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Discussão dos Resultados do Diagnóstico

PARTE I – PROJETO DE INTERVENÇÃO EM SERVIÇO

6. Metodologia

6.2 Discussão dos Resultados do Diagnóstico

Após a síntese diagnóstica anteriormente apresentada e chegados ao Diagnóstico

de Situação, torna-se útil a realização de um ponto de situação, a fim de nortear o trabalho,

objetivando o seu desfecho.

O presente subcapítulo pretende discutir os resultados do diagnóstico à luz dos autores e da teórica de enfermagem eleita como referencial teórico de enfermagem para este trabalho – Afaf Meleis. Importa obter uma compreensão sistematizada sobre o que diz a literatura acerca dos dados que obtivemos, relacionando esse entendimento com a nossa questão de partida, e integrando a teoria de enfermagem.

Assim, partindo da pergunta “Como é que num serviço de internamento de Psiquiatria da Infância e Adolescência, a família dos pré-adolescentes / adolescentes internados com Anorexia Nervosa é integrada no processo terapêutico”.

E chegando ao diagnóstico de que os enfermeiros consideram os pais fundamentalmente como um recurso terapêutico.

A família é pouco investida, mas na cultura do serviço, os enfermeiros têm a expectativa que esta seja um recurso terapêutico.

Revisitando alguns autores, chegamos a alguns pressupostos que apoiam os nossos achados e consequentemente o nosso diagnóstico de situação, porém encontramos opiniões divergentes que contrariam o referido diagnóstico e nos fazem pensar que o caminho a seguir terá de ser revisto e repensado.

O NICE (National Institute for Clinical Excellence), no Reino Unido, emanou, com base em recomendações assentes em rigorosa evidência científica e consenso de especialistas, guidelines para o tratamento das PCA, incluindo recomendações específicas para crianças e adolescentes, (NICE, 2004, cit. por Lask & Bryant-Waugh, 2006). Destacam-se algumas das recomendações chave deste instituto para a gestão da AN em crianças e adolescentes, uma vez que se enquadram e dão sentido ao presente contexto. Estas prendem-se com:

- O tratamento deve envolver, por norma, os membros da família (incluindo os irmãos), devendo os efeitos da AN noutros membros da família ser reconhecidos.

- Devem ser oferecidas aos pacientes, intervenções familiares que abordam diretamente o transtorno alimentar.

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- Os pais/cuidadores devem ser incluídos na educação alimentar ou no planeamento das refeições.

- Devem também ser oferecidos aos pacientes encontros individuais separados daqueles com os seus familiares ou cuidadores, devendo o seu direito à confidencialidade ser respeitado.

- O tratamento em contexto de internamento deve ser fornecido com uma distância razoável do meio em que o paciente vive, com vista a permitir o envolvimento da família, a manutenção das suas redes socias e a facilitação da continuidade dos cuidados pós-alta.

Como pontos-chave relacionados com o nosso diagnóstico temos: - a importância do envolvimento no tratamento dos pais, irmãos e de toda a família que se considere significativa para o paciente, tendo em conta as consequências/efeitos que a doença possa estar a causar nesses mesmos indivíduos, ou seja, dá-se importância aos cuidadores enquanto pessoas com necessidades; - a importância do envolvimento dos pais/cuidadores na educação alimentar ou mesmo num momento de ordem mais prática e de grande utilidade para a alta e/ou recuperação em ambulatório que é o planeamento das refeições. Mais uma vez os familiares são chamados a aprender – é reconhecida a sua necessidade de conhecimento sobre o assunto – para que possam ser um recurso útil para a recuperação do paciente no domicílio. - É ainda tida em conta a autonomia do paciente e o seu direito à confidencialidade, através da promoção de encontros separados dos familiares, os quais continuam a usufruir de apoio e formação nos encontros sem a presença do familiar doente. - Por fim, destaca-se a importância da localização dos locais onde os pacientes são internados, com vista a permitir o fácil acesso da família, assim como o seu envolvimento no processo terapêutico. Um paciente que seja internado relativamente perto do local onde vive possibilita um acompanhamento pelos seus familiares muito mais frequente e assíduo, do que uma pessoa que seja das ilhas e é internada no continente. Importa referir que na UIPIA esta situação da distância era frequente uma vez que a sua área de influência estendia-se, entre outros, até aos arquipélagos da Madeira e Açores.

Por outro lado, e remetendo-nos agora para a constatação que é feita nos nossos achados da separação abrupta a que a jovem anorética é submetida relativamente aos pais/cuidadores, durante o período do internamento, importa revisitar a literatura.

Assim, e relembrando que do ponto de vista dinâmico, a causa da AN é considerada como proveniente das dificuldades de resolução do processo de separação da

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mãe, numa fase precoce do desenvolvimento infantil (Mintz, cit. por Gabbard, 2006), e tendo em conta a orientação dinâmica da equipa de enfermagem, parece que encontramos aqui uma espécie de justificação para este afastamento de natureza tanto espacial como temporal, que à primeira vista tanto nos choca.

Estas mães são definidas como sobreprotetoras em relação à criança, considerando-a como uma extensão dos seus próprios corpos e não como um ser autónomo (Selvini, 1978, cit. por Nodin, 1999), excessivamente intrusivas em relação à criança, principalmente durante as fases iniciais do seu desenvolvimento, dificultando-lhes a fundação de uma identidade sólida, estável e distinta da figura materna (Nodin & Leal, 2005). Por sua vez, estas pacientes são incapazes de se separar psicologicamente das suas mães, originando uma lacuna no alcance de qualquer sentido estável do seu próprio corpo (Selvini, 1978, cit. por Gabbard, 2006). Assim, estes indivíduos são incapazes de identificar as suas próprias sensações e ações, uma vez que foram tratados, não de acordo com as suas necessidades, mas de acordo com as vontades e decisões da mãe.

Já uma outra abordagem, a do terapeuta familiar Minuchin (1978, cit. por Gabbard, 2006), refere-se à existência de padrões familiares confusos, nas famílias destes pacientes, com marcada ausência de limites entre gerações e pessoas, não existindo um sentido de identidade separado da matriz familiar. Esta constatação atesta a necessidade de trabalho com estes pais e famílias, no sentido da definição de limites e da determinação de um sentimento de identidade e individualidade de cada membro.

Podemos considerar que a literatura aponta tanto pontos contra como a favor do afastamento dos filhos anoréticos do seio familiar, mais concretamente dos seus progenitores. Importa quebrar com padrões de relacionamento prejudiciais pré- estabelecidos, mas por outro lado importa também ter acesso à família para que esta possa ser trabalhada e modificada, uma vez que a intenção última deste trabalho de ajuda será sempre integrar a criança/adolescente recuperada, no seio do seu núcleo familiar.

Após esta reflexão, afigura-se em nós a capacidade de compreensão da existência na UIPIA da necessidade de afastar momentaneamente estes pré-adolescentes /adolescentes do núcleo familiar. No entanto, continua a fazer sentido a necessidade de trabalhar mais de perto com estas famílias, em presença, ao longo do internamento, resignificando-lhe esta necessidade de afastamento.

O cuidado de enfermagem a pessoas com AN é sinónimo de desafios e frustrações constantes. A equipa de enfermagem são os profissionais que mantêm maior contacto com

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pacientes e familiares, permitindo-lhe uma intervenção positiva nas orientações que venham a facilitar o convívio familiar e social, assim como ajudá-los a desenvolver estruturas capazes de os habilitar na resolução dos seus problemas. O cuidar destas pessoas requerer dos enfermeiros um grande esforço e competência, pois tanto necessitam de vigilância constante, orientação e supervisão, como precisam de estabelecer uma relação de confiança e de apoio emocional. A uniformização das condutas da equipa é de importância vital, no sentido de evitar quebras na mesma, que possam ser aproveitadas pelos pacientes. A aliança com a família é outro aspeto de grande importância, visto que esta é parte integrante no processo de recuperação do familiar doente. Esta deve ser orientada, apoiada e estimulada a participar na continuidade do tratamento, no acompanhamento às consultas, na observação de alterações de comportamento, no apoio nas recaídas e na aceitação da doença (Almeida e Igue, 2004).

Mais uma vez se reforça a importância da família e de com ela construir uma aliança terapêutica. Nos achados resultantes dos nossos dados também conseguimos apurar a contra-atitude que estas jovens geram nos enfermeiros, dada a sua aparente passividade face ao que lhe está a acontecer e a passar ao seu redor. Os enfermeiros reconhece o quão difícil é lidar com estas adolescentes e questionam-se sobre “o que fazer com elas” e “como chegar às suas famílias”. Refletem sobre o modo como se pode intervir nestas famílias para mudar comportamentos e como ser bem aceite. Constatam por fim que é mais fácil chegar às crianças do que às famílias. O que mais uma vez parece ir de encontro à orientação dinâmica da equipa e também à ausência dos pais no serviço (ainda mais no caso das meninas anoréticas).

A falta de limites existente no seio destas famílias assim como a sua influência mais ou menos direta na origem da perturbação e na construção da imagem corporal da paciente, são fatores referidos pelos enfermeiros como causadores de sentimentos desagradáveis, num estudo levado a cabo por Grando e Rolim (2006), sobre a ótica dos profissionais de enfermagem nos transtornos da alimentação. O estudo evidencia a grande carga, desgaste emocional e sofrimento psíquico do profissional de enfermagem que cuida deste tipo de pacientes, uma vez que para preservar as suas vidas (evitar tentativas de suicídio por ex.) e permitir que exerçam algum controlo sobre si e sobre o seu processo terapêutico, é levado a assumir uma postura de limite/controlo, considerada excessiva pelo próprio, utilizando para se proteger do stresse mecanismos de defesa como a fragmentação

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do relacionamento enfermeiro-paciente, despersonalização, distanciamento, negação, entre outros.

No entanto, a equipa de enfermagem da UIPIA assume a importância do estabelecimento de uma aliança terapêutica com a família, que se inicia logo no momento do acolhimento no serviço, continua em idas posteriores à unidade, assim como nas chamadas telefónicas que estes pais estabelecem com a unidade, os quais acabam por ser momentos privilegiados, uma vez que num grande período do internamento das filhas, os pais se encontram limitados a este tipo de contacto. Nestes momentos os enfermeiros referem que fornecem informações relativas à evolução das filhas, mas também tentam apreender quais as vivências dos pais face à presente situação, quais as suas necessidades, aconselhando-os e tentando integrá-los no projeto terapêutico.

Os achados levam-nos a crer que estas são crianças/adolescentes difíceis de cuidar para este grupo de enfermeiros. Apesar de algo contraditórios, os dados revelam a dificuldade em trabalhar com estas famílias, quer seja pela sua inacessibilidade física (pais ausentes do serviço), quer pela ausência de um planeamento estruturado de intervenção sistematizada com as mesmas (por parte da equipa de enfermagem).

No entanto, nos últimos anos tem sido possível observar um número crescente de pesquisas relacionadas com as PCA, cuja inclusão da família no tratamento é defendida e assume um papel de destaque. É fundamental associar família e paciente para que, juntamente com os técnicos de saúde encontrem modos e alternativas diversificadas com vista à reconstrução e ressignificação das suas vivências e à libertação de padrões comportamentais inadequados (Cobelo, Saikali & Schomer, 2004).

Por último, remetendo-nos à teoria de enfermagem que norteia o presente projeto – a Teoria das Transições de Meleis – esta pode ser um importante contributo para enquadrar a discussão dos resultados do diagnóstico assim como ajudar à justificação do planeamento do projeto, quer em termos dos tipos de transições, quer ao nível da suplementação e da insuficiência de papel.

Assim, relativamente à transição desenvolvimental, pode ser reportada a transição da infância para a adolescência em que muitas das meninas anoréticas se reveem. Estas, de acordo com a revisão da literatura elaborada, não aceitam os seus corpos em mutação, recusam-se a crescer, apresentando insuficiência de papel relativamente a esta transição. Quanto à transição de saúde – doença, esta faz sentido tendo em conta que estas meninas passam de um estado de saúde ou, pelo menos de uma fase de equilíbrio e bem-estar no seu

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ciclo de saúde – doença, visto que muitas delas têm recaídas e consequentemente reinternamentos ao longo dos anos, para um estado de doença grave com internamento, muitas vezes copiosamente negociado, por se oporem ao mesmo. Por fim, a transição situacional, a que mais sentido parece fazer para a problemática em estudo, visto que se identifica com a situação de vida que os pais das pré-adolescentes/adolescentes com AN, figuras alvo dos cuidados de enfermagem em destaque no estudo, se encontram a experienciar. Os pais vêem-se a transitar do seu papel de pais – figuras parentais, para o papel de cuidadores da filha doente (o que acontece ainda antes do internamento, pelo que essa transição já vem como que encetada de um contexto de ambulatório); estes vêem-se, em contexto de internamento da filha, a serem solicitados enquanto recurso terapêutico, ou seja, os enfermeiros (e os médicos – não isentos de culta) têm a expectativa que os pais sejam um recurso terapêutico para os seus filhos, essencialmente numa perspetiva de alta. Os pais, que se encontram eles próprios com necessidades – insuficiência de papel – visto que se defrontam com uma situação para muitos ainda desconhecida, que é o internamento de um(a) filho(a) com o diagnóstico de AN, veem-se confrontados com a exigência de se assumirem como um recurso na recuperação e restabelecimento da saúde (física e psíquica) do(a) seu(sua) filho(a), sem que para isso seja dada, em primeira instância, resposta às suas necessidades – suplementação de papel. A suplementação de papel que os enfermeiros realizam na UIPIA prende-se com a “retirada” dos filhos aos pais, tomando os primeiros conta desses filhos, que os pais deixaram de conseguir cuidar, muitas vezes repletos de culpabilidade, e que se encontram em perigo.

Daí surge a questão a que se pretende dar resposta, no subcapítulo referente ao planeamento, que se segue:

Como é que o enfermeiro pode ajudar estes pais na transição de papel de cliente para o de recurso terapêutico?

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