indicar síntese elevada de NO, mas que foi rapidamente convertido em ONOO-. Dessa forma, é possível que nas linhagens 3243 A>G e ∆16:10:40, tenha ocorrido um aumento na síntese de NO, mas que foi rapidamente convertido em nitritos, o que levou a uma redução do NO detectado pelo DAF-FM. Esta conversão pode ter ocorrido como uma forma de reduzir os efeitos tóxicos ou inibitórios do NO sobre a cadeia respiratória, o que concordaria com o estudo realizado por Torres et al. (2000), no qual relataram que esta conversão diminui a inibição da COX causada pelo NO. No caso da linhagem 8344 A>G, esta conversão pode não ter ocorrido da mesma

forma como nas outras linhagens, o que é sugerido pelo menor aumento de nitritos, e um maior aumento de NO detectado pelo DAF-FM. Pela análise dos fibroblastos, podemos considerar que houve uma menor síntese de NO, já que observamos uma diminuição tanto da quantidade de nitritos quanto de NO pela análise com o DAF-FM. Assim, nossos resultados sugerem que existem alterações na síntese de NO dependendo do genótipo mitocondrial.

O NO é produzido pela enzima óxido nítrico sintase (NOS) através da conversão da L-arginina em L-citrulina. De maneira resumida, a NOS catalisa a reação L-arginina + NADPH + oxigênio, formando NO, L-citrulina e NADP (Knowles & Moncada, 1994; Marletta, 1994; Nathan & Xie, 1994). Cada isoforma da NOS produz quantidades iguais de NO e L-citrulina, e requer cálcio- calmodulina para suas atividades. As atividades da eNOS e da nNOS são fortemente reguladas por alterações na quantidade de cálcio, enquanto a iNOS, por formar um complexo com a calmodulina sob concentrações muito baixas de cálcio, não apresenta atividade regulada por alterações no nível de cálcio (Alderton et al., 2001). Estudos de mitocôndrias isoladas de fígado de rato demonstraram que a mtNOS também depende de cálcio para sua atividade (Ghafourifar & Richter, 1997; Giulivi et al., 1998; Tatoyan & Giulivi, 1998).

Dessa forma, a quantidade de NO encontrada em determinada célula ou tecido, está diretamente relacionada à disponibilidade dos substratos e co-fatores necessários a sua síntese. Em astrócitos, a neurotransmissão induzida por níveis elevados de cálcio leva à formação de NO, que por sua vez, estimula a via de influxo de cálcio (Nianzhen et al., 2003). Assim, uma hipótese que poderia explicar o aumento do NO encontrado nas células cíbridas 8344 A>G através do DAF-FM,

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seria a existência de alguma alteração no influxo de cálcio que estaria ativando a NOS nestas células. Alterações na homeostase do cálcio mitocondrial já foram relatadas em linhagens celulares com as mutações 8344 A>G (Brini et al., 1999) e 3243 A>G (Moudy et al., 1995). Brini et al. (1999) demonstraram existir um desarranjo na homeostase do cálcio mitocondrial em células com a mutação 8344 A>G, e o tratamento destas células com drogas que afetam o transporte de cálcio na mitocôndria restaurou o consumo de cálcio mitocondrial e estimulou a síntese de ATP. Em fibroblastos de pacientes com a mutação 3243 A>G, Moudy et al. (1995) mostraram níveis elevados de cálcio, como conseqüência de uma diminuição no potencial de membrana mitocondrial, o que tornou estas células incapazes de lidar com o influxo excessivo de cálcio. Diminuições do potencial de membrana realmente afetam a homeostase do cálcio nas células (Gunter et al., 1994), e também foram observadas em mitocôndrias de fibroblastos contendo as mutações 3243 A>G e 8344 A>G (James et al., 1996) e em células cíbridas com a mutação 8344 A>G (Antonická et al., 1999). Foi relatado que a atividade da mtNOS torna-se fortemente aumentada quando a mitocôndria absorve cálcio (Ghafourifar & Richter, 1997). Em virtude disto, podemos pensar que alterações no influxo de cálcio ocorridas devido a diminuições do potencial de membrana mitocondrial estejam relacionadas às diferenças na síntese de NO nestas células, o que explicaria o aumento do NO encontrado através da análise com o DAF-FM na linhagem que contêm a mutação 8344 A>G.

Uma outra hipótese que poderia explicar as diferenças na síntese de NO nestas células com mutações no DNAmt seria a presença de um sistema de auto- regulação da NOS. Considerando o fato de todas as linhagens cíbridas utilizadas

neste estudo apresentarem defeitos na fosforilação oxidativa, e ressaltando a deficiência severa do consumo de oxigênio e da atividade da COX apresentada por linhagens que possuem 100% de DNAmt com a mutação 8344 A>G (Masucci

et al., 1995), é possível que a atividade da mtNOS esteja aumentada nestas

células, pois esta enzima utilizaria o oxigênio que não está sendo consumido pela cadeia respiratória como substrato para a produção do NO. Esta possibilidade concorda com o estudo de Lacza et al. (2001), que demonstraram significativo aumento da atividade da mtNOS em animais previamente submetidos à hipóxia, sugerindo que em situações nas quais ocorra deficiência no consumo de oxigênio exista uma maior produção de NO. Sendo a COX o alvo mais sensível do NO na mitocôndria (Brown, 1995; Cassina et al., 2000), a quantidade de NO encontrada nas linhagens celulares com a mutação 8344 A>G pode contribuir para o aumento da deficiência desta enzima, já presente devido ao dano genético. A ação do NO sobre a atividade da COX é comprovadamente inibitória (Brown & Cooper, 1994; Brown, 1995; Schweizer & Richter, 1994), e reversível em algumas células (Clementi et al., 1999; Sarti et al., 1999). De maneira interessante, na análise de fibroblastos, o paciente que possui deficiência da COX (P1) apresentou diminuição significativa na quantidade de NO, tanto através da quantificação de nitritos quanto após análise com o DAF-FM, sugerindo que a síntese de NO está diminuída nestas células. Se de fato existe um mecanismo de auto-regulação da NOS, no caso desta linhagem de fibroblastos, uma auto-inibição da NOS poderia explicar esta diminuição, a fim de melhorar a atividade da COX que já é prejudicada devido ao defeito genético presente nestas células. O padrão de marcação do DAF-FM, observado nos fibroblastos foi o mesmo encontrado por Kojima et al. (1999) em

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estudo de células endoteliais de aorta bovina, ou seja, citoplasmática com pouca ou nenhuma marcação nuclear.

Acredita-se que o limiar para a expressão bioquímica de uma mutação no DNAmt seja cerca de 60-70% de mutante para deleções e >90% de mutante para mutações em genes que codificam tRNAs (McFarland et al., 2002; Nonaka, 1992; Schapira & Cock, 1999). Entretanto, foi demonstrado que em pacientes sintomáticos com MELAS, a quantidade de DNAmt mutante no músculo está geralmente acima de 50% (Chinnery et al., 1997; Chinnery et al., 1998), e em pacientes com a síndrome de MERRF completa ou parcial, a proporção de DNAmt mutante no músculo quase sempre encontra-se acima de 80% (Hammans et al., 1993; Larsson et al., 1992; Ozawa et al., 1995; Tanno et al., 1991). A quantidade de DNAmt mutante que encontramos na linhagem 8344 A>G foi estimada em 80%. Apesar da proporção de DNAmt mutante estar próxima do limiar, isto não significa que não exista DNAmt mutante suficiente para haver déficit mitocondrial, pois quando fazemos uma quantificação direta da heteroplasmia de mutações no DNA através de PCR e RFLP, estamos apenas fazendo uma estimativa da quantidade de DNA mutante de uma linhagem. E devido à formação de heteroduplexes durante a PCR, encontramos valores de DNA mutante mais baixos do que realmente são (Moraes et al., 2003).

Assim como a mitocôndria, as proteínas são alvos freqüentes de radicais livres e a detecção de proteínas oxidativamente modificadas é normalmente utilizada como indicação de estresse oxidativo. A proporção da modificação destas proteínas está relacionada com o grau de estresse oxidativo e nitrosativo ao qual estejam submetidas (Estevez et al., 1998; Haddad et al., 1994; Pennathur et al.,

1999; Stadtman, 1992). A reação espontânea do ONOO- com proteínas tem como resultado a nitração de tirosinas ou resíduos de tirosinas ligados a proteínas, formando a nitrotirosina (Beckman, 1996; Beckman & Koppenol, 1996; Ischiropoulos et al., 1992; Koppenol et al., 1992). Ischiropoulos & Al-Mehdi (1995) relataram que a formação da nitrotirosina representa uma modificação protéica específica do ONOO-, diferente das modificações protéicas mediadas por espécies reativas de oxigênio (EROs). Contrariamente, Eiserich et al. (1996) demonstraram que o nitrito, ao reagir com o ácido hipocloroso (HOCl), formava espécies reativas intermediárias capazes de nitrar tirosinas. E trabalhos seguintes relataram que a ação catalítica de heme-peroxidases, utilizando peróxido de hidrogênio (H2O2) e

nitrito, também é responsável pela nitração de proteínas in vivo (Brennan et al., 2002; Eiserich et al., 1998).

A nitração da tirosina é uma modificação irreversível que pode ser responsável por alguns dos efeitos tóxicos do NO na mitocôndria (Blanchard- Fillion et al., 2001; Fukumoto et al., 2004; Hinson et al., 2000; Jeng et al., 2005; MacMillan-Crow et al., 1996). A formação da nitrotirosina tem sido relacionada a várias patologias humanas (Beckman et al., 1994; Gole et al., 2000; Haddad et al., 1994; Hensley et al., 1998; Ischiropoulos, 1998; Kaur & Halliwell, 1994; Kooy et al., 1995; Sasaki et al., 2000; Smith et al., 1997) e sua detecção pode servir como uma importante referência de danos aos tecidos (Inoue et al., 2002).

No presente estudo, não foram detectadas nitrotirosinas em nenhuma das linhagens celulares analisadas. Uma hipótese que poderia explicar esta ausência seria o fato de que nem todas as proteínas ou todos os resíduos de tirosina de uma proteína são alvos para a nitração. Nem a abundância de uma proteína ou a

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abundância de resíduos de tirosina ligados a uma proteína pode prognosticar um alvo para nitração (Beckman et al., 1994; Crow et al., 1997; Estevez et al., 1998; Gow et al., 1996).

Sendo a detecção de nitrotirosinas um método indireto de estimar os danos causados pelo ONOO-, a ausência de proteínas contendo nitrotirosinas nas linhagens celulares estudadas sugere que o ONOO- esteja presente sob baixas concentrações nestas células. Sendo assim, o aumento da quantidade de nitritos combinado com a ausência de nitração de proteínas observado nas linhagens contendo as mutações 3243 A>G e 8344 A>G pode ser justificado através da ação redutora da COX sob baixas concentrações de ONOO-. Sharpe et al. (1998) demonstraram que COX purificadas podem catalisar rapidamente a redução do ONOO- em NO, e portanto, a COX pode possuir uma ação de desintoxicação do ONOO- in vivo, convertendo o ONOO- ao menos tóxico NO. O NO formado pode então reagir com outra molécula de ONOO- e produzir nitrito e dióxido de nitrogênio (NO2).

Além disso, Sandhu et al. (2005), utilizando doadores de NO, mostraram que o estresse nitrativo por si só é insuficiente para disparar citotoxicidade em células cíbridas derivadas de glioblastoma (com a mutação 3243 A>G), mas a morte celular foi observada após combinação de estresse nitrativo e metabólico. A vulnerabilidade das células cíbridas a estes tipos de danos está correlacionada com o status de energia celular, que é comprometido pela mutação causadora da síndrome MELAS. Em seus experimentos, nenhuma inibição da respiração foi detectada. Claramente, o ONOO- ou outras ERNs não afetaram nem a cadeia respiratória nem os níveis de ATP intracelular, e por isso não foram capazes de

disparar a morte celular. A falta de toxicidade do ONOO- também foi observada em outros tipos celulares (Fass et al., 2004; Moro et al., 1994), sugerindo que a nitração de proteínas pode ser um processo reversível e controlado.

De maneira geral, este trabalho sugere que existe uma alteração na síntese de NO em determinados defeitos da cadeia respiratória, sem indicações de lesão oxidativa decorrente de radicais de nitrogênio. Esta alteração pode sugerir a participação do NO no processo regulatório da mitocôndria frente ao defeito da cadeia respiratória. O conhecimento dos mecanismos deste processo regulatório pode ter implicações no tratamento das doenças mitocondriais e neurodegenerativas com envolvimento mitocondrial.

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