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Durante a gestação, a deficiência de micronutrientes pode trazer consequências adversas para saúde das gestantes e para o desenvolvimento fetal. No período de lactação, as deficiências nutricionais da nutriz podem contribuir para a manutenção de baixas reservas de nutrientes nos lactentes, aumentando as chances de desenvolvimento de carências nutricionais nos primeiros anos de vida, período em que há maior prevalência de agravos à saúde infantil (SILVA et al., 2007).

No grupo de puérperas avaliado, a concentração de retinol sérica foi considerada adequada e está em concordância com os valores obtidos no Brasil (48,6 µg/ dL; 50,6 µg/ dL) (SAUNDERS et al., 2005; GARCIA et al., 2010) e na Alemanha (49,1 µg/ dL) (SCHULZ et al., 2007), entretanto, são superiores ao resultado obtido na África (17,4 µg/ dL) (SEMBA et al., 2000). Além disso, os níveis basais de retinol nos leites colostro e maduro das puérperas avaliadas são semelhantes àqueles de estudos realizados na Alemanha (110,3 µg/ dL) e no Brasil (53,4 µg/ dL), respectivamente (SCHULZ et al., 2007; SOUZA et al., 2015).

Alguns países de alto risco para a deficiência de vitamina A, como o Brasil, adotaram a política de suplementação materna com uma dose de 200.000 UI de vitamina A, dentro de 6 semanas após o parto, a fim de enriquecer o leite materno com esta vitamina (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009). Nosso estudo verificou que essa estratégia de suplementação aumentou significativamente os níveis de retinol no leite colostro, 24 horas após a intervenção. Achados semelhantes acerca do efeito da suplementação sobre o retinol do colostro foram relatados na literatura (RICE et al., 2000; BAHL et al., 2002; RIBEIRO et al., 2009; GARCIA et al., 2010).

Por outro lado, essa intervenção não teve efeito sobre os níveis de retinol no leite maduro, tal como foi evidenciado por Lourenço (2005). Em contrapartida, Bhaskaram et al. (2000) e Vinutha et al. (2000) relataram aumento nos níveis de retinol no leite maduro, um mês após a suplementação materna com vitamina A (200.000 UI), sem adição de vitamina E. Esses resultados divergentes podem estar relacionados à sensibilidade e precisão do método adotado para quantificação do retinol no leite, uma vez que Lourenço (2005) utilizou a cromatografia líquida de alta eficiência, que é um método mais preciso para análise bioquímica.

Com relação à concentração de alfa-tocoferol sérico obtida neste estudo, esta foi considerada adequada e é semelhante ao valor encontrado em Cuba, China e Brasil (1.028,0 µg/ dL; 1.106,9 µg/ dL; 1.137,0 µg/ dL) (RODRÍGUEZ et al., 2002; WANG et al., 2009; LIRA et al., 2013) e inferior àquele obtido nos Estados Unidos (1.438,5 µg/ dL) (DIDENCO et al., 2011).

Uma vez que os recém-nascidos exibem uma maior sensibilidade ao dano oxidativo e a transferência placentária de vitamina E é limitada, este micronutriente deve ser fornecido aos recém-nascidos em quantidades adequadas por meio do leite materno (DEBIER; LARONDELLE, 2005; DEBIER et al., 2005). A concentração de alfa-tocoferol no leite colostro é semelhante aos valores encontrados em puérperas cubanas e brasileiras (1.180,0 µg/ dL; 1.206,0 µg/ dL; 1.147,6 µg/ dL) (MACIAS; SCHWEIGERT, 2001; GARCIA et al., 2010; GRILO et al., 2013) e inferior à encontrada em mulheres espanholas (2.455,0 µg/ dL) (QUILES et al., 2006). Além disso, os níveis de alfa-tocoferol no leite maduro são próximos àqueles obtidos em Cuba e no Canadá (270,0 µg/ dL; 232,0 µg/ dL) (MACIAS; SCHWEIGERT, 2001; TIJERINA-SÁENZ; INNIS; KITTS, 2009).

A suplementação com altas doses de vitamina A reduziu a concentração sérica de alfa-tocoferol em estudos realizados com mamíferos (BLAKELY et al., 1990; SCHELLING et al., 1995; NONNECKE et al., 1999; AMETAJ et al., 2000). Estes estudos concluíram que a ingestão de altas doses de vitamina A afeta negativamente a biodisponibilidade da vitamina E no organismo.

Em condições basais, Lira et al. (2013) avaliaram o soro e o colostro de parturientes e sugeriram que a biodisponibilidade da vitamina E pode estar comprometida em condições de suplementação com vitamina A. O único estudo que investigou essa problemática em humanos, em condições de suplementação com vitamina A, foi realizado por Garcia et al. (2010), no Nordeste do Brasil.

Em nosso estudo, quando avaliado o efeito da suplementação materna com vitamina A, verificou-se que os níveis de alfa-tocoferol no leite colostro diminuíram significativamente, 24 horas após a intervenção. Essa redução correspondeu a 16,4%, sendo semelhante à redução percentual de 17% nos níveis de alfa-tocoferol do leite de vacas, após a suplementação com altas doses de vitamina A (675.000 UI) (SCHELLING et al., 1995).

Por outro lado, nossos achados estão em discordância com os resultados de Garcia et al. (2010), que observaram um aumento desses níveis, 24 horas após a

administração da megadose de 200.000 UI de vitamina A, no pós-parto imediato. Os autores justificaram esse aumento pela composição do suplemento administrado, que continha 49,4 mg de all-rac-α-tocoferol, para proteção antioxidante. Sugere-se que a composição distinta dos suplementos administrados tenha influenciado diretamente na resposta à suplementação. Na literatura, não foram encontradas pesquisas com lactantes que receberam suplemento de composição semelhante à deste trabalho.

Em uma revisão acerca da biodisponibilidade da vitamina E, Borel e colaboradores (2013) afirmaram que uma alta ingestão de vitamina A reduz os níveis plasmáticos de alfa-tocoferol de animais. Há três hipóteses que podem explicar essa redução: o ácido retinóico, um metabólito da vitamina A, pode reduzir a absorção intestinal do alfa-tocoferol por promover sua oxidação, bem como pode atuar regulando negativamente o receptor SR-BI (scavenger receptor class B type I), que está envolvido na absorção da vitamina E e cuja atividade foi recentemente associada à regulação retinoide. A terceira hipótese é que o ácido retinóico pode reduzir a expressão hepática do gene ApoA-I, que codifica a Apolipoproteína A-I (ApoA-I), o principal constituinte proteico da HDL, assim, prejudicando a transferência de vitamina E para as demais lipoproteínas circulantes que distribuem o alfa-tocoferol para os tecidos periféricos (ZOLFAGHARI; ROSS, 1994; TRABER, 2012; BOREL; PREVERAUD; DEESMARCHELIER, 2013; MAZER et al., 2013).

Neste estudo, a redução dos níveis de alfa-tocoferol no colostro das mulheres suplementadas indica uma diminuição da biodisponibilidade da vitamina E nessa secreção. A suplementação com vitamina A pode estar relacionada a níveis potencialmente maiores de ácido retinóico no organismo, ocasionando redução da absorção de vitamina E dietética, bem como uma transferência prejudicada da vitamina E entre a HDL e outras lipoproteínas que transportam o alfa-tocoferol para tecidos periféricos, como o mamário.

Por outro lado, a suplementação com vitamina A não teve efeito sobre a concentração de alfa-tocoferol no leite maduro. Nossa hipótese é que os mecanismos de competição entre as vitaminas A e E afetaram negativamente a biodisponibilidade do alfa-tocoferol somente no colostro, sendo desencadeados logo após a administração do suplemento.

Baseado nos nossos resultados, a suplementação materna com vitamina A aumentou os níveis de retinol no leite colostro, como era esperado. Por outro lado,

essa intervenção afetou de forma negativa a biodisponibilidade da vitamina E no leite colostro, reduzindo significativamente sua concentração. Tal redução torna-se preocupante, uma vez que o leite materno é a única fonte de vitamina E para lactentes, que possuem reservas limitadas de alfa-tocoferol ao nascimento, o que pode trazer prejuízos à saúde do neonato. Por outro lado, foi evidenciado que a suplementação materna com vitamina A, no pós-parto imediato, não teve efeito sobre os níveis de retinol e alfa-tocoferol no leite maduro.

Diante disso, é importante a realização de pesquisas que avaliem a suplementação materna com altas doses de vitamina A sobre seus níveis no leite humano, bem como sua interação com outros micronutrientes do leite, que são essenciais para a saúde do recém-nascido, como a vitamina E. Dada a diminuição dos níveis de alfa-tocoferol no leite colostro após essa suplementação, sugerimos que os programas de suplementação ofereçam às puérperas suplementos com vitamina A adicionados de vitamina E. Atualmente, ocorre a adição de 49,4 mg de all-rac-α-tocoferol na cápsula de vitamina A que é distribuída pelo Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A, instituído pelo Ministério da Saúde do Brasil. Esse processo é realizado com a função de proteger a vitamina A da oxidação, entretanto, essa estratégia também pode ser importante para compensar a redução da biodisponibilidade da vitamina E no leite colostro.

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