• Nenhum resultado encontrado

Fonte: Adaptado de BARBOSA, 2017, p 20.

2 REVISÃO DA LITERATURA

5.3 DISCUSSÃO DO ESTUDO DE ANÁLISE DE SOBREVIDA

Os achados do nosso estudo de análise de sobrevida sugerem que a IU tende a persistir ao longo do tempo após o parto vaginal em adolescentes primíparas, em especial ao longo dos primeiros 16 meses após o parto, tempo mediano para cessação de IU na população investigada. Há estudos que avaliaram a prevalência de IU após o parto em longo prazo (SOLANS-DOMÈNECH; SÁNCHEZ; ESPUÑA-PONS, 2010; HANDA, et al., 2011; SVARE; HANSEN; LOSE, 2014; MACARTHUR, et al., 2015; YI-HAO et al., 2018) e encontraram valores que variaram de 10% a 25% em um período entre um e dez anos após o parto.

Encontramos persistência de IU em 35,5% das adolescentes após cinco anos do parto. A maior prevalência encontrada em nosso estudo pode ser explicada pelas diferenças nos critérios de elegibilidade, pois os estudos anteriores incluíram em suas amostras mulheres adultas, multíparas e submetidas à cesárea.

Posições verticais durante o período expulsivo do parto, ausência de episiotomia, idade entre 15 e 19 anos e parto não instrumental foram fatores de risco para o tempo de

cessação de IU na população investigada. Não identificamos nenhum estudo anterior que investigou os fatores preditivos para o tempo de cessação de IU após o parto especificamente em adolescentes.

A adoção de posições verticais durante o período expulsivo do parto aumentou em mais de duas vezes o risco para cessação de IU a cada mês. Considerando-se o tempo mediano para cessação de IU estimado no nosso estudo, 70% das adolescentes que adotaram posições verticais durante o período expulsivo do parto havia tido resolução do quadro, em comparação a 40% daquelas que adotaram a posição de litotomia. A posição vertical da parturiente em relação à horizontal parece constituir um fator protetor contra traumas perineais por abreviar o tempo do estágio expulsivo do parto, o que reduz o risco de ocorrência de IU após o parto (SOBIERAY; SOUZA, 2019).

Posturas verticais contribuem para a maior eficiência e intensidade na força de contração uterina, inclui o efeito facilitador da força da gravidade, reduz o risco de compressão aorto-cava, melhorando a oxigenação fetal na fase expulsiva do trabalho de parto e aumenta os diâmetros ântero-posterior e transverso da pelve, facilitando a passagem do bebê pelo canal vaginal (GUPTA; HOFMEYR; SMYTH, 2004; BARACHO et al., 2009; EDQVIST et al.,2016).

A não realização de episiotomia aumentou em duas vezes o risco para cessação de IU a cada mês. Houve resolução da queixa de IU em 65% das participantes não expostas à episiotomia em comparação a 35% das que foram expostas ao procedimento, para o tempo mediano de cessação de IU estimado no estudo. A realização de episiotomia aumenta o risco de lesão do músculo levantador do ânus, devido à distensão do pubococcígeo durante o período expulsivo do parto, influenciando negativamente na capacidade de contração dos MAP, essencial para a conservação da pressão de fechamento uretral acima da pressão vesical para manutenção da continência urinária(HANDA et al., 2019; BARHUM; ESLICK; DIETZ, 2019; LIN et al., 2019; MARTINHO et al., 2019).

Vale ressaltar que os MAP em conjunto com ligamentos e fáscias são fundamentais para manutenção do suporte dos órgãos pélvicos e fechamento dos canais uretral, vaginal e anal. A redução e/ou ausência da capacidade de contração dos MAP influencia negativamente a manutenção do posicionamento adequado dos órgãos e vísceras pélvicas e prejudica a conservação da pressão de fechamento uretral e anal acima da pressão vesical e retal, respectivamente (SALTIEL, 2018; VIEIRA, 2018).

Os achados de estudos prévios referentes à associação entre episiotomia e IU após o parto são inconsistentes. Enquanto algumas pesquisas sugeriram aumento da frequência e intensidade da queixa de IU após o parto na presença de episiotomia (CHANG, et al., 2011; ZIVKOVIC, et al., 2016) outros concluíram que o procedimento não está associado à disfunção (SOLANS-DOMÈNECH; SÁNCHEZ; ESPUÑA-PONS, 2010; MACARTHUR et al, 2015). Variações nos instrumentos utilizados para definição de IU, nas características da população estudada (faixa etária adulta) e no período de observação do evento podem explicar a divergência entre os resultados.

Observamos também que o incremento da idade materna, em anos, aumentou a probabilidade de cessação da IU na população estudada em 37% a cada mês. Para o tempo mediano de cessação de IU estimado no estudo, verificou-se que 70% das adolescentes com idade entre 15 e 19 anos apresentaram resolução da disfunção, enquanto 35% das adolescentes com idade entre 10 e 14 anos apresentaram o desfecho de interesse.

Este achado pode ser explicado pelo fato de o parto vaginal aumentar o risco de lesões das estruturas do assoalho pélvico em adolescentes entre 10 e 14 anos por estarem em período de crescimento rápido dos componentes ósseos, articulares e musculares. Pelo fato de a IU configurar uma disfunção de etiologia multifatorial como já citado anteriormente, faz-se necessário considerar possível influência de fatores genéticos e do controle neurológico da micção para justificar esse resultado (VIGIL et al., 2011; ALVES et al., 2012; POSNER et al., 2014; SANGSAWANG, 2014; SHARMA; GUPTA; SHANDILYA, 2016).

Parto não instrumental aumentou em quase três vezes o risco de cessação de IU a cada mês na população estudada. Registrou-se que enquanto 55% das adolescentes cujo parto foi não instrumental apresentaram resolução do quadro de IU, 10% daquelas cujo parto foi instrumental apresentaram o desfecho, para o tempo mediano de cessação da IU estimado. O parto vaginal instrumental, com uso o uso de fórceps ou vácuo extrator é um fator de risco conhecido para IU, devido ao trauma causado às estruturas musculares e nervosas do assoalho pélvico (SVARE; HANSEN; LOSE, 2014; YI-HAO et al., 2018).

A maioria dos estudos prévios (THOM; RORTVEIT, 2010; MACARTHUR et al., 2015; LEROY; LUCIO; LOPES, 2016; ROCHA et al., 2018)comparou a prevalência de IU entre mulheres submetidas ao parto vaginal e à cesárea, sem considerar se o parto foi instrumental ou não, diferentemente da nossa pesquisa que não incluiu mulheres submetidas à cesárea na amostra.

Estudo transversal (ROCHA et al., 2017) com 268 mulheres no pós-parto, não evidenciaram associação entre IU e tipo de parto no grupo de primíparas, sugerindo que a multiparidade pode representar um fator de confusão. No entanto, um estudo de coorte (ALTMAN et al., 2006) de 10 anos constatou que o parto vaginal estava associado a IU após o parto, independentemente da idade materna ou do número de partos prévios.

Esta divergência entre os achados dos estudos citados pode estar relacionada à seleção da amostra, no que se refere à inclusão de mulheres que tiveram IU durante a gestação, já que a presença de perda involuntária de urina durante a gravidez aumenta o risco de o sintoma ocorrer após o parto imediato e a longo prazo (VIKTRUP; RORTVEIT; LOSE, 2008; LIAO et al., 2009; MACHADO et al., 2017). Na nossa pesquisa, só foram incluídas para análise de sobrevida, as adolescentes que se mantiveram continentes durante a gestação.

A fisiopatologia da IU após o parto é multifatorial, inclui aspectos relacionados ao sistema endócrino, às mudanças no ângulo uretrovesical e a alterações anatômicas e funcionais do assoalho pélvico (MENEZES; PEREIRA; HEXTALL, 2010). Pesquisas prévias encontraram associação entre redução da força dos MAP e parto vaginal (BATISTA et al., 2011; SIGURDARDOTTIR et al., 2011; HILDE et al., 2013; ZIZZI et al.,2017), em especial na ocorrência de parto instrumental, devido ao maior risco de trauma do nervo pudendo (CORRÊA JÚNIOR; PASSINI JÚNIOR, 2016; LEROY; LUCIO; LOPES, 2016).

Ao analisarmos o modelo que melhor prediz o evento, evidenciamos que ele foi capaz de discriminar bem os grupos criados pelo valor do IP e ajustaram-se razoavelmente bem, já que as curvas obtidas em cada estrato foram próximas das estimadas por Kaplan-Meier. Para o grupo de alto risco, o modelo prediz bem o desfecho nos primeiros 3 meses após o parto. Acreditamos que este achado possa ser explicado pelo fato de ao estratificarmos pelas covariáveis do modelo, o grupo de alto risco ser composto pelas adolescentes classificadas na adolescência tardia (15 a 19 anos), que referiram adoção de posição verticalizada durante o período expulsivo do parto, ausência de episiotomia e parto não instrumental.

Ou seja, a presença desses fatores pode ter favorecido a cessação do quadro de IU após o parto precocemente. Conforme citado anteriormente, a IU na maioria dos casos configura uma disfunção temporária que se resolve espontaneamente nos três primeiros meses após o parto (LEROY; LOPES, 2012).

À medida que o perfil das adolescentes foi alterado, o modelo passou a predizer melhor o tempo para cessação de IU após o parto mais tardiamente. Para o grupo de médio risco, o modelo prediz bem o evento até o 12° mês após o parto e para o grupo de baixo risco, entre o 12° e o 28° meses após o parto. As adolescentes do grupo de baixo risco para o desfecho foram classificadas na adolescência precoce (10 a 14 anos), com adoção de posição de litotomia durante o período expulsivo do parto, realização de episiotomia e parto instrumental. Sugerimos que a ocorrência desses fatores pode contribuir para a compreensão dos nossos resultados, já que a persistência de IU após o 3° mês após o parto incrementa o risco para continuidade da queixa de perda involuntária de urina até 12 anos após o parto (MACARTHUR et al., 2015).

Vale ressaltar que o fato de o modelo não ter predito bem o evento para os três grupos durante todo o período de observação pode estar relacionado à presença de 36 casos de censura ao final do estudo e ao número reduzido de participantes por grupo para algumas variáveis analisadas ao estratificarmos pelas covariáveis do modelo, como foi o caso da idade materna, com 7 voluntárias classificadas na adolescência precoce e, do tipo de parto vaginal, com 14 voluntárias com relato de parto instrumental.

A principal limitação dessa análise de sobrevida se referiu ao fato de a avaliação no primeiro momento ter sido realizada presencialmente, enquanto que ao término do estudo, a avaliação foi realizada através de contato telefônico. Para minimizar o risco de viés de informação, em ambas as avaliações foram aplicadas o mesmo instrumento validado para pesquisa (ICIQ-UI-SF) e os procedimentos para avaliação foram padronizados e realizados pela mesma avaliadora.