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120 Os dados analisados mostraram que as IPI, nas três regiões do país são frequentes e fatores como idade, província, escolaridade, fonte de água, tipo de alimentação, tipo de casa, nível de escolaridade e estado marital da mãe eram fatores associados para adquirir IPI.

Uma em cada cinco (19,2%) crianças com diarreia no presente estudo apresentou infeção por, pelo menos, um parasita intestinal. Este resultado foi inferior ao encontrado por Muadica et al. (2017 e 2019) em Zambézia no hospital e na comunidade (61,0%) (209) e HCN (31,6%) (17) e superior ao encontrado num estudo no HCM por Fonseca et al., (2009) (16,1%) (210).

A maior frequência de IPI observada no estudo de HCN pode ser justificada pelo facto de ter utilizado uma combinação de duas técnicas (microscopia e testes de deteção rápida - TDR) que aumentaram as chances de deteção de IPI, enquanto que na presente análise utilizou-se a microscopia.

No estudo realizado no HCM, foram utilizadas as técnicas de solução salina e de concentração de Ritchie para deteção de IPI (210), que não abrange coccídeos, como C.

belli, nem o gregarina Cryptosporidium spp., o que provavelmente tenha contribuído para menor frequência de identificação de parasitas em comparação com os resultados da presente análise.

Já no estudo de Muadica et al., a elevada prevalência encontrada pode ser justificada pelo método de diagnóstico utilizado, PCR, considerado um método muito sensível (211,212) e também pelo facto de ter incluído dois grupos de populações (crianças dos 3 aos 14 anos, com queixas gastrointestinais, incluindo diarreia e crianças assintomáticas recrutadas em escolas) diferente do presente estudo que aplicou a microscopia a uma população de crianças até 14 anos. Infeções assintomáticas por parasitas protozoários são comuns em países em desenvolvidos, onde parasitas foram isolados de indivíduos saudáveis sem diarréia. As infeções por G. duodenalis, por exemplo, num estudo caso-controlo em Manhiça, foram mais prevalentes nos caso-controlos do que nos casos (15). Cerca de 90% dos indivíduos infectados por Entamoeba são colonizados pela espécie não patogênica Entamoeba dispar e, como tal, são assintomáticos (213).

121 No entanto, não podemos descartar os diferentes critérios de inclusão como causas de internamento (crianças malnutridas, crianças com infeção por VIH), fatores epidemiológicos e desenhos desses estudos.

Relativamente a alguns estudos desenvolvidos em África de base hospitalar como os da Nigéria, do Quénia e Gabão, em crianças menores de cinco anos e de São Tomé e Príncipe em crianças até 10 anos foram observadas frequências de 28,0%, 25,6%, 61,0% e 29,4%

de IPI, respetivamente (154,214–216). As diferenças dos estudos da Nigéria e Quénia com as da presente análise podem estar relacionados fundamentalmente com fatores socioepidemiológicos de cada país incluindo fatores sociais (ocupação, educação e posse de TV/rádio), fatores demográficos (etnia, local de residência urbano/rural, idade da mãe e sexo) e os fatores associados ao estilo de vida (uso de sabão, local de confecionamento dos alimentos, presença de animais domésticos, forma de descarte de lixo, fonte de água, tipo de vaso sanitário e tipo de telhado) (20). Embora o estudo desenvolvido na Nigéria tenha sido realizado apenas com a técnica de concentração de formol éter com capacidade diagnóstica limitada, o mesmo argumento não poderá ser usado para justificar os resultados do estudo do Quénia que aplicou as mesmas técnicas diagnósticas utilizadas no presente estudo, mas que, entretanto, encontrou uma frequência de infeção superior.

No estudo realizado no Gabão, a alta frequência de infeção verificada, pode justificar-se, à semelhança dos outros estudos, com os fatores locais (sociais, demográficos e associados ao estilo de vida) (20) e o elevado grau de sensibilidade da PCR.

No presente estudo, observou-se que a infeção foi significativamente maior em crianças acima de cinco anos (OR = 2,852) e a mediana da idade dos positivos quando comparada com os negativos foi de 13 de meses, p = 0,019. A positividade para as IPI acima do primeiro ano de vida pode estar relacionada com a introdução de novo tipo de alimentos na dieta da criança. Um estudo transversal realizado na área metropolitana de Maputo, para avaliação de fatores de risco para infeção entérica infantil dava indicação de que a amamentação exclusiva parecia protetora para o risco de infeção entérica (217). Este resultado é explicado pelo facto de a amamentação proteger as crianças, através da diminuição da sua exposição à água e organismos patogénicos transmitidos pela água e alimentos. Adicionalmente, foi comprovado que os mais novos (crianças em amamentação) são protegidos por mecanismos imunológicos naturais que reduzem a incidência de diarreia, bem como a sua duração (218).

122 Por outro lado, o aumento da exposição ao ambiente (solo, água, animais) associado a inadequadas práticas de higiene e o problema da superlotação nas salas de aula, que aumenta o contacto entre crianças com diferentes idades (cinco - catorze anos), podem explicar a elevada prevalência de IPI nesta faixa etária em comparação com os mais novos.

Vários estudos têm reportado a idade como um fator associado a ocorrência de IPI embora esta associação entre as diferentes espécies de parasitas e a distribuição de acordo com os diferentes grupos etários não seja consensual (10,209,217,219,220).

Os estudos de base hospitalar existentes em Moçambique, foram na sua maioria realizados em crianças menores de cinco anos, (198,210,221,222), excluindo as faixas etárias mais velhas que também compõem a idade pediátrica (59 – 168 meses) (8). Dos poucos que estendeu o intervalo de idade até os 14 anos, indicou maiores taxas no grupo de crianças com idades acima dos cinco anos, como é o caso do estudo da Zambézia, realizado em populações pediátricas escolares e em clínicas (dos três aos catorze anos), utilizando PCR. Neste estudo, as infeções por Cryptosporidium foram mais prevalentes em crianças pequenas, enquanto o aumento da idade foi uma associação de risco para a transmissão de Blastocystis sp. e E. dispar (209).

Embora se limitasse à idade até 49 meses de idade, o estudo comunitário realizado em 17 bairros da zona urbana de Maputo, deu uma indicação do aumento das infeções com a idade. Neste estudo, a prevalência de qualquer infeção, aumentou com a idade e a prevalência da infeção por Giardia, por exemplo, aumentou de 14,0% entre um e onze- meses para 75,0% de prevalência no grupo dos 24-48 meses de idade (217).

Por outro lado, um estudo realizado em Manhiça - Maputo (em dois hospitais públicos), em criaças entre os dois a dez anos, não observou estas diferenças na proporção de crianças infetadas por protozoários entéricos entre dois a cinco anos e de cinco a dez anos (79,2% e 75,8%, respectivamente, valor p = 0,475) (223).

Resultados de um estudo no Egipto, em crianças dos quatro meses a 15 anos com sintomatologia sugestiva, mostraram diferenças nas prevalências globais entre as diferentes faixas etárias. A faixa etária dos 12 a 15 anos apresentou a maior prevalência de parasitoses intestinais (34,5%) sem infeção mista detetada seguida da faixa etária de

123 quatro até oito anos (30,2%) com prevalência de infeção mista de 8,1% enquanto a faixa etária de 8 aos 12 anos teve a menor prevalência de parasitas (15,8%) com 0,9% de prevalência de infeção mista observada (224).

Embora sejam esclarecedoras as consequências das IPI em crianças menores de cinco anos, é importante dedicar especial atenção às crianças maiores de cinco anos pela importância que elas têm na epidemiologia das IPI, sobretudo, por servirem de reservatório e fonte de transmissão dos parasitas para hospedeiros suscetíveis.

A cidade de Maputo apresentou a prevalência de parasitas intestinais mais elevada e crianças com maior diversidade parasitária. Várias explicações podem ser apontadas para sustentar este resultado. Esta província foi a que mais hospitais/locais de estudo apresentou (três, incluindo o maior hospital do país, o HCM) comparando com as outras províncias inscritas (apenas um) e consequentemente com um maior número de amostras de fezes colhidas e testadas. Associado a este facto, importa também referir que o laboratório incumbido das testagens, está também localizado em Maputo, fator este que permitiu uma agilização no transporte e testagem das amostras, dentro dos limites de tempo indicados, comparando com Sofala, Zambézia e Nampula, em que as fezes colhidas eram congeladas e enviadas para Maputo uma vez por semana. Importa também acrescentar que o posto sentinela de Sofala foi dos que menos casos de diarreia recrutou.

Este facto deveu-se a sua precoce desativação, motivda pelo fraco desempenho dos colaboradores naquele ponto.

Por outro lado, Maputo é a capital de Moçambique e é descrita como tendo a maior densidade populacional do país, como consequência da migração campo-cidade por razões associadas à imagem da cidade como um lugar de oportunidades (225,226). De 1990 a 2017, a população total de Maputo expandiu-se de aproximadamente 1 milhão de habitantes para aproximadamente 3 milhões, equivalendo a uma densidade populacional próxima de 3600 habitantes/km2 em 2017 (227). O rápido crescimento populacional, levou à rápida expansão das áreas suburbanas ao redor da cidade e, tirando raras exceções, este crescimento não foi sendo acompanhado de um planeamento urbano que permitisse a manutenção ou implementação de infraestruturas de prestação de serviços básicos, incluindo serviços adequados de gestão de resíduos. Os arredores desta cidade são constituídos por bairros de caniço, caraterizados por elevada densidade populacional e

124 saneamento do meio precário (elevada quantidade de resíduos sólidos e águas residuais) (226). Nestes bairros, as latrinas e casas de banho na sua maioria são abertas e praticamente sem sistemas de esgoto adequados (217). Estas, são caraterizadas como sendo pequenas fossas porosas que enchem rapidamente e algumas vezes transbordam para as ruas. Estas chegam a ser partilhadas por várias famílias, aumentando o risco de transmissão de infeções pessoa-a-pessoa. Também existe na periferia da cidade, o vale do Infulene – uma área de produção agrícola, referência na distribuição de produtos hortícolas para vários mercados da cidade e província de Maputo. Este vale é irrigado pelas águas do Rio Mulaúze, um braço do Rio Infulene, onde num dos seus percursos está localizada uma vala de drenagem, onde o esgoto urbano é descartado, representando um risco acrescido de infeção por IPI. Como exemplo, um estudo realizado recentemente nos mercados abertos de Maputo, relatou que 29,3% das amostras de produtos hortícolas na sua maioria provenientes daquele campo de produção, apresentavam pelo menos um parasita, incluindo parasitas patogénicos como B. coli, G. duodenalis, E. histolytica, B.

hominis e S. stercoralis (228).

A alimentação mista (amamentação e fórmulas) e beber água captada em rios e lagos foram também consideradas como estando associadas a IPI. Este resultado é consistente com o estudo realizado na área metropolitana de Maputo, que dava indicação de que a amamentação exclusiva parecia protetora para o risco de infeção entérica (217). Uma investigação levada a cabo em Honduras, constatou que a água contaminada fornecida aos lactantes, misturada com fórmula ou alimentos complementares era uma das principais vias de infeção parasitária (229). Este resultado é explicado pelo facto de que a amamentação protege as crianças, através da diminuição da sua exposição à água e patógenos transmitidos por água e alimentos, bem como reforçando suas defesas imunológicas.

Habitar em casas de caniço foi igualmente associado a contrair IPI. Em um estudo realizado no Brasil, constatou-se igualmente que habitar em moradias em condições precárias, tinha um impacto negativo para IPI (230). Este tipo de construções mais um vez revela a grande vulnerabilidade económica das famílias. Muitas destas construções são caraterizadas por chão em terra batida, com poucas divisões e consequente elevada densidade domiciliar, pouca higiene coletiva e pode ser um corolário de risco de transmissão de pessoa para pessoa entre membros da família (231).

125 No presente caso, o incorreto manuseio e má preparação da fórmula poderão estar na origem das elevadas proporções de infeção. A preparação das fórmulas pressupõe o uso de água segura que envolveria uma rede abastecimento de água segura e adequada, armazenamento higiénico da água, uma vez que em muitas regiões, o abastecimento da água da rede pública é restrita a determinados horários. É também importante questionar as formas de conservação destas embalagens contendo as fórmulas depois de abertas (contacto ou não com as pragas domésticas), assim como a higienização dos utensílios utilizados na preparação.

Curiosamente, as crianças com alimentação artificial exclusiva não foram associadas ao risco de adquirir IPI. Um das razões poderá ser o número reduzido das crianças amostradas com este tipo de alimentação, dado que esta torna-se inacessível para a maioria das condições da população moçambicana. Iraque e no Egipto, dois estudos demonstraram que crianças alimentados com fórmula têm uma prevalência maior de infeções gastrointestinais, incluindo IPI, quando comparados com as crianças amamentadas exclusivamente (232,233).

O número de crianças infetadas de mães sem escolaridade e mães solteiras foi significativo. Este padrão também foi descrito em estudos na Etiópia (234,235), África do Sul (236), Turquia (237) e Camarões (238) e sugere que as mães instruídas têm melhor conhecimento sobre as práticas e medidas preventivas contra IPI, incluindo o uso de água com sabão ou cinza para lavagem das mãos, uso de calçado, o hábito de cortar as unhas e a adoção de outras medidas de higiene pessoal e coletiva.

O facto das crianças filhos/as de mães solteiras terem apresentado altas taxas de infeção pode ser especulado como consequência da pouca atenção dada aos seus filhos, uma vez que estas mães, por serem elas as provedoras passam mais tempo fora de casa em busca de sustento, em detrimento dos cuidados caseiros e ficando as crianças sozinhas ou ao cuidado de algum parente mais próximo pouco cuidadoso em relação aos cuidados de higiene e prevenção contra IPI.

Neste estudo ficou demonstrado que uma percentagem significativa dos casos de diarreia, esta foi causada por protozoários em comparação com os helmintas (13,3% e 5,8%), respetivamente, com destaque para Cryptosporidium spp., G. duodenalis, E. histolytica / dispar, Cystoisospora belli, Balantidium coli pela sua importância médica. Este achado

126 era expectável uma vez que os protozoários intestinais não são alvo dos programas de controlo específicos como é o caso dos helmintas, em que campanhas de desparasitação são levadas em curso anulamnete, nas escolas (239).

Protozoários foram igualmente mais prevalentes do que helmintas, num estudo em Manhiça, a sul de Moçambique (77,5% e 19,3%, respetivamente) (223) e em Nampula (23,0% e 4,7%, respetivamente) (17) e em alguns estudos africanos no Gabão (66,7% e 33,3%, respetivamente) e Quénia (percentagens não especificadas) [24,27].

Apesar da baixa ocorrência de helmintas, convém relembrar a sua importância médica, estando estes descritos como associados a várias complicações incluindo atraso de crescimento e comprometimento do desenvolvimento cognitivo, anemia, desnutrição e deficiência de vitamina A (241), dependendo do tipo de helmintoses envolvidas (22).

A presença dos outros protozoários intestinais não patogénicos apesar de não constituírem um problema de saúde pública, são igualmente indicativos do estado de contaminação fecal do ambiente, más práticas de higiene e elevada transmissão fecal-oral, quer de forma direta ou indireta, tornando as populações vulneráveis (242).

Cryptosporidium spp. foi o parasita intestinal mais observado no estudo (8,1%). Vários estudos na Manhiça reportaram Cryptosporidium como um organismo patogénico importante, causador de diarreia em crianças menores de 5 anos (12,198,222,243). No estudo multicêntrico GEMS, Cryptosporidium foi a segunda causa principal (14,7%) de diarreia moderada a grave em Moçambique e foi a principal causa de diarreia em crianças até 11 meses. Ainda neste estudo, verificou-se que a diarreia associada a Cryptosporidium impactou negativamente no crescimento linear e aumentou significativamente o risco de morte em crianças (198).

Os resultados desta análise, entretanto, diferiram dos resultados de alguns estudos realizados na zona sul, centro e norte, nos quais Cryptosporidium spp. foi dos menos observados. O estudo realizado em dois hospitais públicos da Manhiça, em crianças que se tinham apresentado a estas unidades sanitárias (com malária) com base na PCR, observou uma frequência de 5,7% e que correspondeu ao sexto parasita mais observado (223). Outras diferenças foram também observadas nos estudos em Nampula e Zambézia, ao considerar Cryptosporidium spp. como o terceiro (3,4%) usando a microscopia e como

127 quinto (0,7%) parasita mais comum detetado por PCR, todos eles, em crianças sintomáticas, respetivamente (59,209).

Relativamente à sua ocorrência em alguns países de África, em crianças com sintomatologia gastrointestinal, foi descrita em Angola uma frequência de 30,0% com recurso à ELISA (244), sendo considerado o parasita mais comum. No Quénia (154), por microscopia, foi descrita uma frequência 30,5% e no Gabão por PCR, de 19,0% (215), e em ambos os estudos Cryptosporidium spp. foi considerado o segundo agente causador de diarreia.

Estas diferenças da prevalência são descritas como comuns, pois podem variar entre e dentro de continentes e até mesmo dentro de países ou entre estudos da mesma região geográfica, como resultado de diferenças no desenho do estudo, tamanho da amostra, faixas etárias, sero prevalência para VIH, carga da doença, sensibilidade dos métodos de diagnóstico empregues e condições climáticas (161,245). No presente estudo, por exemplo a maior frequência de Cryptosporidium foi observada em Beira-Sofala. À semelhança de muitas capitais provinciais, a falta de acompanhamento socioeconómico dos movimentos migratórios do campo para as cidades, os baixos níveis de desenvolvimento socioeconómico das áreas periféricas, acentuado nível de pobreza das famílias que vivem nas periferias das cidades juntamente com a deterioração dos sistemas de abastecimento de água e esgoto podem justificar o aumento de infeções por Cryptosporidium (246). A província de Sofala é igualmente propensa a tempestades (cheias, ciclones) que têm danificado casas, bem como infraestrutura públicas incluindo escolas, sistemas de água e instalações de saúde predispondo à transmissão de doenças transmitidas pela água incluindo Cryptosporidium (246,247).

No presente estudo, a sua ocorrência pode ser justificada pela sua natureza oportunista principalmente pelo facto de Moçambique apresentar das mais altas da taxas de infeção por VIH e desnutrição na região (6). A possibilidade de contaminação do espaço domiciliar, dos campos e dos produtos agrícolas assim como das águas superficiais (rios, lagos, lagoas) por fezes humanas e animais não devem ser ignorados uma vez que, e como demonstrado neste estudo, uma em cada treze famílias infetadas tinha contacto com pelo menos uma espécie de animais domésticos e peri-domésticos e as fezes destes animais são utilizadas como fertilizantes (248).

128 A resistência dos oocistos ao método de tratamento da água (cloração), que foi um dos métodos mencionados pelos inquiridos neste estudo pode, por outro lado, ter contribuído para a elevada frequência observada (133). Por outro lado, a contínua eliminação de oocistos mesmo depois de cessação dos sintomas e sinais, assim como a falta de tratamento eficaz principalmente em imunocomprometidos, aumentam as chances de disseminação e transmissão de Cryptosporidium spp. Em um estudo longitudinal comunitário no sul da Índia, constatou-se que metade das crianças infetadas eliminava oocistos dias antes ou após episódios de diarreia, o que provavelmente contribui significativamente para o impacto a longo prazo da criptosporidiose na desnutrição e no crescimento retardado (249).

Também constatou-se, no modelo ajustado, que a cada mês de idade, a infeção por Cryptosporidium reduzia em 0,973 vezes e na análise bivariada, as crianças entre 12 e 23 meses de idade estiveram mais propensas a infeção por Cryptosporidium spp. do que qualquer outro grupo. Este resultado é concordante com o estudo no Egipto, em que crianças menores de 12 meses de idade tiveram 2,4 vezes mais chances de se infetar com Cryptosporidium (p < 0,01) e crianças de 12 a 23 meses tiveram 1,9 (p < 0,05) vezes mais chances de serem infetadas em comparação com as crianças mais velhas (250). Na Nigéria o padrão foi semelhante com uma prevalência de infeção maior em crianças entre um e dois anos meio e menor em crianças acima de dois anos e meio (251). Num estudo de caso-controlo na República Centro-Africana, os casos de infeção por Cryptosporidium spp. igualmente decresceu com a idade. Este, foi diagnosticado em 16,0% dos lactantes, 7,0% das crianças pequenas e 9,0% das crianças mais velhas (p = 0,04) (252).

Em Moçambique, no estudo da Manhiça conduzido em crianças e envolvendo dois hospitais públicos não se observaram diferenças na proporção de crianças infetadas por protozoários entéricos, incluíndo Cryptosporidium, entre crianças dos dois a cinco anos e as dos cinco a dez anos (79,2% e 75,8%, respetivamente, valor de p = 0,475) (223). Um estudo igualmente realizado em dois hospitais públicos da cidade de Maputo, indicou que as crianças mais velhas foram as mais propensas a serem infetadas por Cryptosporidium spp. O grupo mais suscetível foi o das crianças com mais de dois anos, em comparação com menores de sete meses p-valor < 0,05; razão de chances ajustada (OR = 5,861) (14).

129 Na província da Zambézia e no estudo multicêntrico, GEMS, as infeções por Cryptosporidium spp., foram inversamente relacionada à idade (12,209) à semelhança do nosso estudo. Os achados do GEMS, relataram casos de diarreia moderada a grave em 19,8% das crianças até 11 meses, 16,5%, em crianças de 12 a 23 meses, 6,6% em crianças de 24 a 59 meses e 16,1% em crianças até 11 meses, 15,4% em crianças de12 a 24 meses e 9,9% em crianças de 24 a 59 meses, para os casos de diarreia ligeira (12).

Este protozoário é conhecido por causar diarreia e desnutrição em crianças pequenas nos países em desenvolvimento. Além disso, estudos de coorte demonstraram que um único episódio de infeção por Cryptosporidium spp. durante a infância, mesmo que assintomático, pode levar a deficiências no crescimento que persistem por meses (253).

A incidência anual de diarreia moderada a grave atribuível a Cryptosporidium, no estudo do GEMS, foi de 3,48 (IC 95%, 2,27–4,67) por 100 crianças-ano em bebés africanos e 1,41 (IC 95%, 0,73– 2,08) por 100 crianças-ano em crianças pequenas. A importância de Cryptosporidium neste e noutros estudos desenvolvidos em Moçambique, exige uma necessidade de reestruturação nas abordagens diagnósticas em vigor, onde muitos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) têm uma ideia limitada sobre este parasita como uma das causas principais de diarreia. Um melhor entendimento em relação à ineficácia de muitos agentes terapêuticos, devido a biologia do próprio parasita, principalmente pela sua localização intracelular, mas extracitoplasmática, dentro de um vacúolo parasitóforo, que modula o transporte de certos medicamentos, de tal forma que estes, entram no citoplasma da célula hospedeira mas não são transportados para o parasita (254) e a busca por alternativas mais eficazes como por exemplo as vacinas, poderá melhorar o atual cenário da criptosporidiose no país.

Quando comparou-se a frequência de G. duodenalis do presente estudo com o relatado em outros estudos realizados em Moçambique em crianças com sintomatologia gastrointestinal, constatamos que esta é das menores frequências observadas. Os estudos da Zambézia (209) e da Manhiça (223) utilizando PCR reportaram 42,0% e 77,3%

respetivamente. Com recurso a ELISA, o estudo de de Nhampossa et al., (243) relatou 10,0% nas faixas até onze meses, 28,0% dos 12-23 meses e 35,0% dos 24 a 59 meses. Já no HCN (59), estudando crianças das enfermarias de VIH e malnutrição, testes de deteção rápida (TDR), uma frequência de 29,3% foi observada. Finalmente no HCM, Fonseca et al., (210) com base na microscopia relatou 6,7% de ocorrência de G. duodenalis.

130 Uma das razões principais para estas diferenças pode estar na sensibilidade dos métodos de diagnóstico utilizados, concretamente PCR, ELISA e TDR. O estudo no HCN, ao fazer uma comparação da coloração ácido-resistente modificada e os métodos de teste rápido de antigénio relatou o dobro da positividade com o segundo método (13,1 % e 29,3%) (59), dado que os TDR detetam antigénios (210) contrariamente aos métodos parasitológicos que pesquisam formas intactas e que dependem muito do estado de conservação das amostras biológicas e da experiência do microscopista a efetuar a leitura dos esfregaços.

A sensibilidade da PCR e várias abordagens microscópicas foi testada na Beira-Sofala, num estudo de base comunitária. A deteção de ADN de cada uma das espécies de parasitas testadas foi maior do que qualquer uma das técnicas microscópicas aplicadas.

Para G. duodenalis, a sensibilidade da concentração em formol éter foi de 21,0%

enquanto a da PCR foi de 99,0% (212), para as mesmas amostras.

Um outro aspeto a considerar está relacionado com o número de réplicas recolhidas por cada participante assim como as características das amostras recolhidas. Segundo as diretrizes do CDC de Atlanta, EUA (255), o ideal é que sejam recolhidas e examinadas três amostras de fezes, emitidas em intervalos de dois a três dias. Além disso, recomenda-se a prerecomenda-servação das amostras quando estas não podem recomenda-ser examinadas dentro do intervalo de tempo prescrito (até ao máximo de uma hora depois de emitidas fezes líquidas e pastosas) para preservar os trofozoítos e evitar a deterioração das amostras e, para as amostras formadas (menos propensas a conter trofozoítos) até 24h com refrigeração (255). Entretanto, no presente estudo, foi recolhida uma amostra de fezes por participante e como se pretendia fazer a deteção molecular (PCR) as amostras não foram preservadas, uma vez que a formalina, um dos preservantes usados para amostras de fezes, é inibidor da PCR (255).

Adicionalmente, as colheitas foram feitas em crianças com diarreia e na sua maioria de consistência mole (conhecidas por apresentarem maioritariamente trofozoítos) e supõe-se que como estas amostras não foram presupõe-servadas, mas sim congeladas e os limites de tempos para examinação tenham sido ultrapassados, sobretudo para as amostras que provinham de províncias de fora de Maputo, muitos dos trofozoítos se tenham desintegrado, resultando em falsos negativos.Das 19 amostras positivas diagnosticas no

131 estudo, apenas uma era proveniente de fora de Maputo, o que é uma forte indicação de ter sido esta a principal causa da baixa frequência de identificação deste protozoário intestinal, no presente estudo.

As crianças de Maputo, aquelas que não faziam algum tipo de tratamento da água e que habitatavam em casas de alvenaria apresentaram infeções significativas por G.

duodenalis.

Em relação à proveniência (Maputo), a sua maior ocorrência, pode ser justificada principalmente pelos motivos supracitados. Quase a totalidade das amostras diagnosticadas, (18/19), foram colhidas em Maputo, entretanto, olhando para os fatores que podem estar ligados a esta ocorrência, estes não diferem dos fatores mencionados para ocorrência de IPI nesta província, como a associação da imagem de Maputo como um lugar de oportunidades e que tem como cosequências uma maior densidade populacional nos bairros periféricos (226,227) e que por sua vez concorrem para degradação do saneamento do meio, o consumo de vegetais e legumes provenientes da zona de de produção de Infulene onde há contaminação destes produtos por águas residuais.

A associação da ocorrência de Giardia com o facto de morar em casas de alvenaria pode ser por um lado considerado um viés, uma vez que para todas as 19 crianças positivas, os seus cuidadores mencionaram morar em casas de alvenaria. Por outro lado, casas de alvenaria podem ter uma interpretação ambígua na óptica dos entrevistados. Algumas destas construções são caracterizadas por chão em terra batida, com poucas divisões e pouca higiene coletiva o que pode constituir risco de transmissão de pessoa para pessoa entre membros da família (256). Uma investigação realizada em Zambézia, contrariamente ao presente estudo, revelou que ter geralmente alojamento alugado de telhado de zinco/palha e blocos de concreto em comparação com alojamento de madeira, adobe ou alvenaria constituía um risco de infeção por Giardia (209).

A falta de tratamento de água associada à infeçao por Giardia, reforça a ideia de que a transmissão pela água pode ser a via de transmissão deste protozoário em crianças. O estudo de associações de risco para parasitas intestinais em crianças em idade escolar sintomáticas e assintomáticas, em Zambézia, relatou que a ingestão de água de rios como fonte primária ou secundária de água foi associada a G. duodenalis mas que era mitigada

132 pelo tratamento com cloro e/ou fervura. O tratamento da água também reduziu as chances de G. duodenalis em pessoas que não bebiam água do rio/nascente como fontes primárias ou secundárias (209).

Nesta análise também se verificou que casos de poliparasitismo (26,8%) foram prevalentes, sendo a combinação A. lumbricoides/T. trichiura a mais comum. Ascaris lumbricoides também foi relatado como o parasita mais prevalente num estudo conduzido na África do Sul, um país vizinho de Moçambique, com uma frequência de poliparasitismo de 56,2% (236), maior que a observada no presente estudo. No Gabão, a taxa de poliparasitismo observada foi de 19,7%, menor do que a encontrada no nosso estudo, onde Cryptosporidium spp. e Hymenolepis sp. ou Cryptosporidium spp. e Encephalitozoon intestinalis foram as combinações mais frequentes (215).

Em Moçambique, estudos anteriores apresentaram variação nas taxas de poliparasitismo.

No estudo da Manhiça foram relatados 18,8% de frequência de poliparasistimo e G.

duodenalis/S. stercoralis constituíram a coinfecção mais comum, com 7,9% (223). Na Beira, 49,0% de poliparasitismo foi diagnosticado (212) e em Nampula, 3,9 % (59). Estas diferenças podem ser explicadas pelos diferentes métodos de testagem aplicados (PCR, PCR mais microscopia e microscopia mais TDR, respetivamente), sem excluir causas dos internamentos, critérios de inclusão e fatores culturais regionais.

A ocorrência de poliparasitismo neste estudo pode estar relacionada com o elevado grau de contaminação ambiental e o desconhecimento das medidas de higiene preventivas.

Segundo a OMS e Unicef (257,258), em 2015, 47,0% da população bebia água de fontes melhoradas e 14,0% apresentava falta de acesso permanente e sustentável à água, 76,0%

da população não tinha ou não usava instalações sanitárias melhoradas (métodos que separam, de forma higiénica, os detritos humanos do contacto humano), 36,0% da população praticava fecalismo a céu aberto e apenas entre 5,0% a 25,0% população nacional usava meios básicos de lavagem das mãos, incluindo sabão e água nas casas.

Ascaris lumbricoides, T. trichiura e as duas espécies de ancilostomídeos (N. americanus e A. duodenale) estão entre as espécies mais difundidas de helmintas transmitidos pelo solo (geohelmintas) globalmente (4).

133 Neste estudo, os helmintas A. lumbricoides e T. trichiura foram igualmente os mais comuns observados, tendo sido diagnosticados nas quatro províncias inscritas no estudo.

A OMS (259) aponta que as infeções por A. lumbricoides causam morbilidade como consequência do comprometimento da ingestão, digestão e absorção de nutrientes (nitrogénio, albumina e proteína, gordura, lactose e vitamina A), pela obstrução intestinal e pela migração larval (através dos pulmões e do fígado). Em relação a T. trichiura, as infeções podem desencadear desnutrição, anemia por deficiência de ferro e redução do desenvolvimento físico e cognitivo.

Os presentes resultados estão em consonância com os resultados do mapeamento, publicado em 2009, com 65,8% de frequência de A. lumbricoides e 54,0% de T. trichiura (10); do HCM em 2014, com 5,0% de A. lumbricoides e 12,5% de T. trichiura (210); e recentemente em 2021, na Manhiça, com 7,4% de A. lumbricoides e 4,0% de T. trichiura (223).

Num estudo comunitário na Beira, 93,0% e 56,0% de T. trichiura e A. lumbricoides foram reportados como os mais comuns (212) e finalmente, na região norte - HCN, contrariamente aos nossos resultados, estes dois parasitas foram dos menos observados, com A. lumbricoides a apresentar 1,6% em quarto e T. trichiura como 0,6%, em sexto (59). Com exceção do estudo realizado na Beira, os resultados parecem indicar que houve uma redução na carga destes parasitas desde 2009 até 2021, muito provavelmente impulsionado pelo o aumento da quimioterapia preventiva, implementada em 2009, embora as infeções do tipo moderada a severa ainda constituam uma preocupação para as autoridades sanitárias. Segundo uma análise de progresso global do controlo de geohelmintoses, Moçambique apresenta uma cobertura de quimioterapia preventiva nacional superior a 75,0%, em crianças em idade escolar (260). Apesar destes avanços, é necessário que estas ações sejam complementadas por intervenções com foco em WASH (258), uma vez que é improvável a eliminação destes parasitas, como um problema de saúde pública, em ambientes onde os reservatórios de ovos de helmintas transmitidos pelo solo permanecem altos, assim como da necessidade de avaliar a eficácia do regime de monoterapia anti-helmíntica em curso no país. Por outro lado, alguns estudos reportaram a baixa eficácia de mebendazol e albendazol em dose única para o tratamento de infeções por Ancilostoma e Trichuris, respectivamente (19). Torna-se necessária uma atualização e adaptação a novos regimes terapêuticos, uma vez que existem estudos que comprovam

134 que já é possível adicionar ivermectina a qualquer benzimidazol no tratamento de infeções por T. trichiura (261) e albendazol com pamoato de oxantel para o tratamento de T. trichiura e outros helmintas transmitidos pelo solo (262).

A dinâmica sazonal das parasitoses intestinais tem sido reportada embora as suas causas podem não ser muitas vezes compreendidas. No geral, os dados do presente estudo, indicam que as altas incidências de diarreia foram registadas maioritariamente nos períodos da chuva em comparação com períodos secos. Entre os três parasitas analisados, Cryptosporidium foi dos que apresentou maior variação, com os picos de infeção a serem observados na estação quente e das chuvas, (p < 0,05). Os resultados observados no presente estudo estão de acordo com os resultados de um estudo no Quénia (161) e outro em Nampula, Moçambique (17), onde os picos de infeção por Cryptosporidium foram observados na época da chuva. Por outro lado, um estudo de base hospitalar em vários locais da Índia relataram maior ocorrência de infeção nos meses quentes de verão (263).

Contrariamente ao presente estudo, no Kuwait, foi relatada a ocorrência de Cryptosporidium nos meses frios (148).

Estas diferenças podem ser justificadas baseando-se no estudo da sazonalidade da criptosporidiose onde se concluí que a presença de alta temperatura ambiente (dos países temperados) e alta pluviosidade (dos trópicos) eram fatores sazonais contributivos para a disseminação deste protozoário oportunista (161).

O clima de Moçambique é tropical, com duas estações: uma estação fria/seca e uma estação das chuvas que ocorre no verão. Os ciclones tropicais do Oceano Índico atingem tipicamente Moçambique no verão e estão associados às precipitações intensas que culminam com inundação e alagamento de culturas, aumento dos fluxos de águas superficiais, particularmente em áreas urbanas com redes de drenagem deficientes (247).

No presente estudo, o aumento da incidência de casos de criptosporidiose nos meses de chuva pode estar relacionado com a dispersão dos oocistos e a contaminação das águas superficiais captadas pelas populações para consumo, associado à sua resistência dos oocistos aos métodos comuns de tratamento das águas, assim como pela contaminação dos produtos agrícolas, cuja produção e acessibilidade às populações é mais alta nestas épocas.

135 Moçambique é um país vulnerável às mudanças climáticas (247). Uma meta-análise em África sobre a situação dos parasitas protozoários transmitidos pela água, nos recursos hídricos, revelou que existem nos países africanos sinais do aumento do ônus da transmissão de Cryptosporidium spp. devido a mudanças climáticas, através de alterações nos padrões de chuva que podem causar maior contaminação das águas e consequentemente a sua maior transmissão (264). Por outro lado, as mudanças climáticas poderão interferir na segurança alimentar e no estado nutricional, o que poderá aumentar a suscetibilidade à criptosporidiose de origem alimentar e a outras infeções parasitárias nos grupos de risco, sobretudo as crianças (247).

A criptosporidiose é comumente relatada em indivíduos infetados por VIH. Numa meta-análise de 161 estudos publicados de 2000 a 2017 sobre coinfecções por Cryptosporidium e VIH verificou-se que a prevalência mundial era de 14,4% e, 5,0% a 10,0%

correspondiam a casos provenientes de países de baixa renda (265). Numa investigação de caso-controlo, sobre o papel da infeção por VIH na etiologia e epidemiologia da doença diarreica em crianças dos 0-59 meses, numa zona rural de Moçambique, constatou-se que para os casos de diarreia moderada a severa, apenas Cryptosporidium teve significância estatística, sendo mais prevalente entre os casos VIH-positivos do que entre os VIH-negativos (31,0% versus. 18,0%; p = 0,0608) (221). Ainda, na Manhiça, no estudo de Grau-Pujol et al., não foi encontrada associação estatística na infeção parasitária intestinal em relação à infeção por VIH, assim como no presente estudo (223).

No presente estudo, 19,7% das mães relataram estar infetadas por VIH e 79,5% dos filhos destas mães estavam igualmente infetados, contudo, não foi verificada associação entre os parasitas observados com a infeção por VIH, particularmente no que diz respeito a Cryptosporidium, por ser um oportunista.

A não associação entre a ocorrência de Cryptosporidium spp. e VIH, poderá ser especulada pela instituição de terapia antirretroviral (TARV) nas crianças (dados não apresentados) que recompõe o sistema imunológico (aumento das células TCD4+ que desempenham um papel importante na resposta imunitária aos organismos patogénicos oportunistas) e consequentemente reduz o risco de infeção e subsequente desenvolvimento de doença entérica mais grave e prolongada (266).

136 Em Moçambique, decorre desde 2006, o programa Prevenção de Transmissão Vertical (PTV), integrado nos serviços de saúde maternos, neonatais e infantil, com o propósito de reduzir o risco da transmissão de VIH da mãe para filho. Atualmente, a estratégia consiste em oferecer a TARV a todas as mulheres grávidas e lactantes com VIH, ao longo da vida, independentemente da contagem de células TCD4+ (267).

As ferramentas de biologia molecular permitiram a diferenciação dos genótipos de G.

duodenalis, as espécies e subtipos de Cryptosporidium spp. e forneceram informações importantes sobre a distribuição e fatores de risco a elas associadas.

No presente estudo, os resultados da PCR confirmaram a positividade de 34,2% das amostras positivas pelas técnicas de triagem (M.O e ELISA), para Giardia.

A existência de amostras falso-negativas nas técnicas de biologia molecular em amostras positivas quer por microscopia ou por técnicas imunocromatográficas têm sido reportadas em vários estudos (13,17,268,269) e podem estar relacionadas com vários fatores como a existência de baixas concentrações de ADN nas amostras biológicas analisadas assim como a natureza biológica resistente dos quistos e oocistos, que provavelmente podem não ter rompido as paredes e libertado o ADN. Um importante aspeto a destacar foi o tempo de armazenamento em que algumas das amostras permaneceram até à realização da extração (cerca de cinco anos) o que pode ter contribuído para a degradação do material genético durante o mesmo. A presença de inibidores de PCR em algumas das amostras não pode ser descartada, embora tenham sido utilizados reagentes para a sua remoção durante o processo de extração do ADN e como tal, podem efetivamente ter interferido nas reações.

O genótipo A (AII) de G. duodenalis, como referido, foi o mais prevalente no presente estudo. O estudo do GEMS realizado em Manhiça-Maputo e recentemente publicado revelou contrariamente ao presente estudo, a presença maioritária de infeções pelo genótipo B. Esse estudo da Manhiça que utilizou uma técnica de tipagem multilocus (MLSG), revelou 90,0% das infeções pelo genótipo B (199/222) e 10,0% pelo genótipo A (23/222). Dentro do genótipo A, o subgenótipo AII foi o mais observado (15) assim como no presente estudo (para casos e controlos).

De uma forma geral, a grande diferença observada entre o presente estudo e o estudo GEMS está relacionada com o tipo de abordagem molecular utilizada e da população de estudo em causa. Os autores utilizam uma abordagem MLSG, com três loci genómicos

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