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Para obter um correcto diagnóstico é essencial uma história clínica detalhada e objectiva. É indespensavel colher uma boa descrição, por parte do proprietário, das convulsões, da sua frequência e duração, bem como o comportamento exibido pelo animal no pródromo, ictus e pós-ictus (Podell, 2004; Thomas et al., 2008). É importante a recolha da história exacta do animal e a sua história familiar de convulsões, se o animal esteve recentemente exposto a toxinas, stresse, a possível trauma ou a situações capazes de desencadear alguma convulsão, bem como qualquer relação com o momento da refeição ou exercício físico (De Lahunta 2008; Gruenenfelder, 2008; Thomas, 2010b).

Nos três casos clínicos, todos os animais chegaram à consulta com história de episódios de convulsões generalizadas do tipo tónico-clónico. As convulsões generalizadas são as mais comuns em medicina veterinária. Os sinais clínicos demonstram possível envolvimento de ambos os hemisférios cerebrais. Poderá ocorrer perda de consciência e manifestações motoras bilaterais (De Lahunta et al., 2008). Nas convulsões tónico-clónicas temos uma fase inicial tónica, caracterizada por contracção muscular, perda de consciência e queda com os membros estendidos e em opistotonus. Esta fase, usualmente, apresenta uma duração de cerca de 1 minuto. Segue-se uma fase clónica, com o animal a apresentar movimentos de pedalagem e espasmódicos. Esta fase poderá durar alguns minutos, após a qual se segue um período de recuperação. Quanto às manifestações do SNA podemos observar hipersiália, micção e defecação. Este tipo de convulsões foi chamado de ataque epiléptico convulsivo “grande mal”, embora esta denominação seja pouco usado actualmente (Berendt et al., 1999; Gredal et al., 2004; Chandler et al., 2008; Dewey et al., 2008; Gruenenfelder, 2008). De realçar que os animais nº 2 e o nº 3 tinham perda de consciência, enquanto o animal nº 1 permanecia consciente durante a convulsão. Os animais nº 1 e nº 2 durante os ataques apresentavam hipersiália.

Ao exame físico realizado durante a consulta os animais não apresentavam alterações significativas.

No exame neurológico do animal nº 1 foi observado que este realizava círculos apertados para o lado direito, apresentando estrabismo do globo ocular direito. Relativamente às reacções posturais, manifestou défices no posicionamento proprioceptivo no membro posterior esquerdo e défices na reacção de hemi-andamento no lado direito.

No caso clínico nº 2 o animal apresentava estado mental normal, com postura e movimento normais, manifestando apenas, dor à palpação da arcada zigomática.

Quanto ao animal nº 3 apresentava-se deprimido, encontrando-se em decúbito lateral direito com inclinação da cabeça para o lado direito, ausência do reflexo à resposta à ameaça

no lado direito e nistagmo espontâneo no lado esquerdo. De referir que no caso clínico 1 o primeiro exame neurológico foi realizado antes de terem decorrido 24 horas após a última convulsão, ocorrendo a possibilidade da existência de erros de interpretação causados pelos défices temporários pós-ictais.

Nos exames complementares foi incluído um hemograma, um painel bioquímico e uma análise de urina de tipo II. O animal nº 1 apresentava uma ligeira leucocitose e um aumento da enzima hepática ALT, da bilirrubina total e do fósforo orgânico. No caso clínico nº 2 observou- se um pequeno aumento na ureia sanguínea e um ligeiro aumento nas proteínas plasmáticas, nomeadamente nas gama-globulinas. No caso clínico nº 3 a única alteração encontrada foi um ligeiro aumento da enzima hepática ALT.

Foi proposto a todos os animais, a realização de TC, pela sua acessibilidade ao hospital veterinário UTAD. Embora a TC forneça menos detalhe do que a RM na avaliação do parênquima cerebral, é mais aconselhada para a visualização de estruturas ósseas de pequeno tamanho (Hetch et al., 2010a).

No caso clínico nº 1 na visualização da TC identificou-se uma massa a nível da cavidade nasal, com comunicação com a cavidade cerebral. No animal nº 2 foram realizadas duas TC com um intervalo de 64 dias. Na primeira TC, após a administração de contraste, observou-se uma massa hiperdensa e uniformemente contrastada, na região frontoparietal esquerda, com cerca de 1,4 cm de comprimento, que causava um ligeiro desvio da foice do cérebro e ligeira compressão do ventrículo lateral ipsilateral. Na janela óssea era evidente a existência de hiperostose no tecido ósseo em contacto com a base da massa. Na segunda TC foi observado uma ligeira diminuição do tamanho da massa existente na região frontoparietal esquerda. O desvio da foice do cérebro e a compressão do ventrículo lateral ipsilateral mantinha-se, bem com a referida hiperostose. Quanto ao animal nº 3 foi observado perda do parênquima cerebral no lado esquerdo, com o aumento do volume de LCR. Iniciando-se no lobo frontal e terminando no lobo occipital, com maior incidência no lobo parietal.

No caso clínico nº 1 pela observação da TC foi feito um diagnóstico presuntivo de encefalocele etmoidal, sendo este uma protusão do tecido cerebral por uma abertura anormal existente no crânio (Bagley, 2004), neste caso a placa cribriforme. Ocorre devido a uma falha na separação da barreira epitelial e do tecido nervoso, levando a um encerramento incompleto da porção mais rostral do tubo neural, durante o desenvolvimento embrionário do encéfalo (Martlé et al., 2009; Varejão et al., 2009).

Quanto ao animal nº 2 foi feito uma diagnóstico presuntivo de meningioma, pois apresenta uma massa hiperdensa com reforço homogéneo, na região frontoparietal esquerda, extra-axial, com forma ovóide e na janela óssea é possível observar uma hiperostose no tecido ósseo, onde a massa está localizada. Foi feito um diagnóstico presuntivo pois os meningiomas

localizam-se perifericamente, na base do crânio, apresentando um reforço forte e homogéneo com a colocação de contraste, (Tropel et al., 2004; Medonho et al., 2007; Surges et al., 2008; et al., 2010b) mas um diagnóstico definitivo só é possível por histopatologia (Long, 2006).

No caso clínico nº 3 foi feito uma diagnóstico de hidrocefalia ex vácuo após trauma. Através da observação da TC foi possível verificar a perda de parênquima cerebral nos lobos frontal, parietal e occipital do lado esquerdo, sendo este substituído por LCR. A perda de parênquima poderá ter-se iniciado devido ao trauma que o animal sofreu quando tinha 5 meses e com o passar do tempo foi ocorrendo maior destruição do parênquima, aumentando a intensidade e frequência dos sinais neurológicos apresentados pelo animal.

A designação de hidrocefalia ex vácuo como uma forma de hidrocefalia, tem sido motivo de discussão, ao longo dos últimos anos. Raimondi (1994) define, literalmente, hidrocefalia como “cabeça de água”, considerando todas as alterações, associadas a um aumento de fluidos intracraniano, como hidrocefalia. Desta forma incluía todas as formas que normalmente são consideradas hidrocefalia, como a hidrocefalia ex vácuo, os quistos cranianos e a atrofia cerebral, mas também incluía o edema vasogênico e o citotóxico, excluindo somente grandes quantidades de sangue (Raimondi, 1994). Por sua vez Rekate (2009) propõem a definição de hidrocefalia como uma distensão activa do sistema ventricular, do cérebro, relacionada com uma interrupção na passagem do LCR desde o seu local de produção, nos ventrículos, até o seu local de absorção, para a circulação sistémica. Esta definição exclui a hipertensão intracraniana benigna, em que não há aumento dos ventrículos, excluindo também a atrofia cerebral e a hidrocefalia ex vácuo, pois a dilatação ventricular não ocorre por um processo activo de distensão (Rekate, 2009). Os conceitos propostos por estes dois autores, indicia a necessidade de um consenso, no que se refere a definição de hidrocefalia, para que seja possível desenvolver uma classificação homogénea.

A terapia adequada a cada animal deverá ser iniciada, após o veterinário fornecer todas as explicações ao proprietário, que sejam necessárias à compreensão da doença e assim orientar a escolha terapêutica. O seu objectivo será uma diminuição na frequência e intensidade das convulsões e dos seus efeitos secundários, de maneira a que o animal e mesmo os proprietários, apresentem uma boa qualidade de vida (Lord et al., 1999; Podell, 2004; Chang et al., 2006; Berendt et al., 2007; Gruenenfelder, 2008).

Os três animais, após o inicio das convulsões iniciaram uma monoterapia anticonvulsiva com fenobarbital, pois este é o fármaco de escolha no tratamento inicial das convulsões (Platt, 2005; Gruenenfelder, 2008; Kluger et al., 2009). A monoterapia com fenobarbital apresenta várias vantagens, como o facto de não haver interacção com outros fármacos, as suas propriedades farmacocinéticas, farmacodinâmicas, apresentar efeitos secundários menos adversos e o facto de ser uma terapia relativamente barata (Berendt, 2004; De Lahunta, 2008).

Poderá ser administrado duas vezes ao dia, com uma dose inicial de 2-3 mg/kg PO, sendo absorvido em menos de duas horas e apresentando uma semi-vida de 30-90 horas (Podell, 2004; Berendt, 2005; Bergman, 2005; Platt, 2005; Dewey et al., 2008; De Lahunta, 2008).

No animal nº 1 optou-se por ser feita somente a terapia anticonvulsiva com fenobarbital, e a utilização de diazepam rectal – 1 mg/kg, para administrar em casa, em caso de emergência. De referir que anteriormente encontra-se documentado o caso clínico de um canídeo com esta doença, o qual foi eutanasiado aos 6 meses de idade, por não ser possível o controlo das convulsões. Neste caso descrito o diagnóstico foi efectuado por histopatologia (Jeffery, 2005). Posteriormente Martlé et al., (2009) documentaram um caso de um animal de 5 meses com convulsões generalizadas tónico-clónicas, com episódios de epistaxis e maior produção lacrimal, no olho direito, desde os 4 meses de idade. Após a realização de TC foi feito um diagnóstico de encefalocele etmoidal e além da terapia anticonvulsiva optou-se por tratamento cirúrgico, de forma a fechar o defeito a nível da placa cribriforme, fazer uma reconstrução dos defeitos existentes nos ossos da cavidade nasal e recessão do parênquima cerebral herniado. Após a cirurgia os sinais neurológicos cessaram e mesmo depois de ter sido retirado o fármaco anticonvulsivo estes não recomeçaram (Martlé et al., 2009).

No caso clínico nº 2 devido apresentar uma neoplasia como causa dos sinais neurológicos, alem da terapia anticonvulsiva foi proposta uma terapia para a causa subjacente, neste caso o meningioma. O tratamento de eleição do meningioma é a excisão cirúrgica seguida de radioterapia. Caso não seja possível o acesso cirúrgico deverá ser feita somente radioterapia (Jeferry, 2003).

Pelo facto do acesso à radioterapia ser restrito, pois poucos hospitais veterinários dispõem de material para radioterapia e ainda pelo facto de muitos tumores intracranianos serem inoperáveis, opta-se, muitas vezes pelo tratamento quimioterápico com hidroxiureia (HU), tendo sido este o tratamento instituído neste caso.

As vantagens da utilização da HU como tratamento do meningioma são a boa tolerância a este fármaco por parte dos animais e o relativo baixo custo dos mesmos. Schrell et al., (1998) observaram que, em in vitro, a HU inibe o crescimento celular do meningioma, induzindo a apoptose. (Schrell et al., 1998). O seu mecanismo de acção baseia-se na inibição da conversão dos ribonucleótidos a desoxiribonucleótidos através da destruição ribonucleosídeo difosfato redutase. É um fármaco específico da fase S, metabolizado pelo fígado e eliminado pelo rim (Chun et al., 2007). Inicialmente deverá ser administrado 30 mg/kg PO, três vezes por semana (Tamura et al., 2007). Como efeito secundário pode ocorrer uma progressiva mielosupressão, sendo esta atenuada com a suspensão da sua administração. Com o uso prolongado deste fármaco poderá ocorrer queda das unhas (Chun et al., 2007; Tamura et al., 2007).

No caso nº 3 foi feita unicamente a terapia anticonvulsiva com fenobarbital, e a utilização de diazepam rectal – 1 mg/kg, para administrar em caso de emergência. Além da terapia anticonvulsiva estava também a ser administrado Maleato de enalapril, pois o animal apresentava um aumento significativo da pressão arterial média.

O envolvimento do proprietário no tratamento diário do animal e a continuidade numa correcta administração, quer a nível da dose quer a nível da frequência de administrações, bem como a realização de mensurações periódicas da concentração sérica de fenobarbital, é essencial para a qualidade de vida do animal. Desta forma, poderá ser possível minimizar a ocorrência de ataques e assim, melhorar o prognóstico (Platt, 2005; Dewey et al., 2008; De Lahunta, 2008; Thomas et al., 2008).

O prognóstico do animal nº 1 é difícil de caracterizar, visto que no único caso anteriormente documentado o animal acabou por ser eutanasiado aos 6 meses. Através do caso documentado por Martlé et al., (2009), foi possível constatar que através de cirurgia o animal poderá ter uma qualidade de vida normal, sem a presença de sinais neurológicos, mesmo após suspensão da administração do fármaco anticonvulsivo.

No caso do animal 2 o sucesso do tratamento através da quimioterapia com HU encontra-se pouco documentado. Tamura et al., (2007) ao tratar com HU um shnauzer miniatura de 11 anos de idade, com meningioma ao nível dos bulbos olfactórios, obteve uma sobrevida de 14 meses. Este período é bastante superior à sobrevida descrita quando o animal recebe somente um tratamento sintomático (inferior a 4 meses), ou quando é feito somente uma recessão cirúrgica (7 meses). A recessão cirúrgica juntamente com a radioterapia é o único tratamento com um tempo médio de sobrevida superior (16,5 meses) ao obtido com a administração de HU (Tamura et al., 2007).

Em medicina humana o uso de quimioterápicos, no tratamento de meningiomas, encontra-se pouco documentado, sendo escolhido quando se torna impossível a recessão por cirurgia ou o tratamento por radioterapia (Marosi et al., 2008). Newton et al., (2007) demonstraram que após a administração de HU 90% dos pacientes encontraram-se estáveis durante um período superior a três anos, tendo somente alguns casos apresentado, como efeito secundário, ligeira neutropenia (Newton et al., 2007). Por outro lado, Mason et al., (2002) apenas apresentaram 60% de pacientes estáveis por um período médio de dois anos, ocorrendo, em alguns casos, uma ligeira mielossupressão (Mason et al., 2002). Rosenthal et

al., (2002) descreveram a existência de algum benefício clínico, com a administração de

hidroxiureia, apresentando uma eficácia superior a 70%, num período superior a onze meses (Rosenthal et al., 2002). Hahn et al., (2005) descreveram o tratamento com HU durante três meses juntamente com radioterapia em que 66% dos pacientes encontraram-se estáveis numa média de treze meses (Hahn et al., 2005).

Embora sejam necessário novos estudos sobre a utilização de HU no tratamentos do meningioma, quer em clínica humana como em clínica veterinária, com um maior número de casos e um maior período de estudo, é possível observar que a HU proporciona benefícios clínicos, diminuindo a progressão da doença.

O prognóstico do animal 3, devido às alterações a nível cerebral, era muito reservado e irreversível. Daí que o tratamento instituído tivesse como finalidade melhorar a sua qualidade de vida, tentando controlar os episódios convulsivos com terapia anticonvulsiva.

A avaliação neurológica inicial feita pelo veterinário, normalmente, permite identificar a localização da lesão, porém é através das técnicas imagiológicas que se irá possibilitar observar o tipo e extensão da lesão. O desenvolvimento da TC e da RM tem possibilitado uma melhor e mais precisa observação das estruturas do SNC. Para um melhor controlo das convulsões é assim determinante identificar a etiologia das mesmas, tornando possível caracterizar processos patológicos, permitindo desta forma um diagnóstico mais correcto, e consequentemente um tratamento e um prognóstico estabelecido mais exacto.

No documento Convulsões Secundárias em Cães (páginas 76-82)

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