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As ferramentas biotecnológicas têm permitido a comercialização de plantas GM capazes de expressar altos níveis de resistência específica a pragas em culturas diversificadas (PERLAK et al, 1993). A principal vantagem da implantação de eventos transgênicos resistentes a insetos no mercado é a grande redução do uso de pesticidas químicos sendo estes causadores de riscos à saúde e ao meio- ambiente (SHELTON et al, 2002; CATANNEO et al., 2006). Até o momento, há 47 eventos de algodão GM disponíveis comercialmente, porém no Brasil apenas 12 estão regulamentados (ISAAA, 2012). Entretanto, nenhum desses expressam qualquer resistência ao bicudo-do-algodoeiro.

A cotonicultura é uma das principais commodities do mundo, sendo responsável pelo desenvolvimento socioeconômico das regiões centro-oeste e nordeste do Brasil (FREIRE, 2007). Há alguns anos, a cultura tem sofrido um declínio em sua produção decorrente de intensos ataques de diversas pragas. Segundo a literatura, pelo menos, trinta espécies de insetos e três ácaros são declarados como pragas específicas do algodoeiro (GONDIM et al., 2001). Dentre as principais pragas que assolam as plantações de algodão, destaca-se o bicudo-do- algodoeiro, A. grandis.

A partir da adoção comercial de algodão Bt em 1996 nos Estados Unidos e Austrália, o número de países que o produzem comercialmente e a área cultivada vêm aumentando consistentemente. Em 2011, o algodão Bt foi cultivado em 17,9 milhões ha, o que corresponde a mais de 72 % área total do algodão cultivado em todo o mundo (JAMES, 2011). A Índia é hoje o país com a maior área plantada de algodão Bt (8,4 milhões de ha), seguido pela China (3,7 milhões ha) e os EUA (2 milhões ha). Cerca de 8,25 milhões de produtores de algodão utilizam plantas GM, dos quais 90% são pequenos agricultores. Segundo estudo realizado na Índia, o algodão Bt foi responsável pelo aumento do rendimento da produção e da lucratividade em 24% e 50%, respectivamente (QAIM, 2010; KOUSER; QAIM, 2011; KATHAGE).

Com relação ao bicudo-do-algodoeiro, somente 4 toxinas foram relatadas na literatura como sendo tóxicas a esse inseto, são elas a Cry1Ba, a Cry1Ia12, a

Cry10Aa e a Cry8Ka5 (GROSSI-DE-SA et al., 2007; OLIVEIRA et al., 2011; AGUIAR et al., 2012). No entanto, as doses efetivas para essas toxinas variam de 5,6 – 610

g/mL, o que é uma concentração muito elevada para fins de aplicação biotecnológica, já que em algodão, os níveis de expressão protéica em eventos transgênicos variam entre 0,2-0,29g de toxina/g de tecido fresco (TORRES et al., 2006). Entretanto, um estudo recente demonstrou que o nível de expressão de toxina Cry1Ac é de 0,7g da toxina/g de tecido vegetal fresco de algodão transgênico Bt (YU et al., 2014).

Das proteínas Cry inseridas em plantas de algodão que já se tornaram passíveis de comercialização são: a Cry1Ac (Monsanto, Mon531-Bollgard®) e a

Cry1Ac associado a Cry2Ab (BollgardII®, DOW 3006, Calgene 31807) (MONSANTO,

2008).

Além da utilização das proteínas Cry como modo de controle aos insetos- praga, a elucidação do mecanismo de silenciamento gênico por RNA de interferência tem demonstrado resultados promissores em diversos estudos, abrindo caminhos para uma segunda alternativa biotecnológica para a produção de transgênicos (PRIDGEON et al., 2008). O silenciamento gênico refere-se a uma série de mecanismos envolvidos na repressão da expressão de genes-alvo, por meio da inibição da transcrição ou da tradução. O silenciamento gênico transcricional pode ocorrer através de metilação na região promotora do gene, causando a inibição da transcrição, e o pós-transcricional ocorre através da destruição do transcrito ou inibição da tradução (GORDON; WATERHOUSE, 2007; PRICE; GATEHOUSE, 2008).

Várias pesquisas utilizando RNAi têm sido realizadas visando a degradação de RNAm essenciais para a sobrevivência de insetos considerados pragas para a agricultura (GHANIM; KONTSEDALOV; CZOSNEK, 2007; MAO et al., 2007). Baum

et al. (2007) demonstraram a possibilidade de silenciar genes essenciais para a

sobrevivência do coleóptero Diabrotica virgifera virgifera, praga prejudicial às plantações de milho, por meio da produção de plantas de milho GM, com a metodologia do RNAi. Essas plantas de milho GM contendo RNAi homólogo ao gene da V-ATPase A apresentaram supressão da expressão desse gene quando desafiadas com o inseto-alvo, resultando na diminuição dos danos causados às raízes. No caso do algodão foi obtido um evento GM pela metodologia de RNAi para resistência ao lepdóptero H. armigera, praga também bastante prejudicial à cultura,

por meio do silenciamento do gene do citocromo P450 que resultou na perda de resistência ao gossipol e morte de larvas (MAO et al., 2007).

Em trabalhos anteriores foi demonstrada a capacidade de silenciar genes em insetos por meio da metodologia do RNAi (BAUM et al., 2007; MAO et al., 2007) e a capacidade letal que as proteínas Cry apresentam sobre insetos (BRAVO et al., 2004; GÓMEZ et al., 2002; ZHUANG et al., 2002). Entretanto, nenhum desses trabalhos propôs qualquer modo de controle ao inseto A. grandis. A partir dos dados da análise do transcritoma do inseto (FIRMINO, 2013) determinou-se a viabilidade de manipular genes que fossem essenciais para o ciclo de vida do inseto-praga. Dentre estes, foram destacados a importância da quitina sintase II (CHS2) (MACEDO, 2012) e da vitelogenina (COELHO, 2013) para o desenvolvimento do bicudo-do-algodoeiro. Estes genes foram patenteados a fim de serem utilizados como genes alvo para silenciamento, visando o controle de A. grandis, por meio da transformação genética de plantas de algodão.

Baseado nos resultados destes estudos, no presente trabalho foi realizada a transformação genética de algodoeiro por meio da técnica de biobalística, utilizando uma construção gênica contendo, de forma piramidizada, dois módulos gênicos, um módulo gênico visando a expressão de dsRNA e no outro, a superexpressão da entomotoxina Cry8Ka5, a fim de induzir resistência ao inseto A. grandis. Tratando-se de uma espécie de planta economicamente importante que, por sua vez, tem sofrido inúmeros ataques por esta praga, foram selecionados dois genes de suma importância para o ciclo biológico e desenvolvimento de A. grandis a fim de serem silenciados: CHS2 e vitelogenina (MACÊDO, 2012; COELHO, 2013). Além disso, dentre as entomotoxinas Cry foi escolhida para este trabalho aquela que melhor apresentasse potencial de ação em coleópteras, por isso, a proteína Cry8Ka5 (OLIVEIRA, 2008).

Dessa maneira, foi sintetizado um cassete contendo ambas as estratégias, com seleção para o herbicida Imazapyr, utilizado nos meios de seleção. A metodologia de inserção do vetor nos embriões (biobalística) garantiu a eficiência esperada de transformação para o evento transgênico 0,54%. Segundo Rech et al. (2008), a eficiência do bombardeamento deve ser maior ou igual a 0,5% do total de embriões bombardeados, baseando-se na razão entre o número de plantas transgênicas e o número de embriões bombardeados.

A técnica de transformação utilizada nesse trabalho apresentou eficiência e maior do que a de transformação de algodão via tubo polínico que foi de 0,1% (OLIVEIRA NETO et al., 2005), reforçando a viabilidade da utilização da mesma para a transformação do algodão. As variedades de algodão GM resistente a alguns lepdópteros, expressando Cry2Ab2 e Cry2Ab2i, que é comercializado livremente no Brasil, foram obtidas em 2009 (BRASIL, 2009). Portanto, esse fato reforça a viabilidade do desenvolvimento e o lançamento de novas variedades de algodão GM para o controle de outros insetos-praga.

Das 186 plantas de algodão que apresentaram resistência Imazapyr, 19 plantas continham as três sequências gênicas detectadas por PCR. Destas, apenas 11 expressaram a entomotoxina Cry8Ka5 detectada por ELISA variando entre 8 e 90 µg/g de tecido vegetal da entomotoxina em botões florais. De acordo com a literatura, a expressão de proteína Cry pode variar em função do tecido analisado, sendo maior para folhas apicais. Nos demais tecidos, o nível de expressão pode ser reduzido em até 44% em botão floral, 50% nos óvulos e 58% no pólen, quando comparados aos níveis de expressão em folhas apicais (GRENPLATE, 1999; SIVASUBRAMANIAM et al., 2008). Entretanto, no presente estudo, a utilização do promotor tecido-específico (GhPGFS1) aumentou a expressão de Cry8Ka5 nos botões florais, onde quase que 60% da plantas analisadas expressaram essa entomotoxina.

Para a metodologia do RNAi não foram realizados experimentos demonstrando os níveis de expressão dos genes nas plantas de algodão GM. Entretanto, a partir da geração T1, foi realizado um desafio entre plantas GM e o inseto-alvo que revelaram uma possível atividade do silenciamento. Nas larvas de A.grandis alimentadas por 7 dias com botões florais de algodão GM, detectou-se pela técnica de qRT-PCR a diminuição da expressão de um dos genes alvo. A expressão de CHS2 da larva que se alimentou de botão floral do evento GM 7.5 foi seis vezes menor que a expressão na larva controle alimentada por botão floral não transgênico durante o mesmo período. Curiosamente, este evento T1 (7.5) é oriundo do parental T0 (7) que, dentre as plantas PCR positivas para os três genes, foi o que conferiu maior nível de expressão de Cry8Ka5 (60 µg/g). A larva alimentada com o evento 7.1 teve expressão de CHS2 semelhante ao controle. Isto demonstra o potencial do evento 7.5 para o controle de A. grandis. O fato dos outros eventos transgênicos T1 (7.1 e 7.2) originários do mesmo parental T0 (7) não terem

mostrado o silenciamento da CHS2 nas larvas, pode ser inferido pela possível inserção do transgene em alguma região não codificadora do genoma da planta.

Apesar de não haverem sido concluídos todos os experimentos esperados para a caracterização das plantas de algodão resultantes desse trabalho, esses resultados demonstram a viabilidade da técnica de RNAi para obtenção de plantas de algodão GM resistentes ao bicudo-do-algodoeiro, contribuindo para o melhoramento genético desta cultura e, consequentemente, para o agronegócio brasileiro.

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