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A esclerose lateral amiotrófica é uma das doenças neurodegenerativas mais incapacitantes, sendo o tratamento com riluzol, apesar de pouco eficaz sobre a sobrevida dos pacientes, o único fármaco que pode ser oferecido no tratamento da doença. Portanto, existe urgência em se encontrar novas terapias para curar ou pelo menos retardar a progressão da doença. Nosso estudo está focado em contribuir para a busca de novas terapias que possam além de prorrogar a sobrevida dos pacientes com ELA, promover maior qualidade de vida.

A caracterização do modelo animal utilizado para os estudos da doença é de extrema importância para confiabilidade e validação dos resultados. Esses animais apresentam grande variabilidade em diversos aspectos que podem influenciar no tempo de início e progressão da doença, bem como, na sobrevida dos animais. Por esse motivo faz-se necessário um rígido controle de qualidade na manutenção da linhagem.

Os animais empregados como modelo nesse estudo são da linhagem SOD1G93A, com background genético B6.SJL. De acordo com os parâmetros empregados para a caracterização do modelo animal, foi claramente observado que os animais desenvolveram o fenótipo com alterações clínicas e celulares característicos decorrentes da doença. Apesar de haver uma variação no número de cópias do gene humano SOD1G93A (2 fold change) entre os animais, não houve qualquer influência no tempo de início da doença e desempenho motor dos animais. Sinais clínicos evidentes e característicos da doença foram observados a partir de 12.5 semanas. Através do monitoramento do peso corporal dos animais, observou-se que todos os animais com ELA, independente do tratamento ou não, iniciaram a doença na 13° semana. Esse início foi acompanhado por alterações no teste de desempenho motor, apresentando diferenças significativas a partir da 15° semana quando comparados aos respectivos NTG.

Dados semelhantes do padrão de início e progressão da ELA na mesma linhagem foram observados por (Pfohl, Halicek et al. 2015), que relataram alterações como tremores dos membros posteriores e alterações no teste de desempenho motor Rotarod, evidenciadas antes dos 100 dias (~14%) em animais SOD1G93A B6JSL, quando comparados com C57BL/6. Ainda,

ressaltando a importância da caracterização do modelo animal para validação dos resultados, sabe-se hoje que animais expressando a mesma mutação SOD1G93A podem apresentar início,

progressão e tempo de sobrevida diferente, dependendo do background genético da linhagem, mesmo apresentando o mesmo número de cópias do gene humano mutante (Mancuso, Olivan et al. 2012, Marino, Papa et al. 2015).

No presente estudo, foram investigados, os efeitos de duas possíveis terapias para o tratamento da ELA: uma farmacológica, com tratamento oral de tempol (50mg/kg) administrado semanalmente (dias alternados) e uma terapia celular, com uma injeção única de células-tronco mesenquimais humanas derivadas de tecido adiposo (1x105 células). Além de analisadas isoladamente, foi avaliado ainda, se a combinação de tempol com riluzol, bem como com hMSC poderia potencializar os efeitos terapêuticos.

Interessantemente, na maioria das análises empregadas neste estudo, o tratamento com riluzol apresentou efeitos inferiores ao tratamento com tempol. Curiosamente, quando associado ao tratamento com tempol (grupo R+T), os efeitos positivos do tempol não foram mais observados. Apesar do riluzol ser o único fármaco atualmente aprovado para o tratamento da ELA, desde sua aprovação, diversos estudos têm investigado os efeitos do tratamento com riluzol em modelos animais para melhor compreender seus mecanismos de ação. Entretanto os resultados em modelos animais apresentam bastante variabilidade, devido aos diferentes protocolos de tratamento utilizados. Kennel, et. al., (Kennel, Revah et al. 2000) relataram que o tratamento oral (gavagem) com riluzol (8mg/kg) prolonga a sobrevida e retarda a deterioração da força muscular em animais com neuropatia motora progressiva, uma doença hereditária autossômica recessiva que compartilha alguns sintomas de ELA. Ao contrário, Li, et. al., (Li, Sung et al. 2013) realizaram um estudo para investigar possíveis biomarcadores eletrofisiológicos para avaliar a progressão da doença e os efeitos do riluzol em animais SOD1G93A (B6JSL). Os resultados indicaram que, apesar de avaliarem uma série de parâmetros, o riluzol na dose testada, não exerceu nenhum efeito benéfico em animais SOD1G93A. Outros estudos mostraram, ainda, que a combinação de outras terapias com riluzol, mostrou-se mais eficaz quando comparado ao efeito do tratamento com riluzol isoladamente (Del Signore, Amante et al. 2009). Por outro lado, Snow, et. al., (Snow, Turnbull et al. 2003) demonstraram que o tratamento com suplementação de creatina e riluzol forneceu efeitos benéficos similares em animais SOD1 mutantes. No presente estudo, a terapia combinada de riluzol + tempol exerceu um discreto efeito na sobrevivência de motoneurônios e na redução da gliose. No entanto, não apresentou diferenças estatísticas quando comparado ao grupo veículo. Entretanto, mostrou-se eficaz em reduzir a perda de peso em animais SOD1G93A e prolongar a sobrevivência

dos animais, quando comparado ao grupo veículo.

É importante ressaltar que o presente estudo demonstrou a eficiência do tratamento com tempol, obtendo-se resultados similares ao tratamento com riluzol em vários parâmetros. Destacamos o efeito positivo do tempol sobre a astrogliose reativa, principalmente no estágio inicial da doença. É possível que a ação antioxidante do tempol, reduzindo o estresse oxidativo,

influencie positivamente no processo inflamatório durante a instalação dos sintomas. Portanto, faz-se necessário, maiores investigações para melhor compreensão e interpretação desses achados.

O tratamento com tempol, considerado uma droga antioxidante, pode ser considerado uma promissora terapia para doenças neurológicas, uma vez que apresenta excelente permeabilidade celular, não possui toxicidade e sua dose letal (LD) oral em ratos é de 1.053 mg/kg, segundo informações do fabricante.

Resultados de nosso laboratório, já comprovaram o efeito neuroprotetor do tempol após transecção do nervo isquiático em ratos neonatos, onde constatamos ação benéfica na sobrevivência neuronal e proteção da expressão de sinaptofisina, acompanhada por ação anti- apoptótica, associada à expressão de Bcl2 (Chiarotto, Drummond et al. 2014). Outros autores também relataram diversos efeitos in vitro e in vivo do tempol no sistema nervoso como: ações antioxidantes, anti-apoptóticas e anti-inflamatórias, capacidade de reduzir a liberação de glutamato em condições patológicas, modulação de BDNF, neuroinflamação e estresse oxidativo, promovendo melhora na capacidade cognitiva em modelo de doença Alzheimer. Efeitos terapêuticos na encefalomielite autoimune experimental (EAE), modelo clássico de esclerose múltipla e neuroproteção in vitro em modelo de doença de Parkinson também foram observados (Lipman, Tabakman et al. 2006, Dohare, Hyzinski-Garcia et al. 2014, Sunkaria, Sharma et al. 2014, Ali, Abo-Youssef et al. 2016, Neil, Huh et al. 2017, Wang, Li et al. 2017).

No presente trabalho, o tratamento com tempol mostrou-se eficaz em reduzir a perda neuronal causada pela ELA até mesmo no estágio final da doença e preservação sináptica no início dos sintomas. Além disso, exerceu efeitos imunomodulatórios sobre os astrócitos e micróglia, principalmente no estágio inicial da doença. Esses resultados corroboraram a análise de expressão gênica, as quais mostraram a redução da expressão das citocinas pró-inflamatórias IL1β e TNFα. Além disso, a expressão de BDNF e, principalmente, GDNF e TGFβ também foram menores quando comparadas ao grupo veículo, sugerindo que os efeitos observados podem ter favorecido o estabelecimento de um microambiente medular menos degenerativo para os motoneurônios. Como reflexo, a sobrevivência neuronal se manteve até o estágio final da doença. Adicionalmente, as análises comportamentais mostraram que o tratamento com tempol, retardou o déficit motor a partir da 14ª semana. Também apresentou uma tendência em reduzir a perda de peso em animais SOD1G93A a partir da 17ª semana, quando comparado aos animais do grupo veículo. No entanto, apesar de todos os efeitos relatados acima, não houve influência no tempo de início, duração e evolução da doença e o tratamento com tempol não promoveu aumento na sobrevida dos animais, quando comparado ao grupo veículo (tempol:

133 dias vs veículo: 129 dias). Em contraste com nossos dados de sobrevida dos animais, Linares, et. al. (Linares, Seixas et al. 2013) demonstraram que o tratamento intraperitoneal com tempol (26mg/kg), três vezes por semana, aumentou em 17 dias a sobrevida de animais SOD1G93A (ratas) quando comparados ao grupo não tratado. Esta importante diferença de sobrevida é de difícil compreensão e pode ser resultado da variação de parâmetros relacionados às condições experimentais, tais como espécie e via de administração. É um exemplo claro da dificuldade para se comparar dados da literatura, que ressalta o significativo desafio em relação a ELA.

Apesar das diferenças acima relatadas, os efeitos neuroprotetores e imunomodulatórios observados com o tratamento com tempol foram ainda mais impactantes nos grupos que receberam a terapia celular. As células-tronco mesenquimais (MSCs) são consideradas como uma ferramenta promissora para o tratamento da ELA, pois possuem características multipotênciais, como a capacidade de secretar fatores neurotróficos e exercem efeito imunomodulador. Diferentes estudos demonstraram a eficácia das MSCs, principalmente originados da medula óssea ou tecido adiposo, em atrasar o aparecimento da doença e proteger neurônios motores em animais SOD1G93A, mesmo que, com certa variabilidade em relação à quantidade aplicada e via de administração (Lewis and Suzuki 2014, Yao, Zhijuan et al. 2015).

No presente estudo foram empregadas como terapia, células-tronco mesenquimais humanas (hMSC) derivadas de tecido adiposo. Essas células são de fácil obtenção, apresentam alta taxa de proliferação, capacidade imunomodulatória e neuroprotetora e são excelente indicação para transplantes autólogos, uma vez que são imunoprivilegiadas, graças à baixa expressão de moléculas HLA/MHCI, cuja ausência evita sua rejeição pelo hospedeiro (Ribeiro, Duarte et al. 2015, Todeschi, El Backly et al. 2015).

Vários estudos sugerem que as MSCs possam exercer papel protetor para os neurônios motores em animais SOD1G93A, modificando o ambiente inflamatório na medula espinal (Boido, Piras et al. 2014). De acordo com esses achados, nós observamos significativa proteção de motoneurônios no estágio inicial dos sintomas, nos grupos que receberam a terapia celular isolada ou associada ao tempol. No mesmo período de tempo, notamos marcante redução das citocinas pró-inflamatórias IL1β, TNFα e ainda, expressão reduzida de iNOS, marcador indireto de NO, um potente agressor aos motoneurônios. Esses resultados foram acompanhados ainda pela significativa atenuação da reatividade de células gliais (astrócitos e micróglia), sendo esta ainda mais marcante na redução da astrogliose. Esses resultados indicam claramente uma mudança para um ambiente anti-inflamatório, o que foi confirmado por uma

menor presença de transcritos gênicos para citocinas anti-inflamatórias TGFβ e IL10 na medula espinal dos animais tratados com hMSC, quando comparados com o grupo veículo e tempol.

Os efeitos benéficos demonstrados por essas células, atualmente são creditados à sua atividade parácrina, pela liberação de fatores solúveis que exercem diversas funções biológicas. Dentre elas, destacam-se a imunomodulação, a quimiotaxia, a melhoria e suporte angiogênico, os efeitos anti-apoptóticos, ou mesmo potencial de proliferação/diferenciação. Em conjunto, tais possibilidades sugerem amplo potencial terapêutico (Meirelles Lda, Fontes et al. 2009, Assoni, Coatti et al. 2017). No SNC, a imunomodulação por secreção de moléculas pode promover diversos benefícios, como estimulação da sobrevivência autócrina intrínseca, crescimento de neuritos e auxilio ao crescimento axonal. Assim, o resultado da terapia celular promove, potencialmente, a correta conectividade no encéfalo e medula espinal (Meirelles Lda, Fontes et al. 2009, Henriques, Pitzer et al. 2010).

De fato, no presente estudo, além da excelente preservação neuronal observada nos estágios iniciais dos sintomas, os grupos tratados com hMSC sozinhas ou com tempol, apresentaram importante preservação dos circuitos sinápticos no corno ventral da medula. Além disso, apesar do efeito terapêutico das células não ter sido refletido na sobrevivência dos neurônios e preservação de sinapses no estágio final da doença, sua ação imunomodulatória foi mantida. A redução da astrogliose e microgliose no estágio final da doença foi atenuada nas três regiões da medula espinal (ventral intermédia e dorsal), resultando em um ambiente menos inflamatório. Sugerimos que essa imunomodulação generalizada pode ter preservado circuitos neuronais importantes das demais regiões analisadas e que, apesar de não ter sido evidenciada maior sobrevivência neuronal nesses grupos quando comparados ao veículo, houve melhora do microambiente para os neurônios que sobreviveram. Esses dados foram confirmados pelos resultados de microscopia eletrônica, os quais, qualitativamente, demonstraram maior preservação do neurópilo e dos motoneurônios, nos grupos tratados com hMSC e hMSC+tempol.

A terapia celular ainda demonstrou efeitos impactantes nas análises comportamentais. O teste de desempenho motor Rotarod revelou que ambos os grupos hMSC e hMSC+tempol mantiveram a performance motora praticamente inalterada, similarmente aos animais NTG até a 17ª semana, enquanto os demais grupos, apesar de apresentarem resultados melhores em comparação ao veículo, já demonstravam alterações significativas de déficit motor. Além disso, assim como o tempol, apresentaram tendência em reduzir a perda de peso a partir da 17ª semana até estágios mais avançados da doença. Todos esses efeitos resultaram num importante e promissor retardo na evolução da doença, como demonstrado pelo score

clínico no grupo tratado com hMSC. Ainda, observou-se aumento de 11 dias na sobrevida dos animais no grupo hMSC e 18 dias no grupo hMSC+tempol. Neste último, tal diferença foi significativa em relação ao grupo veículo.

Apesar de diversos estudos já terem demonstrado resultados positivos com a terapia celular usando diferentes tipos de MSC em diferentes doses e vias de aplicação (Kim, Lee et al. 2014, Gubert, Decotelli et al. 2016, Venturin, Greggio et al. 2016, Sironi, Vallarola et al. 2017), o diferencial aqui encontrado diz respeito à quantidade e via de administração. Obtivemos êxito com uma única aplicação de 1x105 células, quantidade inferior empregada na maioria dos

estudos, aplicadas sistemicamente na fase assintomática. Conseguimos um efeito terapêutico que foi refletido até o estágio final da doença, mesmo com a intensidade do processo degenerativo decorrente da ELA. O mecanismo específico pelo qual as hMSC atuaram na medula espinal e/ou sistema nervoso periférico, melhorando o fenótipo clínico da ELA, requer mais investigações.

Com base nos nossos resultados, podemos sugerir que o diferencial para encontrar um efeito terapêutico máximo, não está relacionado com a quantidade de células a serem transplantadas ou aplicá-las localmente na medula espinal, mas sim, em encontrar o melhor momento para o início da intervenção terapêutica. Apesar dos satisfatórios efeitos observados, a terapia em estágios assintomáticos não é condizente com a realidade da ELA, uma vez que o diagnóstico da doença só pode ser concluído após o aparecimento dos sintomas, pois até o momento não há nenhum biomarcador confirmador da doença.

Pensando na transposição clínica dos nossos resultados e baseados em resultados da literatura que demonstraram sucesso terapêutico quando células foram injetadas em períodos assintomáticos (Gubert, Decotelli et al. 2016, Venturin, Greggio et al. 2016), sugerimos uma alternativa de tratamento (Figura 48: A e B). Assim, empregando-se a mesma quantidade de células e o mesmo método de aplicação utilizado no presente estudo, iniciando a intervenção no estágio inicial dos sintomas (14° semana) e repetindo uma ou até duas aplicações, é possível potencializar os efeitos já observados.

Contudo ressaltamos que, mais importante do que preservar uma quantidade maior de neurônios no estágio final da doença, é garantir um microambiente menos pró-inflamatório para o contingente de neurônios sobreviventes. Com isso, conforme demonstrado por diferentes análises morfológicas, ultra-estruturais e moleculares, o impacto na progressão da doença e a sobrevida dos animais tende a ser mais significativo.

Figura 49: Representação esquemática da transposição do tratamento experimental para a clínica, iniciando a intervenção após aparecimento dos sintomas. A. Esquema representativo dos resultados encontrados no presente estudo. B. Perspectiva de eficiência para um novo tratamento, empregando-se múltiplas aplicações de células- tronco mesenquimais adultas.

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